Capítulo 20
Era domingo, meu aniversário, e quase meio-dia. O problema é que até aquele momento nem meus pais, nem o Logan, tinham dados as caras. Nem ao menos telefonado. E aquilo era bastante perturbador.
Eu ainda não esperava muito do Logan, apesar das promessas que ele tinha me feito, mas sabia que os meus pais nunca se esqueceriam de mim. E era muito estranho, muito estranho mesmo, que eles ainda não tivessem dado sinal de vida.
Por esse motivo, por ter a certeza de que o normal seria meus pais estarem na nossa casa cedo, ainda antes de eu acordar, é que eu não fiquei simplesmente esperando. Tipo, eu podia esperar que eles me ligassem antes, pelo fato de ser o meu aniversário, mas não foi o que eu fiz. Aliás, pelo contrário. Desde que eu acordei, pelas nove da manhã, eu estou tentando falar com eles. Só que... sem sucesso.
Nem meus pais, nem o Logan, atenderam as minhas ligações. A única pessoa com quem eu falei, que me telefonou, foi o Daniel. Que eu dispensei logo, porque estou preocupada. Não posso me dar ao luxo de ocupar as linhas telefônicas, nem a do meu celular e nem a de casa, quando a qualquer instante algum deles pode tentar entrar em contato comigo.
Ainda não sei o que aconteceu, mas o meu sexto sentido está me alertando, desde que eu acordei e não havia ninguém em casa, que houve algo. Pode até não ser algo grave, mas ainda não estou certa. Só sei que eu estou com medo, com muito medo, de não ver mais os meus pais.
Não ligo para o meu aniversário, ou para o fato deles terem se esquecido dessa data, o que faria de mim uma idiota. O que eu ligo é para o fato deles não estarem aqui, quando eu tenho certeza de que estariam, se pudessem. E se eles não podem temo pelo motivo.
E é por isso que esse aniversário está sendo uma grande porcaria, até agora. Não sei o que eu faço... Se eu espero um pouco mais, ou se vou atrás deles na casa dos pais do Logan. Eu tenho o endereço, não preciso rastreá-los, mas acontece que é longe e eu não tenho um carro. Meus pais levaram o único que a gente tem e, mesmo que ele estivesse aqui, eu não sei dirigir direito.
Fiz umas aulas com o meu pai antes do meu último aniversário, o de 18 anos. E depois, quando eu afinal podia ter feito autoescola e tirado a carteira de motorista, bom... digamos que eu tive outras prioridades.
Sim, estou superforte, não me canso, e poderia ir até lá a pé, mesmo sendo a 300Km daqui. O problema é que eu demoraria para chegar, bem mais tempo do que indo de carro, e eu tenho medo que eu me desencontre dos meus pais, caso eles consigam vir. Ou do Logan.
Mas algo me diz que eles estão juntos nessa. Todos os cinco, incluindo os pais do meu novo amigo. E talvez até meu cachorro. E que eu, mais uma vez, fiquei para trás. E eu não gosto dessa sensação.
Esse, com certeza, é o pior aniversário da minha vida. Tenho vontade de chorar, de socar alguém ou fazer essa pessoa voar. Ou de voar eu mesma como a Supergirl, o que parece um bom jeito de aliviar o stress. Mas não faço nada disso. Primeiro, porque não sei voar. Depois, porque não me sinto com ânimo para nada exceto esperar.
Fico com um olho na porta de casa e com o outro no aparelho telefônico. Só que nada acontece. Pelo menos, até o meio-dia, quando percebo alguém chegando na minha casa antes que essa pessoa aperte a campainha.
Mas, só pelo cheiro, eu estou sem meu colar, eu sei quem é o visitante. É o Daniel.
Pelo menos ele está comigo agora. Pelo menos eu ainda não estou totalmente sozinha.
Por isso, apesar de tudo, consigo me sentir um pouco mais feliz. Eu ainda tenho o Daniel. Sei que ele está aqui por mim, mesmo que eu o tenha dispensado pelo telefone.
E consigo perceber também o cheiro do que ele tem em mãos. É um bolo do chocolate com avelã da confeitaria da minha mãe, um doce pelo qual eu sou tarada. Mesmo trabalhando com doces, não consigo enjoar de chocolate.
Com esses dois aromas, de Daniel e de chocolate, que eu consigo sentir através da porta ainda fechada, eu já me sinto muito mais feliz.
Quando eu abro a porta para o meu amigo, sou até capaz de sorrir. Porque vejo que ele me trouxe presentes. Além da torta, vejo dois pacotes em seus braços. E isso me alegra também.
– Feliz aniversário! – ele diz, todo feliz por me ver, me dando um enorme abraço, mesmo depois do gelo que eu tenho dado nele.
Evito que a gente se veja há dias, por motivos puramente egoístas.
Ou, na verdade, por motivos de... medo. O que eu percebo agora que não tinha fundamento quando ele encerra o abraço e passa por mim, entrando na minha casa.
Porque... eu estou sem o meu colar...
Sim, estou feliz por vê-lo, como uma normal pessoa estaria ao rever um amigo de quem ela gosta muito, e de quem ela sentia saudades.
Só que... essa é a questão. É como uma pessoa normal! Sem nenhum vestígio dos meus instintos acasaladores. Mesmo o Dani sendo gostoso, o que ele continua sendo.
Quero dizer, eu ainda acho o meu amigo o maior gato. Mas, como uma pessoa normal faria, eu não tenho vontade de lambê-lo. Nem de beijá-lo mais, para falar a verdade.
Não que eu esperasse algo diferente. Porque eu soube, na noite de sexta quando o Logan me beijou e foi perfeito, que eu estava apaixonada. E que ele era o meu cara.
Só que o meu cara, aparentemente, agora tinha sumido junto com os meus pais.
Tenho um monte de porcaria dentro de mim, nos meus pensamentos. Mas não quero contar para o Daniel ainda, para não preocupá-lo. Não quando ele parece tão feliz.
Antes, quero que ele me alegre um pouco, eu preciso disso. Quero que ele mostre o que comprou para mim, já que ele sempre teve o dom de acertar. Quero que ele me dê alguns minutinhos de felicidade, no pior aniversário que eu já tive nos meus 19 anos.
Depois eu preciso convencê-lo a ir comigo até a casa dos pais do Logan. Não por ele ter um carro, que está estacionado na frente da minha casa, o que tornaria tudo mais fácil. Mas por eu não me sentir capaz de fazer isso sozinha.
❀❀❀
Eu não tinha percebido, antes do Daniel chegar, o quanto eu precisava dele na minha vida também. Tanto quanto eu precisava dos meus pais e do Logan, só que para ocuparem lugares diferentes.
E ele me deu os presentes, e eu já adorei o primeiro. Ele mandou fazer uma camiseta para mim, no estilo baby look, da cor preta, estampada na frente com a gatinha do desenho Bolt. E ela era fofa.
– Você disse que tem instintos de um felino, Lila – ele explicou, sorrindo para mim.
Nem contei ainda que meus pais sumiram, para preservar meu breve instante de felicidade.
– É, eu disse. – recebi a camiseta, e já a vesti por cima da que eu estava usando.
Eu, para variar, estava toda de preto. Usava uma calça que mesclava jeans com elastano, e uma blusa justa da mesma cor. Coloquei a nova, a de algodão com a gatinha fofa, por cima.
– Mas eu não acho que você pareça uma pantera – ele explicou – Para mim, mesmo forte, mesmo fazendo caras voarem, você ainda parece uma gatinha.
– Falando em voar... Você já viu Supergirl? – eu perguntei. Precisava admitir que eu sentia ciúmes dela. Pelo menos, da obsessão que o Logan tinha por ela. – Ela voa.
– Não vi. Só conheço o Super-homem. Por quê? Já descobriu o que vai acontecer daqui a dois anos, quando você fizer 21? Você vai voar ou algo assim?
– Não. – Dessa vez, essa fixação do Daniel por objetos voadores, não me irritou. Ele, na verdade, me fez rir. E rir era bom. – Ainda não descobri. Mas acho que, a essa altura, eu já saberia se esse fosse o caso. Acho que tem mais a ver com outra coisa. – eu pensei, e então parei de rir.
Não sei bem o que o meu aniversário de 21 anos incluía. Mas algo me dizia que o Logan tinha muita relação com o meu futuro. Só que... ele sumiu.
– Com o que?
– Lembra daquele cara que veio com os pais? Que você pensou que fosse o meu namorado? Acho que tem a ver com ele.
Nós estamos na sala da minha casa, sozinhos. O Daniel ainda possuía um pacote fechado para mim, que eu estava curiosa para saber seu conteúdo. Porque eu precisava de coisas boas nesse dia. Mesmo assim, já estava na hora de contar para ele sobre o Logan.
O Daniel, apesar desse nosso último ano estranho, quando inclusive ultrapassamos a barreira de amigos, sempre foi muito próximo a mim. E mesmo que não tenhamos nos visto tanto ultimamente, acho que ele ainda é o cara certo para eu desabafar.
Pelo menos, das pessoas restantes, das que não sumiram, ele era o único que sabia sobre mim. E eu precisava conversar, quase desesperadamente, com alguém agora.
– Ele é o teu namorado? – o Dani perguntou. Ele não parecia chateado. Parecia, na verdade, surpreso.
– Não. – eu disse, com um pouco de pesar. Porque eu gostaria que o Logan fosse meu namorado. – Mas ele é igual a mim, e nós temos passado bastante tempo juntos. E acho que, de alguma forma, ele está incluído no meu futuro.
– Como?
– Eu não sei! Ele prometeu que me contaria tudo hoje, tudo o que ele e os meus pais têm escondido de mim.
– É? E onde esse cara está agora? – O Daniel perguntou, olhando para os lados. Acho que só agora ele percebeu o quanto a casa estava silenciosa. Não havia mais nenhum som, além do das nossas próprias vozes.
– Eu não sei. Provavelmente, junto com os meus pais.
– Teus pais não estão em casa? – o Daniel estranhou.
– Não. Eu te disse, quando você me ligou, que eu precisava desligar, porque estava esperando por notícias deles.
– E eles te ligaram?
– Não. – afirmei, mexendo as minhas mãos de forma nervosa.
Pronto, foi só falar disso, que o meu instante de felicidade, breve, muito breve, tinha acabado.
– Isso é esquisito, Lila. Teus pais nunca se esqueceriam do teu aniversário.
– Eu sei.
– O que você acha que aconteceu?
– Não sei. Mas eu acho que eles foram embora, Dani... Eu não queria achar isso, mas eu acho.
– Para onde?
– Minha mãe me contou, antes deles irem para a casa dos pais do Logan, que a mãe dela podia estar viva. E eu nem fazia ideia! E que a minha mãe tinha três irmãos, em algum lugar perdido. Eles estavam já há um mês lá, tentando consertar algo. Algo que talvez pudesse estabelecer uma comunicação com a nossa família. Família que eu nem fazia ideia que eu tinha.
– Uau! Isso é muito doido, Lila!
– Eu sei.
– Você acha que eles podem ser tipo de um universo paralelo? Ou de outro planeta? Que você pode ser uma espécie de Alien como o super-homem?
– Ai, credo, Daniel! Eu sempre imagino ETs feios, ou com tentáculos. E eu pareço tão... normal!
– Nem tão normal... Mas, pelo menos na aparência, você é gata.
– É. – eu fiz um careta.
Se eu fosse gata como ele dizia, ele deveria ter me notado antes dos meus 18 anos. Só que ele não tinha. Porque antes eu não era gata, era sem graça. Mas eu tinha saudades desse tempo, de ser sem graça, por incrível que pareça.
– E você gosta desse cara? – ele acabou perguntando.
– Do Logan? – falei, para ganhar tempo. E quanto o meu amigo confirmou com a cabeça, decidi responder – Gosto.
– Gosta como amigo?
– Também. Mas não só como amigo.
– Ah... – e ele pareceu... decepcionado. O que era bem irônico. Já estive do outro lado antes, na posição dele, e não era uma coisa legal. – Você está apaixonada por ele?
Sei que o Daniel não gostaria da verdade, mas ele merecia saber. E depois, acho que o meu amigo nem gostava de mim como ele acreditava. Para mim, ele só tinha ficado deslumbrado com a minha transformação e por ter sido sexualmente atacado. E logo seu sentimento passaria.
– Não que isso importe agora, mas estou sim.
– E por que não importa?
– Porque eu acho que ele sumiu, com os meus pais. Eles estavam todos juntos. E eu não sei para onde eles foram, nem se eles irão voltar um dia.
– Você acha mesmo que eles sumiram? E não tem como ter certeza?
– Eu poderia ir à casa dos pais do Logan tentar descobrir alguma coisa. Mas, para isso, seria bom ter um carro, é meio longe.
– Eu tenho um carro. Posso te levar, Lila.
– É longe, e pode levar o dia todo.
– Lila, você é importante para mim, e isso é importante para você. E se você precisa de mim eu estarei nessa. E depois, eu sempre gostei dos teus pais. Se algo aconteceu com eles, eu também gostaria de saber.
Ele estava me olhando fixamente agora, e eu olhando do mesmo jeito para ele. Não como eu olharia para um objeto de admiração romântica, mas como se olha para alguém que a gente gosta e confia. Como se olha para um bom amigo.
– Tá. Eu preciso de você, Daniel. Porque, se eles se foram mesmo, se eles se uniram ao resto da minha família, você foi a única pessoa que me restou.
– E eu não vou a parte alguma.
Quando ele disse isso, eu senti os meus olhos se encherem de lágrimas. De alívio. E, por isso, eu comecei a chorar, e ele me abraçou.
– Você quer pegar a estrada agora? – ele perguntou, quando eu me acalmei.
– Não – apesar de tudo, eu sorri – Antes de ir, gostaria de ver o que há nesse outro pacote. É para mim?
– Claro que é. E para quem mais seria?
Então ele me estendeu o meu segundo presente, que pelo formato eu já antecipei o que era: um disco de vinil. Algo que eu sempre gostei, desde criança, uma pena que quase não fabricavam mais. E encontrar um em bom estado era uma missão quase impossível. Pelo menos, encontrar um do qual eu gostasse. Se bem que eu era bastante eclética, gostava de vários estilos musicais.
Eu era movida a música, tanto para lutar, quanto para trabalhar em meus doces, só que ainda não tinha me rendido ao Youtube, como todo mundo fazia. E eu gostava do meu tocador de CD, quase tanto quanto eu amava a minha vitrola.
– Eu pensei que você gostaria desse.
Era um disco de vinil no Iron Maiden, com as minhas músicas preferidas: "Fear of the dark" e "Wasting Love". Mas também havia um CD no mesmo pacote. O que me surpreendeu.
– Você me disse que agora tinha uma ótima audição e ouvia as músicas da tua vizinha de 13 anos, e que estava gostando. Então, achei que você iria gostar de ter o teu próprio CD. E entre as opções Taylor Swift, One Direction e Five seconds of Summer, eu gostei mais do último.
– Obrigada, Daniel! Eu adorei! Mas eu iria gostar de qualquer um deles.
– Eu sei. – ele sorriu. – Porque você tem gostos estranhos.
Eu ri. Era verdade, eu era bastante eclética no sentido musical. Só eu para gostar tanto de um vinil do Iron quanto de um CD da Taylor.
– A gente pode ir ouvindo o CD no teu carro? – eu me animei, apesar de tudo. Ainda mais ao ver que a minha música preferida estava entre as faixas listadas atrás: "She looks so perfect".
– Mas é claro que sim. Hoje é a aniversariante quem manda.
– É? – achei graça – E eu posso ir comendo o bolo que você trouxe também?
– Como você sabe que... – ele iria me perguntar algo sobre eu ter adivinhado o conteúdo da caixa ainda fechada, já que ela estava dentro de um saco plástico todo branco. – Ah, às vezes me esqueço que você é tipo uma super-heroína, com superpoderes. Que você não é mais a Lila, e sim a super Lila.
– Eu continuo sendo a Lila. – achei graça – E eu não tenho superpoderes. Mas tenho um excelente olfato e uma excelente audição.
– E uma superforça. – ele adicionou.– Capaz de fazer os caras voarem.
– É. – eu sorri para ele.
– E você não anda mais tão mal-humorada – ele concluiu, sorrindo também.
– Não. Porque estou aprendendo a me controlar. Foi um ano todo focando nisso. Então hoje eu já me sinto melhor.
– Ah, entendi. Mas quanto a comer dentro do carro... – ele começou a falar e não parecia muito satisfeito com a minha sugestão.
– Eu prometo que não deixo cair nenhum farelo. Porque, além de um superolfato, também tenho uma supercoordenação motora agora. E, depois, eu ainda não almocei.
– Se a tua mãe estivesse aqui, ela iria ficar brava com o fato de você estar trocando uma refeição por um bolo.
Parei de sorrir, e o Daniel também. Ele logo percebeu que tinha falado besteira. Mas acho que foi involuntário.
– Se ela estivesse aqui, eu não precisava estar indo atrás dela. E ela teria feito algum congelado para mim de almoço. Ou pedido um tele-entrega, como fazia nas ocasiões especiais.
– E ela tentaria te fazer comer alface. – ele brincou, para amenizar o clima.
– Não, – voltei a sorrir, só que agora de forma mais contida – porque no meu aniversário ela sempre foi mais liberal.
– Ela sempre foi uma ótima, mãe, Lila. Aliás, teus dois pais sempre foram. E nós encontrá-los. Eu prometo.
Há algum tempo eu tinha deixado de acreditar em promessas vazias, até nas bem-intencionadas. Mesmo assim, eu me resignei e respondi:
– Eu espero que sim.
E a gente saiu para ir atrás deles. Dos meus pais, e do Logan. Era uma longa viagem, e grande parte dela foi feita em silêncio. Porque quanto mais perto a gente ficava, mais eu me sentia nervosa. E acho que o Dani também.
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