Capítulo 11
-Meli? - a Flavia me chamou pro mundo real.
-Oi?!
-Está tudo bem? - ela perguntou - Você parece que está no mundo da lua.
-Só estava pensando - confessei.
-Ah, mas eu quero ver um sorriso nesse rosto - ela disse com a mão no meu queixo.
Sorri, um sorriso amarelo, mas que acho que bastava.
-Agora sim - ela disse e se virou para falar com o pessoal.
Como não tinha outro remédio, deixei meus pensamentos sozinhos e fui interagir com a galera.
Era quase dez horas quando o Lucas resolveu que era melhor irmos para casa.
-Acho melhor irmos - ele disse. - Eu te levo em casa, Fla.
-Tá bom - a Flavia concordou.
Eu iria segurar vela mais um pouco.
Me despedi da Bina e do Tomás e entrei no carro do Lucas.
Fui olhando para a lua que parecia correr para conseguir nos acompanhar.
-Você está bem, Meli? - a Flavia perguntou do banco da frente.
Segunda vez que ela me pergunta isso.
-Sim - respondi. - Só estou pensativa.
-Se percebe - o Lucas se meteu.
O casal foi conversando, enquanto eu ficava boiando nos assuntos.
Até que paramos na frente do apartamento da Flavia.
-Eu vou levar ela até lá, já volto - o Lucas avisou.
Mas eu sabia o que ele iria fazer.
-Tudo bem - eu disse.
-Tchau, Meli - a Flavia se despediu de mim com um beijo no rosto.
E logo depois, saiu do carro com o Lucas e eles foram de mãos dadas até o apartamento dela.
Fiquei sozinha, já que eu imaginava que meu irmão iria demorar, me permiti voltar ao passado, lembrar de coisas que agora, não passam de lembranças...
*
Todo fim de semana eu e o Gui saímos e aquele fim de semana não seria diferente.
O céu estava de um azul estonteante, nenhuma nuvem ousava passear por ele, os passarinhos pareciam cantar uma melodia diferente, especialmente para mim e para o Guilherme.
Ao passar por uma poça d'água, pude notar no imagem que a água refletia, o tão grande estava o meu sorriso por simplesmente passar aquele dia lindo ao lado do Guilherme, e o melhor: em um parque de diversões.
Passávamos de mãos dadas pelo parque, até que o Gui resolveu parar e ficar olhando para a roda-gigante.
-Que foi? - perguntei.
Ao seguir seu olhar e perceber que ele olhava para o brinquedo mais alto do parque, eu tinha percebido o plano.
-Não, não, não - eu disse antes que qualquer palavra pudesse sair da boca do Guilherme.
-Vamos, amor. Vai ser legal - ele insistiu.
-Você sabe que eu morro de medo de altura.
-E daí? Temos que vencer nossos medos.
Até hoje eu ainda morro de medo de subir em qualquer lugar alto ou de estar em um prédio alto e olhar para baixo, me dá tontura só de pensar.
-Vamos - o Gui insistiu.
-Não.
-É bom sair da zona de conforto de vez em quando.
O Gui tinha razão, ele sempre me tirava da zona de conforto.
Acho que se não fosse ele aparecer, eu ainda seria aquela menina mal-humorada e de cara fechada.
O Gui tem esse dom de me fazer mudar, de me fazer experimentar coisas novas. Mas ir na roda-gigante já é pedir de mais.
-De vez em quando, não sempre - protestei.
-Vamos, amor - ele disse fazendo bico.
Ele sabe que não resisto aquela cara de cachorro sem dono, acabei cedendo.
-Tá bom, seu chato.
Ele sorriu, um sorriso que eu poderia ver por uns cem anos, que nunca iria me enjoar.
Compramos os ingressos, e quando me dei conta eu já estava sentada em um dos assentos da roda-gigante.
Eu comecei a tremer e a suar frio. O Gui ao perceber minha aflição segurou minha mão.
-Não precisa ter medo, não vamos cair, é seguro - ele me garantiu.
-Não sei, não. Eu tenho medo dessas coisas, não tem nenhum tipo de segurança, podemos cair a qualquer momento - olhei para baixo e já me deu tontura.
O Gui puxou meu queixo e fez eu olhar em seus olhos.
-Não olha pro chão, olha para mim - ele disse, me deu um selinho e a roda-gigante começou a girar.
Confesso que fiquei com bastante medo. A qualquer momento aquele nosso círculo de metal podia se soltar e a gente se esparramar no chão, igual um tomate pobre.
Mas fiz o que o Gui pediu, olhei para ele e para a cidade que dava de ver enquanto íamos mais e mais alto.
Até consegui sorrir, e a cidade era bem bonita vista lá de cima.
Teve uma hora que a roda-gigante parou, pensei que já seria nosso fim, que iríamos cair e morrer. Mas só paramos para outro grupo de pessoas entrar no brinquedo.
Como se fosse praga, nós ficamos bem lá em cima até o pessoal subir. Comecei a respirar fundo antes que me desse um treco de estar lá em cima.
-Calma, a gente não vai cair - o Gui disse, rindo.
-Ainda ri do meu medo - dei um tapa de leve no braço dele.
Mas esse movimento fez com que o nossos assentos virassem para trás e eu gritei, já pensei que íamos cair.
-Calma - o Gui me abraçou, rindo.
Só fiquei calma quando a roda-gigante parou e descemos. Nunca fiquei com tanto medo de um brinquedo de um parque de diversões.
-Eu nunca mais subo nisso - eu disse enquanto saia do brinquedo.
-Foi divertido, não foi? - o Gui disse ao correr para me acompanhar.
-Claro - sorri. - Para você. Ficou rindo da minha cara o tempo todo - eu disse brava.
Eu andava rápido, só queria tomar uma água e sair daquele parque.
Mas o Guilherme sempre foi mais rápido que eu, seja pra pensar ou pra agir.
Antes que eu desse mais um passo, ele já estava na minha frente.
-Vamos para casa de uma vez - pedi.
-Vamos em um lugar antes?
-Não confio em você. Na última vez que confiei em você, quase tive um ataque cardíaco - eu disse.
O Guilherme não se aguentou e riu mais ainda.
-Viu só? Só pra você ficar rindo da minha cara - apontei o dedo para ele.
-Não estou rindo de você, estou rindo desse drama todo que você insisti em fazer.
-Não está feliz, termina - eu disse e o sorriso dele sumiu.
Eu falei aquilo na hora da raiva, não tinha intenção de causar uma briga no meio do parque, sorte que não chegou à isso.
-Nem vou te responder. Agora vem - o Guilherme não deixou eu falar nada e já saiu me puxando.
Quando vi onde estávamos não pude acreditar.
-Por que você me trouxe aqui? No meio de castelos de princesas? - apontei para os tantos castelos em miniatura ao nosso redor.
Tenho que admitir que eram uma graça, mas eu nunca curti muito isso de princesas, príncipes e castelos. O Guilherme sabia disso.
Várias crianças brincavam ao redor daqueles castelos. Eram tantos que nem me dei o trabalho de contar.
-Porque eu quero te dizer uma coisa - o Guilherme respondeu.
Lá vem. Pensei comigo mesma.
O Guilherme pegou na minha mão e me guiou, por onde tinha castelos no canto da estrada que percorriamos.
-O quê? - perguntei curiosa.
Ele parou e ficou parado na minha frente, com nossas mãos entrelaçadas.
-O nossa história de amor da um belo conto de fadas - ele disse.
-Quê? - já comecei rindo.
Mas o Gui não achou graça nenhuma, e eu parei de rir ao ver a cara que ele fazia.
-A nossa história de amor é linda mesma - concordei - Mas está bem longe de ser um conto de fadas.
-Claro que é, temos uma princesa - ele apontou para mim.
-Eu não gosto de rosa, odeio desenho de princesas desde sempre, prefiro tênis do que salto alto, não sou romântica e mais um monte de requisitos para ser princesa eu não tenho. Como posso ser uma? - perguntei,ansiosa por saber o que ele diria.
O Guilherme tem o dom de me surpreender.
-Claro que poder ser uma - ele interveio. - Uma princesa diferente, a princesa Melissa, a minha princesa - ele disse se aproximando e me dando um selinho.
-Que princesa mais fajuta que eu sou. Não tem nem um castelo - lamentei.
-Não seja por isso.
O Guilherme pegou minha mão e me levou até um castelo de madeira, cinza com uns detalhes preto, sem nenhuma criança perto.
Ele deu a volta e fez eu me sentar no chão, atrás do castelo de madeira. Por mais pequeno que o castelo seja, nos sentamos e ele nos cobriu.
Ninguém nos veria, seria meio vergonhoso se alguém nos visse, se alguém visse nós dois praticamente, adolescentes ali atrás, ou pensariam que estávamos brincando ou que estávamos se pegando.
Acho mais provável acharem a segunda opção.
Sentei com as pernas cruzadas e o Guilherme fez o mesmo, sentando na minha frente.
-Pronto, está aqui o seu castelo - ele disse.
-Mas toda princesa que é princesa precisa de um coroa - eu disse sorrindo.
Como num passe de mágica o Gui arrumou a mão atrás das costas e quando tirou, tinha uma coroa de plástico prateada, cheia de brilhos pretos e dourados, em suas mãos. Muito linda.
O Gui não esperou eu dizer nada, apenas arrumou aquela coroa na minha cabeça, não pude ver o resultado, mas não deve ter ficado tão mal.
-Pronto - ele disse ao terminar de arrumar a coroa na minha cabeça.
-Hoje você tirou o dia para me surpreender - comentei.
-Adoro fazer isso - ele disse com um sorriso bobo nos lábios.
-Mas - comecei. - Ainda falta uma coisa para eu ser uma princesa.
-O quê? Um vestido?
-Não, eu sou a princesa diferente, não uso vestido.
-Ah, pois é. Então o que está faltando?
-Um príncipe - respondi.
-E onde você vai arranjar um príncipe?
Olhei ao redor, por sorte crianças começaram a brincar ali perto de onde estávamos.
-Serve aquele - eu disse, apontando para um menino que brincava com outras crianças de pega-pega.
O Gui fez uma careta de quem comeu e não gostou.
-É, serve. O garoto - ele chamou.
O menino olhou em nossa direção e o Guilherme fez um sinal com a mão para ele se aproximar.
O menino hesitou um pouco, mas foi até nós.
-Quer ser o príncipe dela? - o Guilherme disse para o menino, apontando para mim.
O menino nos olhou com uma cara de confuso, e não respondeu nada, apenas balançou a cabeça fazendo que não.
O Gui riu e eu o acompanhei, mas me virei para o menino:
-É só brincadeira desse bobão - apontei pro Gui que ainda ria. - Pode ir brincar.
O menino nem esperou eu terminar de falar e já saiu correndo.
-Você só me faz passar vergonha - eu disse.
-Ah, foi legal.
-Super legal eu ser rejeitada - fiz bico e cruzei os braços.
-Eu como sou uma ótima pessoas, te dou uma segunda chance - ele anunciou.
Descruzei os braços e sorri, fazendo de conta que eu fiquei muito empolgada com a idéia.
-Segunda chance? Qual? Outro príncipe? - perguntei me fazendo de animada.
-Sim, eu! - ele disse sorrindo.
Comecei a rir, cheguei a por às mãos na barriga do tanto que ri. Não ri pelo o Gui ser o meu príncipe, ele daria um ótimo príncipe, mas sim pela cara que ele fez, foi muito engraçada.
-Qual é o motivo da graça ? Na escola eu fui várias vezes príncipes - ele disse quando eu parei de rir.
-Eu sei, mas sua cara foi muito engraçada - dei uma risadinha de novo.
-Há há há, muito engraçado. - ele disse sério.
-Mas já que não tem outro príncipe, serve você - dei de ombros.
-Claro, porque só eu aguento essa princesa chata.
-Chata não, olhe como fala - dei um tapa no joelho dele, foi fraco, só pra brincar.
-Desculpe, Alteza - ele se desculpou curvando a cabeça.
-Desculpado.
-Tem uma coisa.
-O quê? - perguntei.
-Para selar nossa união, precisamos dançar - o Gui respondeu, como se fosse a coisa mais óbvia a ser fazer.
-Dançar? Sem música? - perguntei com uma das sobrancelhas arqueadas.
Assim que eu disse isso, os auto-falantes do parque começaram a tocar uma música, uma música que eu conhecia bem.
-Fala sério - murmurei olhando pro céu.
-Respondida sua pergunta - o Gui disse se levantando.
Ele tirou o pó da roupa e deu a mão para me ajudar a levantar. Aceitei a ajuda, e minha coroa quase caiu com o movimento.
O Gui me puxou pela cintura, ficamos corpo a corpo. Arrumei meus braços em volta do pescoço dele, enquanto as mãos dele passeavam pelas minhas costas e minha cintura.
Começamos a rodar naquele gramado, perto do castelo de madeira. As crianças nos olhavam como se fossem malucos.
O Gui aproximou a sua boca da minha orelha e sussurrou o primeiro trecho da música, acompanhando os cantores:
-Agora já não tem mais jeito, amo até seus defeitos, não dá pra fugir.
Entrei na onda da brincadeira e sussurrei em sua orelha o outro trecho da música, enquanto a música soava pelos alto-falantes.
-Se eu tenho um milhão de motivos para te conquistar, eu não vou desistir.
O Gui continuou:
-Você é frio, é calor, é febre de amor, saudade de paixão. Eu sigo sempre rumo ao seu coração.
Enquanto as gotas da chuva começaram a nos molhar, e as crianças saiam correndo para não se molhar, eu e Gui, nem ligamos. Ficamos dançando e cantando abraçados na chuva.
Cantei um pedaço do refrão.
-Pra ter o seu amor, eu viajei pelo seu mundo, me vi em seus olhos, descubri quem sou, ái ái ái.
O resto do refrão o Gui me acompanhou:
-Pra ter o seu amor, te pedi para Deus de presente, pra me ver contente, ele te inventou.
As lágrimas de alegria e emoção começaram a brotar em meus olhos, e deixei elas correrem, se misturando com a chuva que molhava meu rosto.
O Gui me olhou sério, depois que a música acabou,mas ainda com as mãos na minha cintura.
-Essa vai ser a nossa música - ele anunciou.
-Nossa música? Como assim? - perguntei meio confusa.
-Todo casal tem uma música que é o tema do namoro deles - o Gui começou a explicar. - E nós não podemos ficar de fora.
-Então, essa música será a nossa? - perguntei tentando entender.
-Isso, a nossa música. Tudo a vê, não acha?
-É - concordei. - Não é muito romântica, mas mesmo assim não deixa de ser linda. Igual o nosso namoro.
-Exatamente. Que namorada mais esperta que eu tenho.
-E que namorado mais romântico que tenho - sorri.
O Guilherme sorriu e baixou a cabeça, até nossos lábios se tocarem e a gente ficar se beijando, no meio de um parque de diversões e em baixo da chuva.
O dia que eu me tornei a princesa diferente, o dia em que eu e o Gui decidimos a trilha sonora para o nosso namoro... pode parecer bem boba essas coisas, mas foi essas pequenas coisas, que tornaram aquele dia tão especial.
Voltei a realidade quando percebi que o Lucas estava vindo, limpei as lágrimas que escorriam pelo meu rosto e tratei de parecer bem.
-Demorei? - ele perguntou ao entrar no carro.
-Nem percebi - comentei.
Por mais que eu tentasse esconder meus olhos inchados, o Lucas percebeu.
-Você estava chorando? - ele me perguntou me olhando, já que eu mudei de lugar e estava no banco da frente.
-Não - eu disse passando as mãos nos olhos, mas esse movimento me entregou.
-Estava sim, o que aconteceu?
-Nada.
-Fala - meu irmão me pressionou, odeio isso. Sempre acabo falando.
-Eu só estava pensando, e acabei chorando, só - garanti.
-Pensando no Gui?
-Sim - afirmei.
-Ele te mudou, mesmo agora que ele nem faz nada, ele está te mudando.
Fiquei surpresa ao ouvir isso do Lucas, eu sabia que ao decorrer do meu relacionamento com o Guilherme, eu tinha mudado. Mas ninguém tinha me falado isso diretamente.
-Me mudou? Espero que para melhor.
-Pra melhor sim - o Lucas garantiu. - Acho que se não fosse o Gui aparecer, você ainda seria aquela menina fria e mal-humorada de sempre.
-Também acho - concordei. - Mas como que o Gui está me mudando se ele nem está fazendo nada?
-Ele não está fazendo nada, ele não pode, e acho que é por isso que você está mudando. Está mais sensível, mais forte. Depois que isso passar, tenho certeza que você vai poder enfrentar qualquer coisa - ele sorriu.
Minha reposta foi sorrir. Meu irmão está certo, eu já tinha percebido antes, mas acho que o Lucas disse uma grande verdade: depois que tudo isso passar - eu creio que vai passar. Eu vou conseguir enfrentar qualquer coisa.
Já diz minha avó: a dor deixa as pessoas mais fortes.
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