Capítulo 23
– Eu não entendo você, Lila. – o Daniel disse, não parecendo muito feliz. Ele parecia, na verdade, bem chateado.
– Não entende o que? – perguntei, me fazendo de desentendida, enquanto tirava os meus sapatos de salto. Eles eram pretos, como o meu usual, mas eram mais arrumadinhos do que os que eu usava no dia a dia.
Sapatos que eu não queria largar no meio da sala, porque eu estava tentando ser mais organizada e não deixar as coisas espalhadas, já que não tinha ninguém para me ajudar a arrumar. Por isso, subi com eles para o andar de cima, até o meu quarto. E o Dani me seguiu.
Eu sabia o assunto que ele iria abordar, mas não fazia ideia do rumo que isso tomaria.
– Eu estava te respeitando, te dando espaço – ele continuou dizendo, enquanto subia a escada atrás de mim – por que achei que você estivesse apaixonada por aquele cara. O tal de Logan.
Segui na direção do meu quarto, mas parei de caminhar e me virei para o Dani, ainda no corredor.
– E eu estou.
– Então o que foi isso de hoje à noite? Por que você beijou o meu amigo?
– Porque... – eu precisava pensar na resposta. Era algo novo para mim também, tinha me dado conta disso apenas alguns instantes antes do beijo. Então eu continuei andando e guardei os meus sapatos antes de continuar a falar. Podia ter respondi de várias maneiras diferentes, mas acabei resumindo com um: – porque eu quis.
– Eu não entendo! – ele parecia irritado agora. E o Daniel em geral era bem calmo – Achei que você não quisesse ficar com ninguém, que estivesse esperando pela volta do Logan!
Mas não era como se ele fosse um defensor da honra do Logan. Eu podia perceber, claramente, que esse não era o caso. Que ele tinha ciúmes do Logan, tanto quanto ele tinha do Maurício. Esse era um cheiro novo para mim, o cheiro do ciúmes. E ele deixava bastante claro agora os sentimentos do Daniel por mim. Eles eram bem mais fortes do que eu pensava.
E isso mudava um pouco as coisas, talvez.
– Acontece que... – falei ao me sentar na minha cama, enquanto o Dani permanecia em pé. Ele não parecia nada confortável, e nem com vontade de sentar. – Eu não sei mais se o Logan vai voltar. Já faz dois meses que eles se foram, e eu não tive nem sinal deles. Então... eu percebi que não posso deixar de viver a minha vida por causa de uma possibilidade que pode nunca acontecer. Percebi que eu sou jovem, e que eu tenho que viver. Não posso basear a minha vida num "E se". Porque: e se ele nunca mais voltar? Sei que sou incapaz de amar outra pessoa como eu amo o Logan, porque... eu não sou igual as outras pessoas. E o seguir em frente não seria o mesmo para mim do que significa para as pessoas normais.
– Como você tem certeza disso?
– Eu apenas sei. Fui idiota para enxergar o óbvio antes. – expliquei me sentindo triste. Cruzei meus braços sobre o meu peito – Para enxergar que eu e ele estávamos ligados, para enxergar que ele era o meu cara. Mas agora eu sei disso. E ele mesmo me falou que para a gente existia uma única pessoa que era a certa. Só que... eu não quero ficar sozinha para sempre. Porque: e se ele nunca mais voltar?
– Mas por que o Maurício? Por que não... – ele me encarou. E eu antecipei sua próxima palavra, e isso me deixou ainda mais triste – eu?
– Porque eu não posso. – falei, olhando para o chão. Não tive coragem de continuar olhando para ele.
Então ele se aproximou da cama e se agachou aos meus pés, para que o meu rosto enxergasse o dele. E ele pegou minhas mãos com as suas.
– A gente já ficou junto antes, Lila, e eu sei que você também gostou.
– Sim, eu gostei. – falei, logo me levantando da cama para colocar uma distância entre a gente. Fui em direção à janela, e fiquei olhando para a rua. Ele logo chegou e parou às minhas costas, mas não tão perto dessa vez. – Mas eu não posso fazer isso, Dani. Não com você.
– Por que não? – ele parou ao meu lado, e eu voltei a olhar para ele. Achei que ele merecia isso de mim, pelos anos da nossa amizade. Ele merecia a minha sinceridade.
– Porque, se o Logan voltar um dia, eu não posso controlar isso... Lembra como foi quando eu me transformei, lembra do modo como eu te ataquei? Foi intenso.
– Eu nunca me esqueceria daquilo – ele me deu um sorriso de canto de boca. Apesar de estar triste nesse momento, ele parecia gostar da lembrança – Se bem que eu não posso chamar aquilo de ataque.
– Mas foi um ataque mesmo. E não era algo que eu pudesse controlar. Mas agora... você já deve ter percebido que eu não saio mais atacando caras, mesmo sem o meu colar.
– Percebi. Porque você passou um ano treinando e sabe se controlar melhor.
– Não. Não é só isso. Sim, eu sei me controlar. Por isso posso conviver com outras pessoas. Posso até voltar a ter uma vida mais normal. Só que... Com o Logan, se ele voltasse, eu não seria capaz de me controlar.
– Ah. Entendo. – e a expressão dele, quase de desolação, mostrava que ele entendia.
Mesmo assim, eu quis ir mais além e deixar tudo claro.
– Eu largaria tudo, e qualquer cara, se ele voltasse. Porque eu não seria capaz de me controlar. E eu não posso fazer isso com você. Por isso, eu poderia ficar com qualquer outro nesse momento, mas não com você.
– Ah. – fui tudo o que ele foi capaz de falar.
Ficamos os dois olhando para a janela. Ele apoiou os braços nela, e ficou pensativo. Já eu intercalava meu olhar entre as estrelas e o rosto dele. Nessas horas, queria ser capaz de ler pensamentos.
– O Logan pode nunca mais voltar – ele acabou dizendo, após um minuto de silêncio que me pareceu muito mais longo.
– Pode – concordei. Porque... o que mais eu podia fazer? Era a mais pura verdade.
– Assim como ele pode voltar e te levar para junto com ele. – e os olhos azuis dele me encaravam de forma intensa agora. – E a gente pode nunca mais se ver.
– É. – eu concordei novamente, porque né... eu já tinha pensando nisso também.
– Então, Lila... – ele disse, de novo pegando nas minhas mãos. – Não importa o futuro, a gente não tem certeza de nada. Podemos ficar junto agora, e eu sei que posso te fazer feliz.
– Não... Você não entende... Eu não posso fazer isso com você.
– Não. É você que não entende. Se há a possibilidade de você sair da minha vida para sempre, eu prefiro aproveitar o tempo que temos juntos agora. Mesmo que ele seja de um dia, ou de apenas algumas horas.
Tudo o que ele dizia fazia sentido, então... eu fiquei pensando. A vida era feita de escolhas. Eu não era obrigada a nada, então aquilo se baseava no que eu queria.
E o que eu queria? Percebi enquanto eu olhava para ele e refletia: eu queria tentar ser feliz.
– Tá certo então. – acabei respondendo.
– Tá certo o que? – ele me perguntou, ainda segurando as minhas mãos.
– Isso. – falei. Então, eu o beijei.
Já fazia quatro meses. Quatro longos meses, desde o sumiço deles. Eu podia estar me divertindo agora, podia estar saindo à noite, e ter novos amigos... E nessa lista se incluíam a Ágata e até o Maurício, entre outros. Eu era mais popular e me misturava. Fazia, inclusive, coisas parecidas como as das pessoas normais. Só que eu não me sentia normal.
Era como aquilo que o Logan explicou um dia. Eu podia estar cercada de gente e, ainda assim, me sentia sozinha. Porque nenhum deles, nem o Daniel, preenchia esse vazio. Nenhum deles podia me entender completamente. Nenhum deles era... igual a mim.
E o "se sentir diferente", aumentava o sentimento de solidão.
Nesses momentos, quando eu me sentia introspectiva e desejava ficar sozinha, eu sumia. Eu morava sozinha, exceto pelo meu cachorro, então podia passar as minhas noites onde eu quisesse, sem nenhum questionamento. Até por isso que eu recusei o convite dos pais do Dani de morar com ele. Eles nunca entenderiam as minhas andanças noturnas. Nem o Daniel, que era o único que conhecia o meu segredo, entendia isso totalmente.
Essa necessidade que eu sentia de ajudar, era mais do que isso. Era como se, suprindo essa necessidade, eu me aceitasse melhor. Se eu era mesmo diferente, tinha que me aceitar e não lutar contra o que eu não podia mudar.
Naquela noite, eu tinha impedido uma menina de 15 anos de cometer suicídio. Fui atraída pelo cheiro de gás e me deparei com ela com a cabeça enfiada dentro do forno. Ela morava sozinha com a mãe, que era enfermeira e estava de plantão naquela noite. E ela planejava acabar com a própria vida. E sei que eu a fiz mudar de ideia, e isso fez com que eu me sentisse um pouco importante.
Ela estava apaixonada por um cara da minha idade que a forçou para transar quando ela não se sentia preparada. E ela o fez com medo de perdê-lo. E isso levou uma longa conversa entre a gente.
Para mim, a perda da virgindade não precisa ser com uma paixão avassaladora, mas a gente, acima de tudo, precisa se sentir preparada. Assim como o primeiro não precisa ser o amor da nossa vida, nem o último. Mas tem que ser no nosso momento. E, de preferência, tem que ser com um cara legal, em quem a gente confie.
E esse não foi o caso dela. Porque o namorado filmou tudo, e agora estava chantageando-a para que ela transasse com ele e com um amigo. Senão postaria o vídeo íntimo dela na internet. O que fez a menina pirar e tentar se matar.
Só que ela não fez isso, porque eu interferi. E depois, fui até a casa do cara, entrando pela janela do quarto dele em grande estilo, a fim de assustar mesmo. Então eu peguei o celular dele, onde estava o tal de vídeo, e o estraçalhei com apenas umas das mãos na frente dele. Porque quando eu queria, era bem forte. E eu sabia controlar isso agora.
Por isso, eu fiz o celular dele virar areia preta. E ameacei a voltar e fazer o mesmo com o computador, caso ele não deixasse a menina em paz. Mas, o que fez mais efeito de tudo o que eu fiz, foi o fato de eu ter me atirado do quinto andar em um pulo direto para o chão, e caído em pé.
Claro que, ao fazer isso, eu fraturei um dos meus tornozelos, de novo. Mas ignorei a dor e saí andando, para assustar o cara mesmo. Depois, quando meu tornozelo já estava bom, voltei ao apartamento da menina e ficamos quase uma hora conversando. Até comemos juntas bolacha recheada Oreo com Coca-cola.
Quando eu fui embora, ela estava sorrindo, e eu também. Podia ser arriscado, ela me reconhecer depois. Mas, pelo menos, fiquei o tempo todo com os meus óculos de sol. Eles eram meio grandes e cobriam parte do meu rosto. E no dia a dia, tal como a Supergirl, para ajudar com o meu disfarce eu agora estava sempre de cabelos presos.
Só que, depois que eu fui embora, eu me senti bastante triste e busquei o meu refúgio. Porque eu nem devia estar dando conselhos amorosos quando eu nunca fui muito feliz no amor. Quando eu nunca tive ao meu lado o cara que eu amava.do jeito que eu queria.
Por isso, eu me encontro aqui agora, no apartamento do Logan. Aqui é o meu refúgio. É para onde eu vou quando me sinto triste demais. Eu abro o sofá cama e me deito no travesseiro dele. Travesseiro que eu ainda não troquei a fronha, pois foi onde ele dormiu quando esteve aqui pela última vez. E eu fiz o mesmo com o lençol. Sei que eu preciso lavá-los, mas ainda não tive coragem. Fazer isso é como deixar mais uma parte do Logan partir.
Olho para a televisão meio saudosa agora, pensando nas vezes que eu via séries com ele. E quando eu sentia ciúmes da Supergirl. Só que agora eu não posso mais fazer isso. Porque eu mantive esse apartamento durante esses meses, paguei as contas básicas como o aluguel, luz e água, mas não pude manter a internet do Logan assim como o Netflix. E sei que, se um dia ele voltar, vai sentir falta disso. Mas, mesmo trabalhando bastante agora, ficava meio pesado para mim.
O pai do Dani cuidou da parte burocrática e ele me ajuda a administrar as contas. Acho que deu um jeito de meus pais passarem de desaparecidos a declarados mortos oficialmente, o que eu nem quis saber. Ele queria tentar me convencer a me mudar para um lugar menor, mas eu não pude. Também quero manter a casa, caso meus pais voltem. O que eu não posso explicar para ninguém além do Dani. Mas até o Dani ignora a existência do local onde eu estou agora.
O lado bom dos meus pais terem sido declarados mortos, é teve um lado bom nisso, é que o banco quitou o financiamento da casa, e é uma coisa a menos que eu tenho que pagar. Porque seria bastante complicado...
Sei que os pais do Dani me ajudariam, caso eu precisasse, mas por enquanto ainda estou me virando com o meu trabalho e com o que tinha na conta dos meus pais no banco. Estou evitando planos a longo prazo, pois o futuro é incerto. Então, apenas vivo um dia atrás do outro.
Mas, infelizmente, não pude manter a casa dos pais do Logan também. Seria bom ter feito o mesmo por eles, mas seria coisa demais para eu abraçar. Mas, para não ficar triste sobre isso, nunca mais fui lá.
Quando eu passo as noites na casa do Logan, deixo todos, até o meu querido cachorro, para trás. Mas permito que o pobre bichinho durma na minha cama sem mim, pelo menos.
Agora estou aqui, na cama do Logan olhando para a televisão. Acho que trouxe um pouco da tristeza daquela menina com quem eu conversei mais cedo comigo, e agora é difícil pensar em coisas boas para me livrar dessa sensação.
Queria meus pais. Queria o Logan. Queria... eles. Só isso. Não faço questão de mais nada.
E então, como se fosse num passe de mágica, tenho meu desejo atendido. Pelo menos, um deles. Porque quando percebo, não estou mais sozinha.
Estou de olhos fechados na cama dele e, primeiro, o cheiro me atinge. É um cheiro ainda distante, o mesmo que costumava ter no travesseiro antes dele sumir. Então não acho tão estranho senti-lo, até que ele fique mais forte. E mais forte. E então... vejo que não é apenas imaginação, é real. Ele voltou!
Por isso, me sento na cama em um pulo. E meus olhos se dirigem para a porta da frente, da onde vem o cheiro. Porque o meu nariz, quando se concentra em algo, é muito eficiente. E nesse momento eu estou totalmente concentrada.
Quando a porta abre e ele aparece, eu sinto vontade de chorar e de sorrir, tudo ao mesmo tempo. É intenso. Mas não faço nada disso. Tudo o que eu consigo fazer é correr, romper o espaço que ainda existe entre a gente, e abraçá-lo. Não posso soltá-lo. Não consigo soltá-lo. Pois tenho medo, tenho muito medo, de que ele suma de novo.
– Você voltou! – eu digo, e estou realmente chorando e sorrindo ao mesmo tempo. Mas não posso largá-lo, não posso. Só o que eu consigo fazer é apertá-lo um pouco mais, com uma força que nenhuma pessoa normal seria capaz de tolerar. Só ele.
Ele me abraça também, com a mesma força. Acho que se sente feliz também por me ver.
– Voltei, Marília. – ele acaba dizendo, e parece tão emocionado quanto eu. – E foi por você.
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