Capítulo 4
Eu simplesmente não conseguia conter as minhas lágrimas, elas deciam tão rápido, como a chuva cai.
Minha mãe chegou por trás de mim, passou o braço pelo meu ombro e eu comecei a soluçar.
As enfermeiras ficaram olhando a cena, sem fazer nada e sem nenhuma expressão no rosto.
Pelo menos, deixaram eu ficar alguns minutos ali com o Guilherme.
-Filha, vamos voltar?! - minha mãe perguntou, quando o que parecia a última lágrima caiu.
-Ah, mãe - respondi ainda segurando a mão do Gui.
-Você precisa descansar, vem, vamos!
Minha mãe fez eu me levantar. Segurei a mão do Gui mais uma vez.
-Eu volto, sempre! - cochichei, só pra ele.
Voltei pro meu quarto, com uma bolsa de soro enfiada no braço.
Era horrível ficar presa aquela cama, onde eu não podia fazer nada, a não ser assistir algum programa chato que passava na TV. Minha mãe não sabia o que fazer pra me deixar melhor.
Ela trouxe meus livros preferidos, meu filmes preferidos, mas nada disso adiantou. Eu acho que logo ela botaria um nariz vermelho e começaria a fazer palhaçada, só para me ver sorrir.
Não duvide disso. Minha mãe faz tudo pra ver seus filhos sorrindo.
Mas só o que me deixaria feliz seria saber que o Gui está bem, mas ele não está.
-Meli? - minha mãe disse de repente, se aproximando da cama.
-Oi?
-Eu vou em casa tomar um banho e descansar um pouco, mas logo já estou aí de volta.
-Mãe, não precisa voltar. Eu passo a noite sozinha - assegurei, mas foi só para minha mãe surtar.
-Óbvio que não. Não posso, não devo e não vou te deixar aqui sozinha.
-A senhora está cansada e desde que cheguei aqui a senhora não saiu do meu lado, agradeço, mas pode ir.
-O Lucas então vem ficar contigo, aí eu vou - ela disse.
-Não precisava, mas já que é o único meio de a senhora ficar em casa, tudo bem - concordei, mesmo não querendo.
Minha mãe sorriu e egou suas coisas.
-Tchau filha, qualquer coisa me liga. Te amo - ela disse ao me dar um beijo na bochecha.
-Okay, mãe. Eu também te amo.
-Se comporte - ela mandou.
-Pode deixar.
Minha mãe saiu. Fiquei sozinha, por sorte eu tinha um pequeno caderno de anotações pessoais, que estava ali comigo. Peguei uma caneta e as palavras tomaram conta das folhas em branco.
Ainda não caiu a ficha, sabe? Parece que todo noite você vai me desejar uma boa noite, parece que toda quarta - feira a gente vai ficar namorando no sofá, ou que vamos sair nos finais de semana ou que vamos ir no nosso lugar no parque de diversões, no nosso castelo.
Mas nada disso vai acontecer. São tantas as perguntas que rodam minha cabeça, e sabe o que é o pior? Elas não tem respostas. A medicina mesmo está sem esperanças que você irá sair dessa. Mas apesar de tudo, sinto uma esperança, lá no fundo.
Não consigui mais escrever, as minhas lágrimas já começaram a molhar o papel . Deixei de lado o caderno e a caneta, e dormi pra tentar relaxar um pouco.
Acordei com um barulho. Olhei pro lado e vi o Lucas lendo o que eu tinha escrito a pouco tempo atrás.
-Hein?! - acordei assustada.
-Desculpa, é que estava aberto. Quase chorei - ele disse.
-Tudo bem.
-O que passa na sua cabeça, minha irmã?
Meu irmão chegou perto de mim e me abraçou.
-É tanta coisa - admiti.
-Eu te entendo. Ou pelo menos tento. Vai ficar tudo bem e se não ficar, vou continuar do seu lado.
-Obrigado - minha voz quase não saiu.
Chorei, chorei ali abraçada ao meu irmão.
Nunca enfrentei meus problemas chorando, sempre de cabeça erguida, mas dessa vez está muito difícil erguer a cabeça e me sentir bem, confiante, ninguém é tão forte que não choraria em um momento desses.
Depois do meu choro, meu irmão deitou na poltrona e assistimos um programa de comédia.
Pouco depois a enfermeira veio trocar meus curativos e me trazer uma sopa, no mínimo feita no micro-ondas, aí que saudade da comida da minha mãe.
-Vou ter que comer mesmo essa comida? - perguntei apontando para a sopa.
-É a única, vai te deixar mais forte - a enfermeira praticamente cuspiu as palavras.
-Não sei aonde que uma água com tempero vai me deixar mais forte, eu precisava era de um daqueles lanches do McDonald's - desabafei.
-Aqui não é o McDonald's - ela recrutou.
-Infelizmente, porque lá tem gente mais educada do que aqui - rebati.
O Lucas que estava do meu lado, pois a mão na boca para não rir.
A mulher só me olhou com uma cara de quem comeu e não gostou. Ela trocou os curativos e só disse que depois o médico viria me ver e saiu com cara feia.
-Mandou bem, hein? - Lucas elogiou.
-Mas também, só quer que a gente tome essa sopa com gosto de nada.
-Espere,nisso posso ajudar.
O Lucas pegou seu casaco e já ia saindo.
-Aonde você vai? - perguntei.
-Vou trazer um sorriso nesse rosto lindo - ele respondeu e saiu.
Fiquei sozinha e como não tinha ninguém pra dizer o que eu tinha, ou não o que fazer, deixei aquela sopa horrível de lado. Não estava com fome mesmo.
Meu braço esquerdo ainda doía, acho que só arrumaram na tipoia e nem examinam coisa nenhuma.
Nesse momento o médico chegou pra me ver.
-Como vai? - ele perguntou entrando no quarto.
-Mal - admiti.
-Sente dor?
-No braço.
-Ah, é normal.
-Não vão fazer cirurgia? Não entendo muito de medicina, mas eu tinha que já ter feito uma operação ou algo do tipo.
O médico narigudo ficou sem graça e ficou todo vermelho.
-Eu vou providenciar isso - ele disse.
-É bom mesmo.
O médico olhou ao redor e não viu ninguém ali comigo.
-Não tem ninguém aqui com você? - ele perguntou.
-Meu irmão foi comprar uma coisa pra ele comer, já volta - respondi.
-Hum... Aqui tem uma lanchonete, ele foi lá?
-Creio que não, foi arrumar uma comida que preste.
-Aqui tem comida que preste - ele recrutou.
Só tem gente mal-educada aqui?!
-Se uma água com caldo de galinha dentro é comida que preste... - murmurei.
-Essa sopa tem nutrientes, vai te fazer bem.
-Se o senhor diz - dei de ombros.
-Amanhã eu volto e coma essa sopa - ele pediu, porque mandar, ninguém manda.
Antes que eu pudesse falar qualquer coisa o médico sumiu.
-E coma essa sopa - imitei a voz chata do médico - Afe, chato.
Meu irmão chegou bem na hora que meu estômago começou a roncar de fome.
-Quem é chato? - ele disse ao passar pela porta.
-O médico. Querem que eu coma essa água com caldo de galinha, que ainda chamam de sopa - resmunguei.
-Seus problemas acabaram.
Meu irmão tirou a mão de trás das costas e na mão dele tinha um X Burger, chegou a me dar água na boca.
-Eu não sei se posso comer - confessei.
-Ah, vai mesmo recusar? Eu como então.
-Aí tá bom, eu como.
O Lucas me entregou e eu o devorei em poucos minutos. Eu já amo X Burger e ainda fico só comendo "sopa" aqui nesse hospital, tenho mais que o direito de comer um.
-Que delícia - eu disse com a boca cheia.
-Que bom ver você sorrindo.
-Não tem como não sorrir comendo essa maravilha.
Meu irmão sorriu e me deixou aproveitar aquele manjar dos deuses, que chamam de X Burger.
No dia seguinte, pela manhã, enquanto eu lia um livro e o Lucas mexia no celular, alguém bateu na porta. Eu e o Lucas se entre olhamos.
A porta se abriu e a cabeça da Clarisse apareceu. Clarisse é minha sogra, ou era, já não mais como devo chamá-la
-Oi! - ela cumprimentou.
Clarisse sempre sorrindo e o sorriso dela até me contagiou.
Eu me perguntava como todas essas pessoas conseguiam se manter forte, não tinha um dia que eu não chorava. Acho que eu que não era muito forte.
-Oi - eu respondi com um pouco de ânimo.
-Como vai, querida? - ela perguntou se aproximando.
-Levando e vocês por lá?
-Também, nessa hora temos que pensar positivo.
-É.
Meu irmão percebeu que a Clarisse queria falar comigo e saiu, disse que ia pegar uma água.
-O quê a gente vai fazer, dona Clarisse? - perguntei, eu estava tão mal deixei escapar.
-Também não sei, temos que se manter firmes e acreditar que Deus vai tirar o Gui dessa - ela respondeu com um sorriso amarelo.
-Deus? Ele não foi nada justo de fazer isso com a gente, nós sempre fazendo tudo certo, nunca fazendo nada de mal a ninguém, aí Ele vem e põe em perigo a pessoa mais importante de nossas vidas. No fim Deus nem existe. - desabafei.
Eu sempre acreditei em Deus, mas depois disso? Que Deus permite isso tudo com seus filhos?!
-Não fale isso - Clarisse começou com o sermão. - Se não fosse Deus não estaríamos aqui. Você nem estaria sobrevivido a esse terrível acidente. Eu não era muito religiosa também, mas foi só eu ter tido a Raquel, que os médicos falaram que não iria nascer, que tive fé e vi que Deus faz o melhor em nossas vidas, por mais que não pareça, é só pra testar se somos fortes e temos fé.
-Mas tá tão difícil, Clarisse - eu disse.
Eu chorava sempre. Sem parar.
A Clarisse me abraçou, me deu vários sermões e disse que iria me levar na igreja e fazer com que eu tivesse fé novamente. Duvido, concordei.
-Deu de choro, não vim aqui pra isso - ela disse quando terminamos de chorar.
-Tá bom, sem choro! - limpei minhas lágrimas.
Ela ficou ali comigo. Tentamos não pensar em coisas ruins. Assistirmos um filme engraçado, conversamos e até jogamos baralho.
Cheguei até a esquecer as coisas ruins. Acho que esse dia foi um dos poucos dias que sorri, e que posso dizer que fiquei bem lá, naquele quarto sem cor.
-Eu preciso ir, minha linda - Clarisse avisou.
-Ah, já? - lamentei.
-Infelizmente, sim.
-Tudo bem, volte mais vezes. Essa nossa tarde juntas me fez muito bem - pedi.
-Também me fez bem, assim esquecemos os problemas. Venho te vê em breve, melhoras. Qualquer coisa me ligue.
-Pode deixar.
A Clarisse me deu um beijo estralado na bochecha, pegou sua bolsa e saiu me deixando sozinha.
Essa tarde foi muito boa pra mim, eu precisava de mais pessoas assim, que me fizessem rir. Tantas pessoas tentam me fazer rir, mas de tanto tentar, só me deixam pior do que já está.
O Lucas voltou alguns minutos depois. Ele tinha ido em casa. Assim que ele se arrumou pra dormir eu disse:
-Vá pra casa.
-Quê?
-Vá pra casa, eu fico sozinha. Uma noite sozinha não vai me fazer mal, pelo contrário, vou dormir melhor sabendo que não tem ninguém me vigiando ou dormindo em uma poltrona dura.
-Que isso? Nada a vê, a mamãe me mataria de deixar você aqui sozinha.
-Eu explico amanhã pra ela, pode ir eu fico bem.
Meu irmão estava tão cansado de ficar ali comigo que não resistiu e foi pra casa depois de falar pra qualquer coisa ligar e tal.
Assim que ele saiu suspirei aliviada. Finalmente uma noite dormindo sem ninguém me vigiando ou dormindo desconfortável por minha causa.
Li um pouco de uns dos meus livros favoritos e até fiquei um pouco no celular, por incrível que pareça ele ainda tinha bateria e crédito.
Até pensei em ir vê o Gui, mas alguma enfermeira deve ter me dado um calmante com um daqueles chás pra ficar calma. Não sei o porquê, mas a enfermeira cismou que eu estava tremendo de nervoso. Era só me arrumar uma coberta descende que eu parava de tremer, mas aquela enfermeira é mais teimosa que eu.
Me deu o chá, eu li um pouco, fiquei no celular e logo adormeci.
Minha mãe surtou quando soube que fiquei sozinha no hospital.
-Como assim você ficou sozinha? Alguém tinha que ter ficado aqui com você.
-Calma, mãe. Eu precisava de um tempo sozinha. E não queria ninguém dormindo em uma poltrona dura por minha causa, vamos esquecer disso.
-Tá bom, mas da próxima vez você não fica sozinha. Podia ter dado alguma coisa, sei lá.
-Mas não aconteceu, então deu.
Minha mãe sossegou e assistirmos um filme que passava na TV.
E os dias passaram. E nada do Gui melhorar. O médico narigudo depois de dias sem ver como eu estava, apareceu.
-Vejo que você já está bem.
-Tô levando, não tem como estar 100% bem, quase vinte dias deitada em uma cama.
-Sei que não é fácil, mas tenho uma ótima notícia.
-Qual?
-Amanhã você recebe alta, já poderá voltar pra casa.
Olhei para minha mãe, assim como eu ela não podia estar mais feliz.
-Jura doutor?
-Juro, você já está ótima.
Na verdade eu estava ali no hospital só pra ficar com soro e coisas enfiadas no meu braço. Só estava com um gesso no braço.
Depois que o médico deu a notícia ele sumiu de novo. Minha mãe fez questão de ligar pra todo mundo pra dizer que finalmente eu iria para casa. Ela depois que desligou o celular me abraçou forte.
-Que bom filha que você vai pra casa.
Nessa hora a porta se abriu e a dona Clarisse entrou.
-Então quer dizer que tem gente que recebeu alta desse hospital horrível?
-Sim, finalmente vou sair daqui.
-Que bom,querida. Fico muito feliz com isso.
Sorri e ela me abraçou. Ela e minha mãe, um abraço triplo. Depois disso a Clarisse nos atualizou das novidades da cidade, afinal minha mãe também não saia daqui, só ficava aqui comigo.
Depois das fofocas atualizadas, elas conversaram sobre umas coisas de dona de casa, que não entendi nada. E eu ouvi música baixo no meu celular, não queria atrapalhar então deve que ser no fone de ouvido, mas podia ouvir a conversa das duas.
Virei de lado e fechei os olhos, deixei a música mais baixa, aquela conversa me interessava.
-Clarissa, sei que é difícil tudo isso. Mas você acha que o Guilherme possa sair dessa? Faz praticamente um mês que ele está em coma.
Elas acharam que eu não estava ouvindo e por isso falaram, sabiam se falassem para mim eu ficaria mal. Porque no fundo, tô sem esperanças.
-Olha Inês, já nem sei mais nada. Só ponhar nas mãos de Deus, o que for pra ser será. Espero que Deus de mais um tempo de vida pro meu filho.
-Pois é, temos que pensar positivo. O médico não falou se ele sair dessa ele vai ficar com alguma sequela? Porque não me falam nada, também perto da Melissa não dá.
-A batida foi forte. Ele pode ficar paraplégico ou até perder a memória. Isso que mais me assusta, se o Guilherme sair desse coma, as chances de ter sequelas graves, são grandes.
-Tudo ficará bem.
-Espero.
Aquela notícia foi um choque pra mim. Fiquei tão feliz de finalmente sair daqui, poder ver gente, andar nessas ruas, que até esqueci do estado em que o Gui está.
E agora isso? Se ele sair do coma, o que será muito difícil, ele pode ficar com sequelas. Pode não, com certeza irá ficar. Se ele esquece tudo o que passamos? Se ele não gostar mais de mim? Ao mesmo tempo que as coisas dão certo elas não dão.
Minha vida tá pior que montanha - russa: cheia de subidas e descidas. Subidas e descidas essas que me dão medo, muito medo. Medo de perder tudo o que já construí, com a pessoa que mais amo .
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro