Pobre Mentirosa - 1
Estava prestes a ter um faniquito, estava a um segundo disso. Sabe o que é pior do que ser uma adolescente em crise e com nervos e hormônios à flor da pele? Ser uma adolescente em crise, com nervos e hormônios à flor da pele, e completamente desprovida de dinheiro para suprir as necessidades básicas, quem dirá para acompanhar as tendências da adolescência. A porcentagem de famílias pobres na Coreia do Sul? Isso não importa, o que importa é que a minha fazia parte disso, o que fazia de mim uma garota pobre e sem expectativas para o futuro.
— Deixe de drama! — Meu irmão mais velho, Ji Ho, reclamou como se estivesse lendo meus pensamentos.
— Mãe! — Choraminguei cogitando em me deitar no chão e bater os pés como uma criança. — Por favor!
— Sabe que não podemos ter regalias por agora, não é querida? — Ela comentou olhando para a panela.
— Mas nós nunca podemos nada. — Insisti já me sentindo chateada. — Mãe, por favor, todo mundo tem um iPhone. Eu sou a única que ainda não tem!
— Você não é todo mundo. — Respondeu concentrada em outra coisa, fazendo meu irmão dar uma risadinha sacana e puxei meus cabelos entre os dedos nervosamente. — Hum hum, não faça isso. Vai ficar careca e não posso te comprar uma peruca agora.
— Mãe! — Esperneei ameaçando entrar em prantos.
— Jin Yi! — Falou colocando um pouco de arroz numa vasilha. — Além do mais, o filho da vizinha também não tem, então você não é a única. E seu celular ainda está funcionando.
Bufei irritada sem querer entrar naquele assunto. Nós vivíamos numa pequena vila num bairro de Gwangju, onde era superlotada de mães solteiras e seus filhos, todos ferrados pela vida, que não tinham condição de pagar o aluguel de uma casa decente. Mas foi assim desde que nasci e parecia que nunca melhoraria por mais que mamãe prometesse.
— Mãe, por favor! — Supliquei ajoelhando em sua frente, ela colocou as mãos na cintura e me olhou. — Prometo lavar a louça, limpar a casa, lavar a roupa e varrer debaixo do sofá pelo resto da minha vida.
— Tudo isso por um celular? — Sorriu dando tapinhas em minha cabeça, virando-me para trançar meus cabelos do jeito que eu gostava. — Deixe seu boletim chegar e eu penso no assunto.
— Tô ferrada... — Resmunguei revirando os olhos, aproveitando que ela não podia me ver.
Mamãe deu uma risada boa de ouvir enquanto penteava meus cabelos com os dedos e tecia uma trança embutida. Ela finalizou amarrando a ponta e fazendo com que eu me virasse para analisar se estava perfeitamente impecável. Fazíamos aquilo desde que me entendia por gente.
— Mas pode começar a pagar levando isso na casa da Ha Nui. — Apontou para as marmitas sobre a mesa. — Aposto que o menino Jung ainda não comeu nada.
— Preciso de um iPhone! — Choraminguei mais uma vez na esperança de convencê-la.
— E eu preciso de uma massagem. — Respondeu se desviando de mim. — E ande logo senão vai se atrasar para a escola.
Fiz uma careta quando ela virou o rosto, mas escondi imediatamente quando me olhou desconfiada. Mamãe vasculhou nossa pequena geladeira quase vazia e me entregou uma caixa de leite.
— Leve isso também. — Deu-me a caixa sem se importar com o que eu estava pedindo.
Antes de ir espremi o último suspiro do tubo de creme dental para escovar os dentes, depois calcei meus tênis do ano passado. Não tinha perfume caro nem maquiagem, então usei a colônia de supermercado que evaporava antes de eu chegar até o colégio e me convenci de que eu conseguiria passar por mais um dia como aquele.
— Oh, pirralha! — Ji Ho parou na porta do meu quarto e sacou a carteira do bolso, tirando 5.000 wones, estendendo em minha direção, mas pondo ao alto quando me estiquei para pegar. — Não gaste com besteira, viu? É para recarregar o cartão do ônibus.
Segurei a vontade de mostrar a língua e só dei um sorriso fechado. Saí de casa e atravessei a rua em direção da casa da frente. Abri o portão baixo e bati na porta, torcendo para que a Sra. Jung que abrisse. Mas não. O dia estava só começando, assim como todas as tragédias que poderiam acontecer em 24h.
— Jin Yi. — Ho Suk falou meu nome com o mesmo tom de entusiasmo que eu estava.
E aquele era meu vizinho e ex-amigo de infância, Jung Ho Suk, também conhecido atualmente como meu maior pesadelo desde que me tornei a pior pessoa do mundo.
Ele ainda usava o mesmo corte de cabelo de quando era criança, mas com a franja mal cortada em casa. Ainda vestia o mesmo casaco verde musgo do ano retrasado, que já soltava fiapinhos e já tinha sido costurado várias vezes debaixo do braço, e a calça preta de poliéster que tinha sido presente da mamãe — na verdade, era a calça que Ji Ho não usava mais por ter ficado curta. Era exatamente o garoto que brincava de pique-esconde comigo, só que mais alto e com roupas mais velhas.
— Ho Suk, oi! — Saudei-o forçando um sorriso complacente e estendi a sacola que carregava. — Minha mãe mandou isso para vocês.
Ele me analisou por um momento com expressão que transitava entre vergonha e incômodo.
— Jin Yi, querida! — Sra. Jung apareceu na porta com um sorriso e observei as olheiras debaixo de seus olhinhos, olheiras mais fundas do que as de mamãe. — Você está cada dia mais bonita!
— Obrigada! — Sorri me curvando, sentindo meu ex-amigo me torturar com seus olhos. — Minha mãe mandou isso aqui.
— Ah. — Ela pegou a sacola de minhas mãos, dando uma olhada rápida no que tinha dentro e me sorriu abertamente. — Entra um pouquinho. Já tomou café da manhã?
— Já sim, senhora. Mas não posso ficar senão vou me atrasar.
— Ho Suk também já está indo. — Ela alisou o braço do filho e arrancou um fiapo do casaco. — Venha querido, tome um copo de leite antes de ir.
— Até mais! — Despedi-me já querendo fugir dali, dos olhos dele.
— Espere um pouco. — Pediu-me. — Você não quer esperá-lo para irem juntos?
— Meu ônibus passa daqui a cinco minutos. — Contei um pouco hesitante e ela concordou parecendo entender.
— Obrigada, querida! Mande lembranças a sua mãe!
Acenei enquanto me afastava. A família de Ho Suk conseguia ser ainda mais pobre do que a minha, então constantemente mamãe me fazia levar um pouco do que tínhamos para eles, não que fosse muito, mas já era alguma coisa. Nós tínhamos ganhado bolsa integral num colégio particular que ficava mais longe da nossa vila do que o antigo colégio. Meu irmão mais velho sempre me dava um pouco de dinheiro, mas Ho Suk não tinha como ir de ônibus. Então, sua mãe lhe comprou uma bicicleta usada na mão do vizinho que estava vendendo bem barato. Ela tinha uma cestinha bem legal e o garoto a pintou de verde durante as férias de inverno.
Estudar num colégio particular era como ser exposto ao ridículo, porque a maioria, senão todos, os alunos faziam parte da elite, e os de famílias mais humildes eram praticamente excluídos. E foi assim que me separei do Ho Suk e me tornei a pior pessoa do mundo. Eu tentei me enturmar e ele se afastou. Claro que eu tinha que pagar um preço pelas novas amizades, mas o mundo capitalista só serve para nos endividar.
— Jin Yi! — Soo Ki acenou para mim quando entrei na sala.
Caminhei até meu novo grupo de amigas e coloquei minha mochila no chão para que todos os seus defeitos não ficassem tão visíveis.
— Fui ao dermatologista ontem. — Da Hye contou-nos enquanto olhava seu reflexo na tela do seu iPhone. — A médica disse que a acne é hormonal, então vou encontrar com a ginecologista e a endocrinologista hoje.
— Vão passar um anticoncepcional, vai ajudar muito. — Soo Ki afirmou, retocando seu brilho labial. — Comecei a usar e melhorou.
— Você também está precisando ir ao dermatologista, Jin Yi. — Apontou mexendo em minha trança e engoli a seco. — Está cheia de cravos no nariz.
— Estou sem tempo ultimamente. — Menti, quando na verdade espremia meus cravos com as unhas. — Estou muito ocupada com os estudos.
Elas acenaram parecendo ter engolido minha mentira. Eu nunca poderia ir ao dermatologista, sinceramente, nem tinha condições para fazer exames periódicos.
— Ainda está com dificuldades em Física?
Afirmei. Se não melhorasse minhas notas minha bolsa seria cortada, mas ninguém sabia que eu era bolsista.
— É só contratar um mentor. — Da Hye falou simplesmente, como se fosse fácil. — Fiz isso com Álgebra. Posso te dar o número de um professor particular.
— Ok! — Sorri em agradecimento tendo a plena ciência de que nunca entraria em contato com ele.
E lá estava o meu pesadelo. Ho Suk chegou dois minutos antes de o sinal tocar para o início das aulas. Ele passou por mim, olhando-me discretamente, como se me julgasse por dentro por saber de todos os meus segredos, de todas as minhas mentiras.
Eu sabia que era errado mentir sobre quem eu era, mas não queria ser excluída, não queria que minha adolescência fosse pior do que já era. Sobreviver à escola sem sofrer bullying e sem passar por uma depressão parecia uma boa causa para minhas mentiras.
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