Capítulo 3
A PRIMEIRA SEMANA DE AULA de Cassie havia sido mais fácil que o esperado. Ela não queria dar detalhes de sua vida particular, havia coisas que não poderia em hipótese alguma revelar. De alguma forma Michelle parecia querer ela por perto na escola e elas conseguia m manter conversas que aliviava o aperto em seu coração.
Ned claramente era o alívio cômico.
Flash era o pé no saco.
E Peter, bem... Parker era o mais bonito e mais atencioso. Ele tinha uma sutileza que a impressionava, mas logo que ela percebia estar pensando nele afastava o pensamento para longe.
Ninguém podia se aproximar demais, ninguém poderia saber. Cassie faria de tudo.
Era cansativo esconder. Ela acordava mais cedo e preparava o café da manhã dela e do irmão. O arrumava para ir para a escola e esperava o ônibus da escola dele chegar, Michael lhe dava um beijo na bochecha e subia no ônibus. Cassie pegava sua velha bicicleta e seguia para Midtown High.
Era uma sorte enorme ela ter se matriculado para começar o ano letivo em uma nova escola. Ninguém saberia do seu pai ou do que aconteceu, ninguém saberia que Cassie estava criando o irmão sozinha.
Desde que ela ficara no hospital após o acidente, a justiça havia deixado a guarda provisória com Caroline sua madrasta. A casa em que morava com o pai estava com a hipoteca vencida e foi tirada da família para pagar as dividas que Charles não conseguiu pagar em vida.
Enquanto Cassie se recuperava no hospital, Caroline ajudou na mudança do Brooklyn para o Queens e passou o dia de alta de Cassie com eles. Ela achava que poderia contar com Caroline, mas no dia seguinte achou o bilhete dela na geladeira.
“Desculpe, não posso fazer isso”.
Cassie entrou em desespero. Eles não tinham ninguém, nenhum familiar. Seu pai havia abandonado a vida em outro país e se mudado para Nova York quando jovem, eles não tinham familiares.
Ela sentiu tanta raiva de Caroline e seu casaco de pelos rosa.
Cassie mantinha aqueles pensamentos em sua mente o dia todo. Só percebeu que a aula de Biologia estava quase no fim porque Michelle a cutucou e perguntou se poderia pegar a borracha emprestada.
-Você está meia aérea hoje. –Michelle comentou como sempre fazia, era muito observadora. Mas de uma maneira diferente de Peter.
-Estava pensando no meu irmão, Michael. –Ele confessou. Estava ansiosa com o fato de que precisava de um trabalho de meio período para pagar as contas.
O acidente nas indústrias Oscorp foi considerado apenas um acidente e a empresa ainda achou uma forma de declarar que Cassie e o pai estavam no local indevidamente. Segundo a diretoria da empresa, naquele dia foi proibido que os funcionários estivessem no local já que ocorreriam testes. Com esse argumento a Oscorp foi considerada “inocente”,
Cassie sabia que não, ela tinha ouvido e foi tudo planejado. A empresa se propôs a pagar para ela um valor mensal do seguro de vida do pai, mas este servia apenas para pagar o aluguel. E a vida de Charles Johnson valia infinitamente mais para ela.
Cassie queria a verdade. Se ao menos ainda tivesse o relatório que encontrou no laboratório, ele poderia servir como prova. Mas quando ela acordou no hospital, os papéis haviam sumido.
-O almoço hoje é almondega! –Ned anunciou enquanto eles andavam pelo corredor. Ela nem mesmo tinha percebido que havia guardado o material e acompanhado os amigos para fora da sala.
Ela tentou focar no presente e se envolver na conversa, mas havia algo que sua mente que não deixava.
Além de tudo isso, coisas estranhas estavam acontecendo com ela.
No hospital informaram que seu corpo estava bem, mas que precisaria de alguns dias para se recuperar de todos os componentes químicos e da fumaça que inalou. Já faziam duas semanas e Cassie só sentia os sintomas piorando.
A visão ficava bem turva e às vezes ela jurava que nem precisava mais do par de óculos. Outras vezes ela conseguia ouvir a voz dos colegas muito antes de eles chegarem perto dela e na aula de Educação Física ela parecia muito mais ágil, até mesmo recebeu um convite para ser líder de torcida.
Tudo aquilo de uma vez fazia sua cabeça doer e ela só queria que passasse. Estava cansada. Queria que a Oscorp pagasse pelo que fez.
Na saída da escola em meio à multidão de alunos, Michelle perguntou:
-Quer ir com a gente tomar um milk-shake?
Tudo que Cassie conseguia pensar era que não tinha um centavo para o milk-shake e se tivesse compraria primeiro um para o seu irmão.
-Fica para outro dia, eu tenho que procurar um trabalho de meio período perto de casa. –Ela disse enquanto ela e Michelle trocavam um cumprimento elaborado, primeiro batiam uma mão na outra aberta e depois uma sequência rápida de três socos.
Ela pegou a velha bicicleta, ajeitou o boné sobre os cachos presos e saiu pelas ruas de Nova York.
☄
Cassie começou pelo Brooklym que era o bairro que conhecia desde que nasceu e também conhecia os comerciantes por lá. Porém não ajudou nada que pudesse fazer em um horário aceitável. Tinha que ser um trabalho depois do horário de aula e que não a fizesse chegar tarde em casa. Michael não podia ficar muito tempo sozinho.
Se alguém suspeitasse de que as crianças Johnson viviam sozinhas e acionasse a justiça, Cassie e o irmão seriam levados para um abrigo e poderiam até ser colocados para adoção. E ela sabia muito bem que raramente adotavam adolescentes e isso poderia os separar.
Cassie olhou em volta para as ruas, as mãos apertavam o guidão da bicicleta com força. Tantos carros, prédios, pessoas, uma cidade tão viva. Deveria haver um jeito. Cassie não deixaria que a separassem do irmão.
Ela respirou fundo e voltou a pedalar, tinha que continuar procurando! Virou à esquerda e na curva fechada ela sentiu algo, um zumbido na orelha esquerda, seu corpo se arrepiou e ela não precisou pensar.
Foi como um instinto primário tomando conta de seus sentidos, ela sabia exatamente o que fazer sem precisar pensar ou realmente ver o que estava acontecendo.
Ela tomou impulsou com o quadril conduzindo a bike para cima, suas pernas arquearam levando os pedais consigo. Os braços que seguravam o guidão deram o impulso da manobra que a levou a jogar a bike e o seu corpo no ar.
Ela podia ver tudo ao seu redor quase que em câmera lenta. Ela rodopiou com a bicicleta há alguns metros do chão no momento exato em que um táxi amarelo passou abaixo dela buzinando. Por pouco não havia sido atropelada.
Seu corpo pousou a dianteira e a roda traseira ao mesmo tempo equilibrando todo o peso. A velha bicicleta não aguentou o baque e desmontou ali mesmo, a única coisa que ficou em pé foi o guidão que ela estava segurando.
O motorista do táxi que havia freado bruscamente colocou a cabeça pra fora do carro e gritou:
-Olha por onde anda, garota!
E acelerou voltando a correr.
Cassie olhou para as partes soltas da bicicleta.
-Porcaria.
☄
Ela voltou para casa a pé e chegou quando o sol já estava se pondo. Felizmente havia conseguido uma vaga na padaria da esquina, e ainda teria desconto se comprasse comida lá. Só isso já a fez pensar que tudo valeu a pena. Mesmo que tivesse que arrastar pelo Queens sua bicicleta quebrada, mesmo que seu rosto estivesse sujo de graxa e ela nem mesmo tentou limpar, mesmo que estivesse cansada.
Ela chegou na frente do pequeno prédio em que morava, olhou para as degraus em frente à porta de entrada e suspirou erguendo a bike. Começou a subir respirando fundo, seu prédio não era o melhor local do Queens, mas tinha um aluguel acessível que era possível pagar com a “contribuição” da Oscorp.
Ela subiu até o andar do seu apartamento e tirou a chave de casa de dentro da mochila e destrancou a porta e arrastou a bike para dentro. No mesmo instante, Michael saiu correndo do sofá onde estava e abraçou ela passando os braços pela cintura dela. Foi como se toda a energia gasta fosse recarregada naquele abraço.
-E aí, Capitão Mike! -Ela disse passando as mãos pelo cabelo do irmão bagunçando os cachos molhados. -Alguém acabou de sair de banho...
Ele se afastou e ela percebeu o quanto ele estava crescendo rápido, quase chegando a altura dos ombros dela e tudo isso com apenas dez anos. Ele sorriu, os olhos castanhos brilhando pra ela.
-Cassie eu fiz a lição de casa já. Estava te esperando pra gente jantar. -Ele puxou ela pelas mãos até a bancada da cozinha.
Ela sorriu deixando a bicicleta no canto da sala, toda a chateação por ela estar quebrada desapareceu. Ela tirou a jaqueta e bolsa deixando sobre uma das cadeiras da mesa de jantar e abriu a geladeira.
-Nós temos almondegas ou hamburguers! -Ela anunciou enquanto Michael pegava os pratos no armário.
-Almondegaaaaas. -Ele comemorou. E o que ele escolhesse ela faria e daria pra ele o quanto quisesse.
Cassie tirou o arroz da geladeira e começou a fritar as almondegas enquanto observava Mike. Ele tinha a pele em um tom de marrom como era o dela, mais claro que o pai e mais escuro que o da mãe pelo que ela se lembrava. Os cachos dele eram mais baixos e definidos como se mostrassem toda a gentileza do garoto, combinavam perfeitamente com seus grandes olhos castanhos.
-Desculpe ter ficado o dia todo longe. -Ela disse. Ele ergueu os olhos para ela e em momentos como aquele ela sentia o peso que era um amor incondicional que acompanhava a responsabilidade.
-Tudo bem. -Ele disse e se sentou. -Eu entendo, mas fico com saudade.
A voz dele começou a ficar trêmula, então Cassie puxou a cadeira e se sentou ao lado dele.
-Sente falta do papai? -Ela perguntou em um sussurro carinhoso enquanto fazia carinho no rosto dele.
-Sim... -Ele respirou e tomou um tempo, todos os Johnson tentavam ser fortes ao falar. -Mas também de você, Cassie.
Ela abraçou Michael segurando todo pedaço dele e jurando para si mesma que iria protegê-lo, deixou que ele descansasse a cabeça em seus braços e o puxou para o seu colo mesmo que ele não coubesse mais.
-Vai ficar tudo bem, Cap Mike. -Ela usou o apelido carinhoso. -As coisas vão melhorar.
-Eu sei que vai, Campeã. -Ele também usou o apelido carinhoso. Os dois riram.
-Te amo ao infinito e além. -Eles disseram juntos.
Durante o jantar Cassie sentiu a revolta crescendo dentro de si, sentiu que precisava montar um plano. Queria descobrir e expor a Oscorp.
Ela os faria pagar.
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