Capítulo 25
Eu sabia que ele não iria gostar, mas nunca imaginei que ele fosse ficar com essa expressão assim, tão irritada. Ah, fala sério! Imaginei que ele fosse ficar decepcionado, mas furioso assim? Ah, por favor! Me poupe! Ele não tinha motivos! Não mesmo. E ver isso nele me deixou irritada também. E muito, mas muito, decepcionada.
– Nunca imaginei que você fosse esse tipo de cara. – eu disse, de mau humor.
– Que tipo de cara? – ele respondeu, todo sério. Sim, ele estava bravo mesmo. Mas com que direito?
Eu não era a namorada dele, e ele não tinha sequer me beijado antes da última vez que nos vimos. E foi um beijo rápido demais para que ele me exigisse fidelidade.
– O tipo de cara que acha que virgindade é sinônimo de caráter e de pureza. – eu disse, de mau humor – O tipo de cara que exige que a mulher seja imaculada, quando ele mesmo passou um ano inteiro pegando toda.
– Imaculada? – apesar de tudo, um sorriso de deboche brotou nos seus lábios. O sorriso era bem discreto, mas estava presente. – Só você para usar uma palavra tão antiga. – ele disse, revirando os olhos, com um pouco de humor, apesar de tudo.
– É, só que nesse caso quem está sendo antigo não sou eu. Isso é totalmente ultrapassado, Logan! Isso de querer a mulher pura, intacta. Se você queria que eu ficasse imaculada para você, também devia ter se mantido imaculado para mim. Direitos iguais, Logan. Se você pode, eu também posso. – cruzei meus braços sobre o meu peito.
Tantos meses esperando por ele, para ele me decepcionar desse jeito? Ah, fala sério!
– Acontece que eu fiquei com elas antes de te conhecer, Marília.
– É? E acontece que você sumiu, me deixando para trás! E nunca me pediu para que eu esperasse por você! Eu não sabia se você iria voltar um dia! Ah, qual é? Você não pode exigir nada, nem me beijar você queria!
– Tá brincando, né? – ele arqueou as sobrancelhas grossas, numa expressão irritada – Eu sempre quis te beijar, desde que te vi pela primeira vez! E se eu fiquei na minha foi porque você me pediu para fazer isso!
– É? – eu disse ainda de mau humor – Só que eu te pedi para me beijar também. Várias vezes, e você não fez isso!
– Quem foi o cara, Marília? – ele perguntou.
– Não interessa. Você não tem o direito de agir assim, nem de me exigir nada, quando me deixou para trás. Eu fiquei sozinha, Logan! E eu só queria que a sensação de solidão passasse! Foi muito difícil ficar sozinha!
– E passou?
– Não. Era bom para me distrair por um tempo, mas não resolvia. Vocês me deixaram para trás, todos vocês me abandonaram. – afirmei, ainda me sentindo um pouco irritada.
Mas, acima de tudo, sei que o sentimento mais evidenciado pelas minhas palavras foi o de tristeza. Porque magoava mesmo falar sobre isso, lembrar que eles tinham ido, para onde quer que fosse, sem mim. E isso fez com que o Logan explicasse, dessa vez com uma voz bem mais calma.
– Se eu soubesse quando aquele portal abriu que a gente não teria como resgatar você, eu nunca, em hipótese alguma, teria ido com eles, Marília. Eu realmente não fazia ideia.
– Portal? – eu repeti, um pouco atordoada.
Sério mesmo? Portal?
– É. Quando o teu pai consertou o comunicador e nós estabelecemos um contato, eles nos localizaram e vieram nos buscar. Porque tudo deu errado no lançamento. Era para a gente ter sido criado junto. Só que ficamos a 1000km de distância, as nossas famílias. E eles não sabiam como nos resgatar. Quando estabelecemos a comunicação, a abertura do portal foi imediata, e você não estava junto, mas ninguém pensou em te deixar para trás. Todo mundo achou que dando a sua localização você seria resgatada imediatamente.
– Pera... portal? E como assim 1000km? Achei que os teus pais morassem a 300Km da gente.
– Sim, isso agora. A gente se mudou algumas vezes, sempre em busca de vocês. Meus pais não tiveram tanta sorte assim para se estabelecerem como os teus, então foi difícil para eles se sustentarem e arranjarem um emprego. Minha mãe só sabia lutar, e como eles tiveram que abrir mão dos poderes para vir para cá nem isso ela sabia fazer mais. E o meu pai era um conhecedor das leis, mas o conhecimento dele não valia nada aqui.
– Ah. Tá. Mas...? Como assim abrir mãos dos poderes?
– Para vir para cá, nossos pais abriram mão dos poderes. Nossas mães eram guerreiras, por isso a pedra delas era roxa. E nossos pais eram da nobreza, por isso as pedras azuis. A gente não pôde abrir mão dos nossos, porque não era possível abrir mão de algo que ainda não tínhamos.
– Ah... Tá... – eu sei que eu parecia meio retardada, totalmente chocada e boquiaberta como eu estava, mas foram anos escondendo todas essas informações para que elas fossem despejadas de uma só vez... E era para eu achar isso normal? Só que eu não achava normal, porque não fazia sentido. – Mas... Por que só a gente veio?
– Eles conseguiram construir um portal, mas para a abertura dele é preciso um minério raro. Poucas pessoas podiam ser mandadas. E nós fomos os escolhidos. Caso o nosso planeta fosse extinto, a gente teria que assegurar a sucessão. Para que o nosso povo não desaparecesse totalmente. Havia o risco do nosso planeta não ser salvo.
– Pera... Hum? Planeta...? Então a gente é tipo... alienígena? Como a Supergirl?
– Tipo isso. – ele sorriu. Não parecia mais irritado comigo agora, pelo menos. Mas devia ser pela expressão abobalhada que eu tinha, ele provavelmente estava com pena de mim. – Só que nosso planeta é um planeta espelho da Terra, tem as mesmas condições, a vida é bem parecida. Sabe quando a gente está dirigindo? O ponto cego?
– Eu não dirijo, Logan.
– Sim, mas existe algo chamado de ponto cego. Quando a gente olha para trás e não enxerga os outros carros. Nosso planeta é assim. Ele está alinhado de uma maneira com a Terra que ninguém daqui é capaz de vê-lo. Até porque ele é bem menor. Infinitamente menor. E com o desastre ecológico a população ficou bastante reduzida.
– Tá... mas... Com assegurar a sucessão, você quer dizer o que...? A gente devia...?
Eu queria dizer acasalar. Mas... Fala sério! Ainda não me acostumei com essa palavra, e esse momento já é estranho o suficiente sem ela.
– Se casar, Marília, e ter filhos. A ideia era a gente ter crescido junto e ser próximos. Como nós seriamos iguais, era certo para todos que nos daríamos bem. Por afinidade. Você foi escolhida para mim.
– Pera... Mas isso é machismo! Por que você não foi escolhido para mim?
E ele riu. Gargalhou, na verdade. Só depois que parou de rir é que continuou a falar:
– Porque lá é uma monarquia, e eu sou o próximo na linha sucessória para ser o Rei. Nesse caso, você foi escolhida para mim. Por ser da nobreza e ter idade próxima a minha.
– Ah. E isso faz de você um tipo de príncipe?
– Sim. – ele sorriu de leve. Era como se ele estivesse analisando cada expressão minha agora. – E você é uma princesa. Só que era para você ser a minha princesa, e eu sempre esperei te encontrar. Quando você se transformou, a minha pedra emitiu um brilho, um brilho que eu estava há anos esperando.
– Um brilho? – apesar do meu atordoamento, não pude deixar de brincar – Achei que você tivesse chegado até mim pelo cheiro.
– Não. Foi pelo brilho. Eu cheguei até aqui, mas daí ele se apagou. Ficou meses fraco, até o dia que eu te encontrei.
– Tá... Mas isso não faz sentido. Eu ficava em casa sem o colar, treinando com a minha mãe. Isso não deveria me fazer brilhar também?
Ele riu de novo. Pelo menos, não estava mais irritado comigo como no início da conversa quando a gente parou de se agarrar. Não que ele tivesse o menor motivo para estar irritado. Porque ele não tinha. Eu era solteira, sozinha, e não devia fidelidade a ninguém.
– Não era você que brilhava, Marília. – ele disse ainda achando graça – Era a pedra. E em casa com a sua mãe você não emitia adrenalina o suficiente para isso.
– Adrenalina? Então eu precisei nocautear um estuprador em potencial para que você aparecesse?
– Isso. – ele riu, de novo.
– Eu estava tão furiosa naquele dia, e você ainda chegou falando que queria cair de boca nos meus peitos. Eu queria nocautear você também.
– É, eu percebi. Porque você não sabia quem eu era. E eu jurava que você era igual a mim, com aquela coisa dos instintos sexuais. Eu achava que era só eu aparecer que daí a gente ficaria junto. Eu esperei anos para te ver. Achei que você estivesse brincando comigo, até conversar com os teus pais.
– Logan... – eu o interrompi, ao me dar conta de algo – Você me deu várias dicas! Você me chamou de princesa... e de noiva!
– É, eu fiz isso. – ele disse, e dessa vez o sorriso sumiu de seu rosto. Ele parecia nervoso.
– Era para eu ser tua noiva. O que deveria acontecer quando eu fizesse 21 anos... o tempo todo era você, não era? A gente deveria se casar, e ter filhos, para fazer essa tal de sucessão! – eu exclamei, empolgada com a minha descoberta.
Era bom que tudo finalmente fizesse sentido!
– É...
– Só que... e se eu não quisesse? E se eu não gostasse de você? Eu não gosto de ser obrigada a nada.
– E você não vai ser. – ele se apressou em explicar. – Essa possibilidade, a de você não querer, nunca tinha me passado pela cabeça, até eu te conhecer.
– Ah. Por isso você me disse que ia me contar tudo, antes de sumir, porque eu tinha direito ao livre arbítrio.
– É.
– Mesmo você sendo o futuro rei, você não ia me obrigar. – eu concluo, achando isso gentil da parte dele.
Reis não deveriam mandar nas pessoas? Ou algo assim?
– Aqui eu não sou rei de nada, Marília, e talvez eu nunca venha a ser. Talvez não haja minério o suficiente para o portal amanhã. Nós só saberemos na hora.
Ele tinha aberto mão de um reino por mim. E isso era... uau! Era muita coisa! E só deixava mais claro o quanto eu o amava.
Pelo menos antes dele ser tão preconceituoso, antes de exigir de mim uma pureza que eu não tinha mais. O que fazia dele um idiota. E eu não sabia se queria passar o resto da minha vida ao lado de um idiota. Sinceramente.
– E por que você faz tanta questão de me chamar sempre de Marília? Noiva, princesa e Marília. Todo mundo, exceto você, me chama de Lila.
– Eu gosto do teu nome. E quer saber por que eu gosto tanto dele? – ele disse, chegando mais perto de mim e me olhando agora de forma meio debochada. Como se estivéssemos bem. Só que não estávamos. Não quando eu ainda o achava bastante machista e por isso idiota.
– Quero. – eu disse, me controlando para não revirar os olhos.
Eu não queria irritá-lo para que ele continuasse falando. Ainda mais agora, quando havia a possibilidade de eu nunca mais ver meus pais. Sendo ele, dessa forma, o único capaz de me contar as coisas.
Ele podia ser meio idiota, mas ainda assim eu o queria por perto.
– Tua mãe estava grávida quando a gente veio para cá, de você. – ele explicou – E teu nome, na verdade, era para ser Lilax.
– Lilax? – eu disse com uma careta. Ui! Que nome terrível! Credo! – Para combinar com Madox?
– É. Mas eles estudaram os nomes daqui e acharam que você se misturaria melhor com um mais comum. Teu pai, por exemplo, não se chama João. O nome dele na verdade é Johan.
– E minha mãe?
– É Marion mesmo. Eles até cogitaram mudar para Maria, um nome mais comum, mas viram que Marion era um nome aceitável também.
– Ah. – foi tudo o que eu pude dizer.
Essa conversa cada vez ficava mais doida. Tipo... até o nome do meu pai era mentira, aparentemente. Não que Johan fosse muito diferente de João, mas, mesmo assim...
– Eles leram uma lista de nome, e fui eu quem escolheu o teu, antes da gente vir. Essa é a minha lembrança mais antiga. Eu tinha quatro anos e não me lembro de nada antes da gente ser mandando para cá. Nada além de ter escolhido o teu nome. Por isso, eu não quero chamá-la de outra coisa, Marília.
Tá ai mais uma coisa que nunca tinha me passado pela cabeça. O Logan de quatro anos ter escolhido o meu nome era meio fofo, não era?
Aparentemente, eu era uma alienígena (não era?) com o nome Lilax. Era uma princesa, noiva de um príncipe e futuro rei. E o meu prometido podia ser fofo às vezes, e até ser o amor da minha vida, se não fosse machista.
Ai, meu Deus! Quanta maluquice! Eu deveria estar meio que surtando e berrando agora, não deveria?
Até que seria legal tudo isso, eu podia ter o meu próprio conto de fadas ou algo assim, se não fosse pelo fato do meu príncipe ser machista. E isso eu não tolerava. Não mesmo.
Acho que, de novo, ele leu meus pensamentos, porque falou:
– Eu nunca esperei que você fosse virgem, Marília. Nunca. Isso sequer passou pela minha cabeça quando a gente se encontrou. Até porque já tinha passado meses desde a sua transformação. E eu não achei que fosse possível resistir por tanto tempo.
– É mesmo? – eu fiquei intrigada – Então por que você pareceu tão irritado quando eu contei?
– Porque enquanto eu estava organizando expedições, para lugares distantes e perigosos, para lugares onde eu não sabia se a atmosfera era propícia para a vida, para encontrar o minério e reabrir o portal... Enquanto eu estava me arriscando, e movendo o céu e a terra para voltar para você, me dói pensar que você...
Ele não completou a frase. Mas eu entendi.
– Expedições? – foi tudo o que o choque me permitiu dizer. Porque não era por ele ser machista. Era porque eu o tinha magoado. E isso mudava tudo.
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