Capítulo 41
A noite no hospital passou sem nenhuma novidade e tive que tomar um calmamente para poder conseguir dormir alguns poucos minutos.
Eu nem queria sair dali, mas o Guilherme acabou me fazendo ir na lanchonete do hospital comer alguma coisa.
Eu olhava para o pastel na minha frente, sem nenhuma vontade de comer.
-Você precisa comer - o Guilherme lembrou.
-Estou sem fome - respondi, afastando o prato com o pastel.
Ele me empurrou o prato de volta.
-Você não come desde ontem. Creio que você não quer desmaiar de fome, ter que tomar soro e perder de ver o seu pai quando puder - ele arqueou uma das sobrancelhas.
Tomei um gole do suco que também estava na minha frente.
-Mas eu...
-Se você não comer, eu enfio esse pastel goela abaixo - o Gui ameaçou.
Sorri com sua piada e dei uma mordida no pastel. Meu estômago estava tão mal acostumado sem comida, que já quis devolver aquela comida.
Quando fui pegar o guardado para devolver o pastel, o Gui me olhou sério.
-Engole - mandou.
Obedeci e mesmo com a ânsia de vômito sendo forte, engoli.
-Faz parte, você não come faz horas. Continue.
Obedeci e fui comendo devagar o pastel.
Enquanto eu comia, a Flavia chegou na lanchonete e foi se sentar com a gente. A Bruna estava em seus braços.
-Quer que a gente fique com ela enquanto você vai para casa trocar de roupa? - o Gui perguntou.
A Flavia olhou para a bruna.
-O Lucas foi dar uma descansada. Quando ele voltar, nós vamos - ela respondeu.
Tomei um gole de suco.
-Eu mal consigo comer. Como o Lucas consegue ficar tranquilo? - perguntei indignada.
O Lucas estava tão nervoso quanto eu.
O Guilherme e a Flavia trocaram olhares suspeitos.
-O que vocês estão me escondendo? Sabem de alguma coisa que não sei? - perguntei.
-Não tem na...
-Seu pai já acordou. - a Flavia contou.
Senti meu coração se aquecer dentro do peito.
-Está? E como vocês não me contam uma coisa dessas? - gritei, já me levantando.
-Pra você não sair assim. Ele precisa descansar - o Gui explicou.
Não dei ouvidos ao que ele falava e sai correndo da lanchonete, indo direto para o quarto do meu pai.
Ao chegar correndo e ofegante, parei ao abrir a porta e ver minha mãe ao lado dele. Ela devia o amar muito, mesmo ele fazendo tudo aquilo, ela continuou ao seu lado.
-Melissa? - meu pai se espantou.
Ergui a cabeça e vi meu pai sob a a cama, com uma expressão de cansaço estampada no rosto.
Ele tinha um fio no seu braço, que estava ligado à uma bolsa de soro.
Ouvi passos apressados atrás de mim e já sabia que era a Flavia e o Gui que tinham me impedir de fazer qualquer coisa.
-Não faz nada, ele ainda não se recuperou - o Guilherme aconselhou.
Meu pai se sentou na cama.
-Podem me deixar sozinho com a Melissa? - ele perguntou.
Todos concordaram e foram se retirando do quarto. Minha mãe parou ao meu lado e cochichou no meu ouvido:
-Olha o que você vai falar.
Como se eu não tivesse coração e fosse brigar com o meu pai numa situação daquelas.
Me aproximei quando ouvi a porta atrás de mim ser fechada.
-Como você está? - perguntei, puxando a cadeira para me sentar.
-Um pouco melhor - meu pai respondeu.
Abri um sorriso aliviado de ouvir aquela resposta.
Seu braço estava em uma tipoa e seu olho esquerdo estava roxo, ele não tinha se machucado muito.
-Jurava que você não veria me visitar.
-Por que eu não viria? - perguntei.
Eu sabia que tinha meus motivos, mas queria saber se ele também sabia.
-Porque eu fui um péssimo pai e não me refiro só de ter de arrumado para fora de casa - ele engoliu um seco. - Quando vi aquele carro na nossa direção, um filme da minha vida passou pela minha cabeça. Sabe o que vi?
Engoli um seco, senti medo de saber a resposta.
-O quê ? - perguntei.
-Vi o quanto fui um pai ausente para você e para o Lucas. Era só trabalho e trabalho.
Meus olhos foram se enchendo de lágrimas conforme eu me lembrava de quantas vezes eu e o Lucas jantamos só com a nossa mãe, quando só tínhamos ela para poder nos ajudar no dever de casa, quando só ela ia nas reuniões da escola, quando lembrei que minha mãe também fez papel de pai.
De repente, meu pai segurou minha mão e senti a necessidade de o olhar nos olhos.
-Tudo bem. O senhor trabalhava só para nos dar uma boa vida, já passou - dei de ombros.
-Passou nada. Isso foi com que você fosse tão fria na adolescência.
-Todo adolescente é meio assim - falei.
Meu pai deixou uma lágrima cair.
-Se você permitir, quero uma nova oportunidade de... mudar. De fazer para vocês o que nunca fiz. Quero o perdão de vocês.
Senti uma lágrima correr pelo meu rosto.
-Não tem como não perdoar. O senhor que me deu a vida e mesmo sendo um tanto quanto ausente, foi o meu herói - declarei.
-Desculpa - ele pediu, de olhos fechados.
Apertei sua mão contra a minha.
-Se quiser voltar para casa - ele ofereceu.
Tinha sido complicado dormir em um colchão velho naquele apartamento, com medo acordar com um rato ou outro bicho na minha cara, mas eu tinha batalhado tanto por aquele meu cantinho que eu não iria deixá-lo tão cedo.
-Quem sabe um dia - dei de ombros.
Meu pai sorriu.
-Vou deixá-lo descansar - falei.
Antes que eu pudesse me levantar a mão do meu pai segurou a minha.
-Fique mais um pouco. Me deram um remédio e eu já vou dormir. Só fique aqui.
Como era um pedido, fiquei. Ficamos em silêncio, eu olhando para as paredes brancas ao redor do quarto, até que meu pai quebrou o gelo.
-Engraçado - ele disse.
-O quê é engraçado? - perguntei, desviando o olhar das paredes.
-Engraçado como nós começamos a dar valor para as coisas quando perdemos.
-Nem precisa perder, só um quase, já é suficiente para fazemos tomar um choque e valorizar, perdoar...recomeçar.
Meu pai concordou com a cabeça e aos poucos seu toque sob minha mão, foi ficando mais suave até sumir. Seus olhos fecharam e sua respiração ficou pesada.
Olhei para seu rosto cheio de marcas de expressão e só sai do quarto quando tive total certeza que ele estava dormindo.
Ao sair do quarto e ir para onde o pessoal estava, congelei ao ver um médico falando com eles.
Um médico falando com sua família quando seu pai está internado, não era boa coisa.
Quando percebeu que eu estava ali, o Guilherme me olhou e imediatamente todos os olhares caíram sob mim.
-Ela pode - minha mãe cochichou para o médico, com o olhar fixo em mim.
O que eu podia?
Fui me aproximando, tentando decifrar o que falavam.
-Duvido ela querer - o Guilherme cochichou também.
Quando cheguei na frente deles, todas as bocas se calaram.
-Que foi? O que eu não vou querer ? - perguntei, cruzando os braços.
-Quem conversa com ela? - a Flavia perguntou.
O Guilherme se adiantou e veio para o meu lado.
-Eu falo.
Eu realmente não estava entendendo nenhuma palavra do que falavam, mas fui com o Guilherme até onde ele me guiou. Nos sentamos nas cadeiras da sala de espera.
-Lissa, aconteceu uma coisa muito grave - o Gui começou a falar.
Tentei imaginar o que podia ser. Com meu pai provavelmente não seria, eu tinha acabado de sair do seu quarto. Minha mãe não, nem o Guilherme, e descartei o Lucas, pois a Flavia estava normal.
Só me restava uma única opção, mas me disseram que ele estava bem.
O Guilherme respondeu a pergunta que eu me fazia.
-É, foi com o Maurício.
-O que houve? - perguntei.
O Guilherme soltou um suspiro.
-Ao fazer uma cirurgia, ele teve uma hemorragia. Parece que uma enfermeira cortou uma veia - ele deu de ombros.
Senti meu coração ficar na mão. Eu queria ter uma relação boa com o Maurício, mas parecia que o destino não ajudava.
-E onde eu entro nessa história? Eu ouvi minha mãe falando que eu podia. Eu posso o quê ?
-Você pode salvá-lo.
As palavras do Gui levaram uns segundos até que eu conseguisse entender. O destino estava ajudando ou ele queria estragar tudo de uma vez?
-Como assim? - perguntei.
-O Maurício precisa de sangue, mas as bolsas do hospital está em falta. Você tem o mesmo sangue que ele. Você pode salvar ele, bastar querer.
Me levantei e comecei a passar as mãos pela cabeça.
O Maurício nunca tinha me dado um único motivo para eu pelo menos cogitar a iria de salvá-lo. Ele sempre me incultava e na maioria das vezes, piorava a situação que já estava péssima.
Mas mesmo tendo nossas diferenças, ele era meu irmão. E todos nós merecemos uma segunda chance, essa era a segunda chance dele.
Vai que ele mudava?
-Eu doou - falei.
O Guilherme soltou o ar que prendia dentro de si.
-Mas eu não quero que ele saiba - expliquei.
O Guilherme se levantou.
-Por que?
-Porque eu não quero que ele se sinta na obrigação de vir falar comigo e a ter uma relação de irmão só porque eu vou doar sangue. Esse laço que temos que criar, tem que ser espontaneamente, não forçado - falei.
-Tudo bem, como quiser.
O Guilherme me segurou pelos ombros e me guiou até onde o pessoal estava.
-Eu doou - falei.
Todos suspiram aliviados. Senti que até mesmo o Guilherme tinha receio que eu recusasse salvar uma vida.
-Então vamos aos procedimentos. Não temos tempo a perder - o médico falou.
Minha mãe e a Flavia ficaram na sala de espera, enquanto eu acompanhei o médico e levei o Guilherme junto comigo.
Me fizeram perguntas, como se já tinha doado sangue alguma vez e coisas do tipo.
Fiz alguns exames rápidos e por fim, estava tudo certo. Fui até o local indicado e sentei em uma das cadeiras.
-Como é a primeira vez que você doa, pode demorar uns minutos - a enfermeira avisou, pegando uma agulha.
Desviei o olhar e fixei no Guilherme que permanecia ao meu lado. Estendi a mão e ele a segurou.
-Pense em coisas boas, você nem sentirá nada - a enfermeira aconselhou.
Concordei com a cabeça, enquanto segurava a mão do Gui.
Senti aquela agulha fina e gelada, furar minha pele e aos poucos, fui sentindo o sangue sair e ir em direção a bolsa de sangue.
-Dói muito? - O Guilherme perguntou.
Fechei os olhos por uma fração de segundo.
-Um pouco - falei.
Eu segurava a mão do Gui com força, enquanto o sangue que salvaria a vida do Maurício, ia para o seu devido lugar.
O Gui ficou todo segundo contando piadas. A maioria sem nenhum sentido, mas eu sorria só de ver que ele estava se esforçando.
Depois de vários minutos sentido aquela dor chata, uma enfermeira veio tirar aquilo de mim.
-Pronto - ela falou, arrumando um curativo aonde estava a agulha a poucos instantes atrás.
Segurei o braço que ainda doía e sai dali acompanhada do Guilherme.
-Você fez a coisa certa. Estou orgulhoso - o Gui declarou, me dando um beijo na testa.
-Eu não podia deixá-lo morrer. Todos merecem uma segunda chance - falei, o abraçando.
- Até ele.
-Até ele - suspirei.
Todos erramos e não era justo deixá-lo morrer só porque nós não se dávamos bem na maioria do tempo.
-Todos erram, comentem erros e aprendemos - dei de ombros.
-E você não vai mesmo contar que doou sangue ?
Respirei fundo e baixei o tom de voz conforme íamos nos aproximamos do pessoal.
-Ele nunca irá saber - sussurrei.
-A relação de vocês não vai melhorar se ele pensar que você poderia ter o salvado e não fez isso - o Gui sussurrou de volta.
-Será melhor do que uma relação forçada - falei.
Minha mãe se levantou quando chegamos perto dela.
-Não quer ir para casa descansar? Eu vou dar um pulo lá em casa.
Minha mãe olhou para os lados, como se alguém não pudesse ouvir o que ela falaria.
-Sinto que não posso deixá-lo aqui sozinho - minha mãe disse.
-Desde que chegou, a senhora não saiu de perto dele. Ele irá entender se você der um pulo em casa para tomar um banho e descansar.
Aquelas palavras não convenceram minha mãe e ela voltou a se sentar.
-Prefiro ficar.
-Mãe...
O Guilherme se meteu em nossa conversa.
-Quer que tragamos alguma coisa? - ele perguntou.
-Uma roupa.
-Okay.
Antes que eu jogasse milhares de coisas para cima da minha mãe e a fizesse ir conosco para casa, o Guilherme me puxou pelo braço e me tirou do hospital.
Era melhor evitar discussões.
O tempo todo fui olhando pela janela, olhando como os prédios e árvores pareciam correr atrás de nós.
-Está tudo bem? - o Gui perguntou.
Não desviei o olhar de fora do vidro.
-Eu nunca tinha feito algo bom antes - expliquei.
Eu não rezava para as pessoas necessitadas, não dava uma moeda de cinco centavos para o mendigo na rua. Eu não doava minhas roupas que já não me serviam mais, eu não era totalmente uma pessoa do bem.
-Claro que já fez. Você me curou, salvou o seu irmão - o Gui lembrou.
-Mesmo assim. Quando eu tinha a oportunidade de mudar as coisas, de fazer o bem, eu virava as costas e fingia que não era comigo - deixei minha cabeça bater na janela.
-Você sabe que é uma pessoa boa. Você nunca roubou ou matou ninguém.
Suspirei.
-Ser uma pessoa do bem não é só não fazer o mal.
-Ser do bem, não é só fazer esses gestos que perante a sociedade, são coisas boas. Comigo mesmo você fez coisas, que são muito mais do bem do que uma pessoa rica que criou uma ONG.
Chegamos em frente ao meu prédio.
-Vai subir?
-Tudo bem se eu for em casa pegar uma roupa? Eu volto logo - o Gui garantiu.
Assenti.
-Pode ir. Depois vem ficar comigo - pedi.
-Virei - ele me assegurou.
Depois de um beijo cheio de paixão, sai do carro da Guilherme e praticamente me arrastei pelas escadas até chegar ao meu apartamento.
Aquilo tudo tinha acabado comigo. A Bina iria casar, meu pai tinha sofrido um acidente e eu tinha salvado a vida de uma pessoa. Era de mais para uma só cabeça.
Me atirei no sofá assim que fechei a porta atrás de mim.
Fiquei me recordando de quantas vezes eu tinha feito algo realmente bom e nas minhas lembranças, só achei duas vezes.
Me levantei de um pulo e fui até o quarto. Todas as minhas roupas que já não me serviam mais, velhas ou que eu não usava, as separei e as coloquei tudo em uma sacola grande.
Peguei minhas economias, um pouco de comida e sai de casa levando no coração, um sentimento do bem.
Levei as roupas para um lugar de doações, bem perto de casa. Na volta, dei dinheiro e comida para os mendigos que estavam na rua. Eles agradeceram e eu vim para casa sorrindo de orelha a orelha.
Ao chegar em casa o Guilherme estava na porta do meu apartamento.
-Onde você estava? Por que não levou o celular? - ele perguntou desperado.
Subi os últimos degraus pulando.
-Calma, eu só fui fazer o bem - respondi, procurando a chave no meu bolso.
-Eu te disse que fazer o bem não está só nas coisas pequenas.
-Está principalmente nas coisas pequenas - falei, colando a chave na fechadura.
O Guilherme soltou um suspiro, como se estivesse falando que não iria discutir só porque tínhamos pontos de vistas diferentes sobre o que é o bem.
-Pelo menos está se sentindo bem? - ele perguntou.
Abri a porta e entramos.
-Eu sei que não preciso provar para o mundo que sou boa, mas eu tinha que provar para mim mesma que eu era capaz de ser boa até nesses pequenos gestos.
O Guilherme franziu a testa, como se não estivesse entendendo minhas palavras.
-E sim, estou me sentindo ótima - respondi de braços abertos.
Ele veio até mim e me abraçou forte, mesmo sem entender o abracei forte também. Ele parecia estar orgulhoso.
O empurrei até o sofá e ficamos namorando até perder a noção do tempo.
Um sentimento estava transbordando pelo meu peito. Eu não tinha noção de como fazer o bem, nos fazia bem.
***
Tá acabando :(
Não esqueçam de votar e comentar. Até terça-feira que vem ♡
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