Capítulo 36
Meu carro estava na oficina, acabei recorrendo ao Lucas e ele foi me buscar e me levou para o trabalho. Eu que não iria pedir pro Guilherme.
Tomei um gole de café e sai correndo quando o carro do Lucas buzinou do lado de fora da casa do Guilherme.
-Oi - o cumprimentei com um abraço.
Ele me apertou forte dentro do nosso abraço.
-Como está aí ? - ele perguntou, dando partida.
-Um clima bem chato - confessei, arrumando o cinto de segurança.
O Lucas suspirou.
-Não sei porque de você estar aí - ele resmungou.
-Eu não tinha para onde ir - lembrei.
-Você tinha suas opções. Falando em opções: já decidiu ?
Franzi a testa.
-Decidi o que ?
-Com quem vai ficar. Henrique ou Guilherme ?
Estava demorando alguem fora de tudo, me perguntar sobre aquilo.
-Ainda não - falei, olhando para a rua repleta de carros a minha frente.
Um carro preto ultrapassou um astra logo na nossa frente. O que eu estava fazendo ? É, eu sei que ignorar o problema não o fazia sumir, mas parecia ser o mais certo a ser feito. Quem sabe meu problema não se solucionasse magicamente se eu o ignorasse ? E porcos tem asas.
-Não acha que já está na hora ? - ele me perguntou.
-Acho que já até passou a hora - confessei.
-Então decida.
Pra quem via de fora era tão fácil decidir entre o Henrique e o Guilherme, mas só eu sabia o que era ter uma voizinha na sua cabeça te mandando decidir e outra dentro do seu peito, te pedindo para esperar mais um pouco. Era um inferno não saber o saber, não saber para qual caminho seguir.
-Como se fosse simples - resmunguei. - É como se tivesse um elástico.
-Como assim um elástico ? - o Lucas perguntou.
Suspirei.
-É como se existisse dois elásticos. Cada um em uma mão minha. No final de uma das pontas, está o Guilherme segurando e no fim do outro elástico, o Henrique. Entende?
-Acho que sim.
-Seja lá qual elástico eu largar, um dos dois irei machucar - deixei a minha cabeça cair no banco.
-E se você insistir em segurar esses dois elásticos, é você quem irá se machucar. Um terá que sair machucado.
-Tem? - perguntei, mesmo sabendo que a resposta seria um sim.
-Infelizmente, sim. Você terá que escolher.
O Lucas estacionou seu carro na frente do jornal.
-Eu sei. E vai ser logo - falei, olhando para o céu azul diante de mim.
-Você vai escolher o melhor - ele pegou na minha mão.
Sorri ao ver que alguém ainda confiava que eu não faria mais merda. Desci do carro e fui para o jornal.
Trabalhei bastante, tentando não pensar no que eu teria que fazer logo.
Eu já tinha decidido que sairia logo da casa do Guilherme, mas para onde eu iria que era o problema.
Antes pouco do horário do almoço, eu achei um apartamento de uma antiga colega de trabalho. Ela topou pegar meu carro enquanto eu ficaria no apartamento dela. Ela estava precisando de alguém para alugar e eu de um lugar para ficar. Caiu tudo como uma luva.
Parece que o destino tinha conspirado um pouco ao meu favor. Já estava mesmo na hora.
Na hora do almoço, sai do jornal, em busca de um lugar para comer alguma coisa que me deixasse em pé até o fim do expediente.
Assim que arrumei os pés para fora do jornal, avistei um sorriso amarelo, que estava encostado no seu carro. Fui me aproximando aos poucos.
-O que faz aqui? - perguntei, quando cheguei perto.
-Vim te levar para almoçar - o Henrique respondeu.
Eu esperava qualquer pessoa ali me convidando para almoçar, menos o Henrique.
-Pensei que estava bravo comigo.
-Vi que era uma perda de tempo.
-Bom que percebeu.
Ele me deu passagem e eu entrei no carro dele, sem dizer se aceitava ou não. Bom, ele já sabia.
-Vamos em qualquer lugar. Não estou cheia da grana - contei, quando ele girou a chave e saímos do estacionamento do jornal.
-Um bar de beira de estrada? - ele sugeriu.
Sorri.
-Ainda é muito caro.
Ele sorriu e logo depois, estacionou na mesma lanchonete que comemos certa vez, praticamente do lado do hospital onde o Guilherme ficou em coma por meses.
Sentamos e fizemos nossos pedidos.
-Achei um lugar onde ficar - contei.
-Sério? - o Henrique me perguntou.
Uma garçonete com seu uniforme vermelho, trouxe o refrigerante que pedimos.
-Acabei dando meu carro em troca de um pequeno apartamento de uma amiga - expliquei.
Ele pegou os copos e despejou ali a nossa bebida. Ele me entregou um dos corpos.
-Não foi um mal negócio? - ele perguntou, dando um gole na sua bebida.
-Melhor do que fica na casa do ex - sorri.
-Bem melhor - ele afirmou.
Ficamos conversando e até esquecemos daquela discussão do fim de semana. Realmente não valia a pena ficar bravo por aquilo.
Comemos a nossa comida e quando olhei no meu celular, eu já tinha extrapolado o horário do almoço.
-Eu estou atrasada. Temos que ir - falei, tomando o último gole de refrigerante no meu copo.
-O.k.
O Henrique chamou uma garçonete, acertou a conta e ignorou completamente minha nota de vinte reais em sua frente.
Saímos correndo da lanchonete e ele saiu cantando pneu quando entramos no seu carro.
-Toma - ele disse, me estendendo a minha nota de vinte reias.
-Você deveria deixar eu ajudar a pagar, mas como estou na merda - falei, pegando a nota de volta.
-Precisa de alguma coisa para sua nova casa? - ele perguntou.
Pensei um pouco antes de responder.
Eu não tinha nada, apenas minhas roupas. Uma coisa ou outra, eu podia comprar e minha mãe e o Lucas ajudavam, mas eu precisaria de uma coisa que não podia esperar até o próximo dia.
-Preciso de um colchão - lembrei.
-Só isso?
-Melhor do que dormir no chão - dei de ombros.
Ele estacionou em frente ao jornal, que já estava aberto.
-Quando você se muda? - ele perguntou.
-Se possível, hoje mesmo - respondi, tirando o cinto de segurança.
-Me ligue quando for - ele pediu.
-O.k, obrigada pelo almoço.
Antes que ele dizesse alguma coisa, me abracasse ou se quisesse se aproveitar da situação e me beijar, eu desci do carro rapidamente.
Entrei correndo no jornal, ainda a tempo de ver o carro do Henrique sair quando entrei.
Liguei para minha mãe e ela disse que conseguia me arrumar uma pia e poderia me dar uns talheres e panelas.
Acabei pedindo para sair uma hora mais cedo e meu patrão deixou quando expliquei a situação. Passei na loja da minha colega, peguei a chaves do apartamento e agracdeci.
Corri para a casa do Guilherme, eu só queria pegar minhas coisas e sair daquela casa que estava envolvida num clima chato desde que eu tinha me mudado para lá.
Abri a porta da casa do Guilherme, um pouco sem ar pela corrida e quase pensei que tinha entrado na casa errada quando vi uma mulher loira no sofá.
-É... oi? - falei.
Ela se virou em minha direção. Aquilo era um pesadelo, a mulher era aquela da balada. A Júlia.
Ela se levantou rapidamente quando me viu.
-Oi - ela me cumprimentou, com um abraço.
Fiquei meio abismada com tamanha falsidade vindo dela. Ela estava na casa do meu ex e tinha me abraçado, como se nem lembrasse que eu era a mulher que vomitei tudo que tinha no estômago, quando vi ela e o Guilherme se abraçando em frente à boate.
Ouvi passos no corredor, ao virar cabeça, vi que era o Guilherme que vinha com dois copos de suco nas mãos.
-Melissa, já em casa? - ele perguntou, completamente sem jeito.
Conforme ele veio se aproximando, eu fui me afastando.
-Vim mais cedo - respondi, segurando minha bolsa firmemente.
Eu sabia que teria que fazer minha escolha logo, mas o Guilherme não me dava motivos para ser ele a minha escolha final.
-Ela que é a amiga da sua irmã? - a Júlia perguntou ao Guilherme.
Ele me olhou de canto de olho.
-É, ela está passando uns dias aqui em casa - ele contou.
Senti nojo de o Guilherme não ter a mínima decência de contar a verdade para ela, só porque ela ficaria brava ou magoada. Comigo ele não se importou de como eu ficaria de ver eles na sala conversando.
-Vou deixar vocês sozinhos - avisei.
Fui me retirando aos poucos, enquanto o olhar do Guilherme me seguia e o sorriso da Júlia continuava aberto para mim. Ela não lembrava quem eu era.
Entrei no quarto da Raquel, fechando a portão atrás de mim.
Peguei minhas malas e arrumei todas minhas roupas e coisas que tinha trazido, ali dentro.
Mandei uma mensagem para o Henrique, pedindo para ele me ajudar a levar minhas coisas até minha nova casa. Ele respondeu que em meia-hora estaria na frente da casa do Guilherme.
Eu já tinha terminado de arrumar minhas coisas quando decidi fazer uma coisa.
Sai do quarto da Raquel e espiei no fim do corredor se a Júlia já tinha saído. Ela e o Guilherme já estavam na porta se despedindo. Um sorrindo para o outro, como dois idiotas.
Fechei a porta do quarto da Raquel com cuidado e fui em direção ao quarto do Guilherme.
Senti meu corpo se arrepiar conforme eu entrava naquele quarto e as lembranças penetravam na minha mente.
Aquele mural de fotos ainda estava no seu mesmo lugar. A foto na praia, a foto com a Clarisse, a foto com os amigos, todas estavam lá, incluído a nossa, que estava no centro de todas.
Aquilo não era justo. O Guilherme tinha uma foto nossa exposta na parede, falava que me amava e me esperaria, mas estava com outra dentro de sua casa. Aquilo tudo estava me machucando e eu acho que já sabia qual seria a minha decisão.
Dei um passo a frente e peguei a foto da parede. Acariciei nossos rostos com o polegar, enquanto me esforçava para não deixar as l lágrimas caírem na foto.
A gente tinha passado por muita coisa juntos. Eu tinha ficado do lado dele quando ele mais precisou, mas ele ignorou esse fato. Ele praticamente jogou o meu amor fora e se ele tinha escolhido aquilo, o nosso amor também teria que ser jogado fora.
Peguei a foto com as duas mãos, me preparando para rasgar.
-O que você está fazendo, Melissa? - uma voz perguntou atrás de mim.
Rasgar nossa foto sem o Guilherme ver, já seria difícil, com ele vendo seria impossível.
Me virei aos poucos para ele.
-Por que essa foto estava aqui? - perguntei, apontando para o painel cheio de fotos atrás de mim.
-Eu gosto dessa foto.
O choro já estava entalado na minha garganta.
-Parecia que ainda somos a centro da sua vida - dei de ombros.
Ele me olhou com seus olhos grandes e eu senti a onda de arrependimento por querer rasgar a foto vir em minha direção.
-De certa forma, ainda somos - ele declarou.
Explodi com aquela encenação.
-Se realmente fôssemos, a Júlia não estaria aqui. Se fôssemos, você teria me escolhido mesmo com todas as coisas que você poderia perder - gritei, deixando umas lágrimas cair.
-Eu não escolhi ninguém.
-Já está na hora de escolher. Você jogou meu amor fora, por que está sendo tão difícil jogar a nossa história? - perguntei.
-Eu não joguei o seu amor fora - ele argumentou.
Me afastei dele, com a foto ainda em mãos.
-Eu fiquei ao seu lado por meses naquele hospital. Chorei como jamais chorei, sofri igual alguém que perde a mãe. Eu lutei pela gente como pude. E você simplesmente, trás a Júlia para dentro da sua casa sabendo que eu estava aqui - gritei.
-Eu sou grato por tudo o que você fez por mim, Melissa. Mas a Júlia é uma segunda opção, caso você não me queira.
-Você ficou tão focado nessa sua segunda opção, que não lutou pela gente. Pode ficar com a Júlia, parece que ela vai servir de alguma coisa agora - gritei.
Meu coração se apertou dentro do peito conforme eu dizia aquelas palavras, mas era eu em primeiro lugar.
Peguei a foto, arrumei na minha frente e a puxei, fazendo a se rasgar em duas partes.
-Melissa - o Guilherme gritou.
Deixei os pedaços da foto caírem sob o chão.
-Por que você fez isso? - ele gritou.
O Guilherme se ajoelhou no chão, pegando os pedaços das fotos.
-Você não conseguia fazer isso, eu só ajudei - respondi.
Ele se levantou com a foto rasgada na sua mão e percebi que ele estava prestes a chorar.
-Você está irritada, depois a gente conversa - ele disse, me dando as costas.
Ouvi uma buzina do lado de fora.
-É o Henrique - falei.
Ele se virou para mim, com cara de surpreso.
-O Henrique?
-Eu arrumei um apartamento para ficar. O Henrique vai me ajudar com as coisas - contei.
A expressão do Guilherme se tornou em puro ciúmes.
-Então você escolhe ele?
-Eu escolho a mim mesma - respondi.
Sai do quarto as presses, peguei minhas malas no quarto da Raquel e fui em direção a porta.
Ninguém me impediu.
No fim do corredor, pude ver a silhueta do Guilherme me olhando abrir a porta para sair.
Eu estava com um pouco de dificuldade de me locomover com duas malas e com uma mochila nas costas, o Henrique viu o meu problema e desceu do carro para me ajudar.
Ouvi os passos do Guilherme se aproximarem de mim.
-Não precisa ser assim. Eu não joguei nossa história fora. Eu te amo - ele sussurrou.
Respirei fundo, não podia dar recaída logo agora.
-Palavras não me convencem mais - murmurei, sem o olhar.
Eu estava com raiva e esse sentimento me fazia ser fria com as pessoas ao meu redor.
O Henrique parou de caminhar quando chegou na minha frente.
-Pronta? - ele me perguntou, pegando uma das minhas malas.
-Como nunca estive - respondi.
Ele sorriu e foi indo na frente. Me virei para dizer umas últimas coisas ao Guilherme.
-Obrigada por ter me recebido na sua casa - agradeci.
Ele fez um aceno com a cabeça.
-Eu vou te provar - ele prometeu. - Não vou deixar nosso amor morrer.
Fingi que não escutei aquela promessa e sai dali o mais rápido possível.
Passei o endereço da minha nova casa e o Henrique seguiu para lá, sem fazer nenhuma pergunta sobre eu estar chorando.
Por mais que seja a lei da vida que tudo uma hora acaba, é mais complicado na prática dizer adeus as coisas. Sejam as pessoas, as histórias ou as coisas.
Eu sempre me apeguei muito fácil nas pessoas e nas coisas, desapegar era um verdadeiro desafio para mim. Mesmo sendo o Guilherme que escolheu receber de mim aquele tratamento.
O prédio onde tínhamos parado, era de uma cor creme e não estava tão bom quanto eu imaginei.
-É aqui? - o Henrique perguntou, olhando para cima.
-É - suspirei.
A maior dificuldade foi subir aquelas escadas com as malas, cada um levou uma, mas ainda assim foi complicado.
Eu subia um degrau e logo depois puxava a mala para o mesmo degrau que o meu.
-Sério que você tinha que morar junto no sexto andar? - o Henrique me perguntou quando estávamos quase chegando.
-Era aqui ou em baixo da ponte - respondi, levando a minha mala pesada um degrau a cima.
-Pelo menos lá não tem escadas - ele disse.
Rimos e chegamos ao sexto andar. Achei o meu apartamento e enquanto eu procurava a chave na minha bolsa, a Henrique desceu para pegar o colchão que ele trouxe para mim.
Achei a chave depois de revirar toda a minha bolsa e o Henrique já estar quase chegando.
-Me espera - ele gritou.
Arrumei a chave na fechadura, mas não girei. Esperei até o Henrique chegar ao meu lado e arrumar o colchão encostado na parede.
-E lá vamos nós - suspirei, girando a chave.
Eu sempre sonhei em ser independente e morar sozinha, mas não nas condições que eu estava. Eu tinha um colchão e algumas roupas. Era o que me restava.
Abri a porta e me deparei com um pequeno apartamento. Entrei com o pé direito, vai que dava sorte, e o Henrique entrou logo atrás.
-É aqui onde você vai morar? - ele perguntou, dando uma olhada no lugar.
Segui seu olhar. A cozinha era junto com a pequena sala, do lado direito da sala tinha uma porta que imaginei ser o meu quarto.
O chão estava todo coberto por uma grossa camada de poeira e as paredes que eram cor de creme, estavam com teia de aranha.
Ainda assim, era melhor do que eu podia pagar.
-Bem aqui - suspirei.
Dei uma olhada no apartamento e era tudo bem pequeno, desde o banheiro até o meu quarto, que no máximo caberia uma guarda-roupa pequeno e uma cama de solteiro.
-Eu vou varrer isso - avisei ao Henrique.
Peguei uma vassoura velha na área de serviço e comecei a retirar a poeira do chão e as teias de aranhas das paredes e do teto.
-Onde coloco isso? - o Henrique me perguntou, segurando o colchão.
-Pode arrumar ali. Eu já limpei - falei, apontando para o quarto.
Ele levou minhas malas também e logo depois que terminamos de dar uma ajeitada, ele foi comprar um refrigerante para nós.
Fiquei sentada no chão, agora já limpo, pensando eu como tudo mudava em questão de pouco tempo.
A poucos meses atrás, eu morava com a minha família e tinha certeza que o Guilherme era o homem da minha vida. Agora eu estava morando sozinha em um apartamento minúsculo, com apenas um colchão e minhas roupas e minha vida amorosa estava de cabeça para baixo.
Assim que o Henrique saiu, me deixei cair no chão gelado daquele apartamento que seria meu lar a partir de agora.
Fiquei ali pensando. Eu não queria estar ali sozinha, não queria estar passando por tudo o que estava passando.
Eu estava com saudades de chegar na minha casa e ver o meu pai esticado no sofá, vendo futebol. Eu sentia falta de ver ele, das brigas, de comer a comida da minha mãe. Eu estava com saudades de casa.
As lágrimas quiseram vir, mas não me permiti chorar por quem nem me ligou para saber se estava viva, bem ou precisando de alguma coisa. Eu não iria aceitar nada, mas eu só queria saber que mesmo me arrumando para fora de casa, o meu pai se importava comigo.
De repente, a porta foi aberta e o Henrique entrou, trazendo em uma de suas mãos uma caixa de pizza e um litro de Coca-Cola dentro de uma sacola, na outra.
-Pizza? - ele sugeriu, fechando a porta com o pé.
Concordei com a cabeça e ele foi se aproximando.
Ele sentou do meu lado e arrumou a caixa de pizza e a Coca-Cola no meio de nós dois.
-Não se importa de tomar no gargalho, né? - ele me perguntou, já abrindo o litro.
Dei de ombros.
-Está tudo bem? - ele me encarou.
Mandei para longe os motivos e as lembranças que me faziam querer chorar.
-Vai ficar - garanti.
Ele abriu a caixa e antes que ele pegasse o primeiro pedaço da pizza, eu peguei um pedaço da de calabresa.
-Não desse ser fácil mesmo - ele disse, pegando um pedaço da de strogonoff de frango.
-Você não faz ideia - suspirei, mordendo a beirada do meu pedaço.
-Quer que eu passe a noite com você?
O olhei de canto de olho, sua boca estava curvada num sorriso de canto. Senti o duplo sentido daquela frase em todas as palavras que saíram de sua boca.
-Não - respondi.
Ele riu e eu estiquei a mão para pegar o litro de Coca-Cola. A peguei e a levei a boca, dando um gole e soltando um arroto logo em seguida.
O Henrique caiu na risada ao meu lado.
-Que foi? - perguntei, comendo o resto do meu primeiro pedaço de pizza.
-Pensei que você não fazia essas coisas - ele admitiu.
-O arroto é de monstro, mas o coração é de mocinha - brinquei, pegando um pedaço da de strogonoff de frango .
-Se você é a mocinha, quem é o mocinho? - o Henrique me perguntou, pegando um pedaço da de calabresa.
Outra pergunta com duplo sentido, aquela última apenas com menos safadeza.
-Ainda não decidi - confessei.
-Ah - ele resmungou.
Ficamos comendo a pizza com as mãos e tomando a Coca-Cola direto do gargalho.
Soltei um arroto quando terminei de tomar o resto da bebida que tinha no litro.
Pensei que o meu arroto tinha sido alto, mas o que o Henrique soltou em seguida ganhou do meu.
Nos olhamos e rimos.
-Preciso ir - ele avisou, com sua cabeça encostada na parede.
Antes que eu dissesse alguma coisa, ele se levantou. Me levantei logo em seguida.
Ele pegou a caixa de pizza e o litro do chão.
-Eu levo o lixo.
Abri a porta para ele passar, fiquei encostada na porta entreaberta.
-Quanto te devo? - perguntei.
-Um sorriso paga - ele respondeu, apoiando o litro vazio em cima da caixa de pizza também vazia.
Aquilo não seria possível.
-Vou ficar devendo - dei de ombros.
Ele não se contentou com minha resposta e se aproximou de mim, depositando nos meus lábios um suave beijo.
Sorri ainda com os olhos fechados.
-Já pagou - o Henrique avisou.
Ele foi se afastando da porta, sorrindo igual bobo, enquanto equilibrava o litro em cima da caixa.
Entrei e fechei a porta atrás de mim.
Pela janela da minha pequena cozinha vazia, vi o sol pondo-se no horizonte.
Eu já queria dormir, estava cedo, mas com tanta coisa na cabeça, eu dormiria assim que arrumasse a cabeça no travesseiro.
Antes de ir deitar, guardei umas coisas no banheiro e fui tomar um banho.
Enquanto a água corria pelo meu corpo, tentei me conformar com a situação que eu me encontrava. Sozinha, apenas com um colchão e roupas nas malas.
Terminei o meu banho e quando ia em direção ao meu quarto, vestida com uma camiseta amarela rasgada e um calção velho, alguém bateu na porta.
Cogitei a ideia de fingir que não tinha ninguém e ir deitar, mas como o apartamento não tinha nada de móveis, cada passo que eu dava ecoava pela casa toda. Não funcionou o meu plano.
Fui até a porta a abri.
-Ah, sério? - resmunguei ao ver o Guilherme ali.
Antes que eu fechasse a porta, ele segurou a porta com sua mão.
-A sua mãe pediu para eu te trazer umas coisas - ele avisou.
Revirei os olhos e abri a porta, dando passagem para ele passar. Ele entrou com uma enorme caixa.
-Ela me pediu para montar a sua pia - ele sorriu.
Revirei os olhos novamente.
-Pode montar ali - apontei para um canto onde só tinha uma torneira.
-Tem umas caixas no meu carro - ele avisou.
-Eu pego - murmurei.
Ele jogou as chaves do seu carro e eu fui descendo os degraus de dois em dois. Fui com a roupa que usava de pijama.
Peguei as duas caixas que estavam dentro do carro, fechei o carro e subi as escadas.
Minha mãe tinha enlouquecido de pedir logo para o Guilherme vir trazer as coisas que ela tinha me mandado.
Fui abrindo as caixas e numa delas, tinha pratos, talheres, potes e panelas. Eu tinha panelas, só me faltava um fogão.
O Guilherme montou a pia que minha mãe tinha dado, em pouco tempo e eu fui guardando as coisas que minha mãe tinha mandado.
-Pronto - o Guilherme disse, olhando de longe a pia.
Fui até ele.
A pia era pequena, tinha duas gavetas, duas portas em baixo e um espaço em cima para colocar o micro-ondas, que eu também não tinha.
-Não ficou mal - dei de ombros.
Ele abriu um sorriso amarelo e eu fui eu direção a caixa pequena fechada.
Me abaixei para poder abrir, enquanto o Guilherme ficou em pé na minha frente. Ao abrir a caixa olhei diretamente para o Guilherme.
-Eu arrumei umas aí também - ele deu de ombros.
Peguei as fotos que estavam na caixa. Tinha tantas, umas que eu nem sabia que ainda existiam.
-Você gostou daquele meu mural de fotos? - o Guilherme me perguntou.
Ergui o olhar.
-Amei - admiti.
Ele se abaixou, pegou a caixa e a levou para o meu quarto, sem muito o que fazer, eu o segui.
Quando cheguei no quarto, ele me entregou a caixa com fotos e se jogou no meu colchão.
-Vai fazendo o que eu dizer - ele pediu.
-Vai achando que me manda, vai - zombei.
Ele estava brincando comigo como se a gente nem tivesse tido uma conversa estranha quando sai da casa dele.
Ele sorriu e apontou para a parede creme logo atrás de mim.
-Vamos lá - suspirei. - Por onde começo?
Ele olhou para a caixa no chão.
-Pega um foto que representa o centro de sua vida - o Guilherme mandou.
Me virei para a parede vazia e vasculhei nas fotos uma em família. Só tinha foto com meu pai junto, procurei melhor e achei uma que estava apenas eu, o Lucas e nossa mãe sorrindo no meio de nós.
-Onde arrumo? - perguntei.
Ele saiu do colchão e se aproximou de mim.
-Arruma bem no meio - ele sussurrou no meu ouvido, estendendo uma fita que tirou do bolso.
Peguei a fita de sua mão e cortei um pedaço.
-Só vocês? E o seu pai? - o Guilherme me perguntou.
-Ele nem fez questão de saber se estou bem ou não. Ele nem merece ser chamado de pai - respondi.
-Uma hora essa raiva passa.
-Duvido - murmurei.
Arrumei a foto onde eu queria que ficasse e já estava quase a colando na parede, quando a mão do Guilherme grudou na minha, ajudando a deixar reta.
Fiquei sem jeito com aquele toque e tirei minha mão rápido da sua.
-Agora vai arrumando aleatoriamente - o Guilherme mandou.
Fui pegando fotos sozinhas, com as amigas, do Biscoito, saudades daquele sapeca que me recebia todo dia.
O Guilherme foi me ajudando a colar as fotos na parede. Eu às escolhia e ele as colava.
Peguei uma foto de nós dois, fazia tempo que tinha sido tirada, mas ainda era importante. Estávamos num sítio, os dois sentados na grama, admirando o sol que já estava se pondo.
A entreguei para o Guilherme, que quando a viu, até parou de falar sobre o tempo.
-Uma nossa? - ele perguntou surpreso.
-É - dei de ombros.
Ele arrumou a foto logo em cima.
Ficamos uns minutos vendo as fotos na parede.
-Eu tenho que ir - a voz do Guilherme quebrou o silêncio.
-Eu te levo até a porta.
Fomos caminhando lado a lado até chegar na porta.
-Obrigada pela ajuda - agradeci, abrindo a porta.
Ele passou e me lançou um sorriso.
-Eu não vou desistir - ele garantiu.
-Provas - pedi.
Ele acenou com a cabeça e eu fechei a porta rápido. Me encostei na porta, ouvindo os passos rápido dele descendo os degraus.
Tranquei a porta e me joguei no colchão. Tanta coisa para um dia só, eu apenas queria dormir e ver se aquele furacão de coisas acabaria quando eu acordasse.
Me cobri com a única coberta que eu tinha comigo, me lembrando que eu devia escolher, eu escolheria no dia seguinte, o sono acabou me vencendo antes que eu percebesse.
***
Próximo capítulo será decisivo. Aguardem fortes emoções 😂❤
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