Capítulo 17
Era sexta-feira, no domingo seria meu aniversário de dezenove anos, e muita coisa tinha acontecido nesses últimos doze meses. Minha vida tinha mudado quase que totalmente. Quase que... porque né... Algumas coisas não mudaram. Como o fato de eu ainda ser virgem.
Só que eu tinha passado esse ano focando no meu autocontrole e deixado outras coisas, como a minha vida amorosa, de lado. Não que eu tivesse uma vida amorosa antes para deixar de lado.
Vida amorosa que agora era tão inexistente como antes dos meus dezoito anos. Considerando que eu não via mais o Dani, o último cara que eu tinha beijado, e que talvez até pudesse ter continuado a beijar, se eu quisesse. Não que eu esteja ficando convencida ou me gabando, é só uma constatação, eu acho. E considerando que o Logan, o cara com quem eu passava bastante tempo junto agora, sempre se esquivava dos meus beijos.
Então, pensando bem, minha vida não tinha mudado tanto assim. Eu continuava tendo amores platônicos, tanto quanto antes. O que eu já devia ter superado, já que eu não tinha mais doze anos e não era mais uma criança. Mas... pensando bem... amores platônicos também podem fazer parte da vida adulta. O que também é um saco.
Resumindo... eu tenho quase dezenove anos, continuo virgem e continuo com vontade de beijar o Logan. Só que eu não tento mais atacá-lo pelo menos. Apesar da vontade de beijá-lo estar presente no meu corpo desde os meus dedinhos dos pés até as pontinhas de cada fio de cabelo. O que não é nada agradável. Só que ao mesmo tempo é. Tipo agora... Eu estou ao lado dele e é agradável estar ao lado dele. Mesmo que ele não queira me beijar. E ele cheira bem, o que aumenta o grau de agradabilidade. Pera... essa palavra existe?
Acho que, no fim das contas, eu não faço muito sentido.
Estamos lado a lado no sofá da casa dele, eu vendo um seriado de super-herói, e ele mexendo em algo no celular. Ele não está tão interessado no Oliver Queen, do Arrow, quanto eu, porque já viu a série toda antes. Mas o que eu estou achando o máximo não é tanto o arqueiro, que de fato é meio velho para mim, e sim o monte de mulher que sabe lutar. Elas são poderosas e eu quero ser como elas. O que, pensando bem, talvez eu já seja. Quero dizer, eu sou forte e saberia bater nos caras e derrubá-los como elas fazem, se eu tentasse.
Cheguei à casa do Logan pelas 19 horas, logo depois de entregar todas as minhas encomendas de bolos e doces e ter ficado livre. Estou cheia de trabalho agora que a minha mãe está longe e como estou super-rápida e boa no que faço tenho pegado mais eventos para fazer, até para me ocupar. Não gosto muito de pensar que estou sozinha naquela casa, ela agora me parece grande demais. E eu ainda não fui atrás de um gato para me fazer companhia...
Aliás, não sei se quero ter um gato. Pelo menos, não um com os olhos amarelos, o que me faria pensar ainda mais no Logan. E não é como se eu precise de mais alguma coisa para me lembrar do cara que está ao meu lado. Não mesmo. Ele tipo... já passa tempo demais dentro dos meus pensamentos.
Meu celular vibra quase ao mesmo tempo do que o do Logan, em alertas duplos de mensagens. Agora que meus pais estão longe, não desgrudo do meu telefone, como eu fazia antes, já que é assim que eu costumo ter notícias deles. E eu sinto saudades.
Não sou mesmo uma jovem normal, uma que adoraria ter a casa liberada para encher de gente e fazer festas e mais festas. Talvez eu até me sentisse um pouco assim antigamente, quando não estava tudo tão estranho. Mas há algo faltando em mim agora, um pedaço, e eu não me refiro apenas a falta dos meus pais.
Talvez, só talvez, eu esteja sentindo mais pelo Logan do que eu queira admitir.
Quero dizer, ele é gato. É divertido. Tem um senso de humor sarcástico e acho que gosta da minha companhia tanto quanto eu gosto da dele. Porque nós somos iguais, como ele ressaltou desde o início. E eu gosto de tudo nele, até mesmo da forma que ele tem de me irritar.
Talvez, então, grande parte desse vazio se deva ao fato de ele não me beijar. De ele não me agarrar, de ele não me querer do jeito como eu gostaria. Talvez ter que me controlar o tempo todo contribuía, e muito, com essa sensação de vazio.
– É do meu pai – comentei ao ler a mensagem do meu celular – ele disse que vem no domingo.
– Tenho certeza que sim. – o Logan respondeu com um sorriso de canto de boca. Ele sabia que seria meu aniversário e que eu sentia a falta dos dois.
Só que ele ficou sério quando acabou a frase, parecendo preocupado. O que me levou a perguntar:
– Quem te mandou uma mensagem?
– O meu pai. Ele quer que eu vá lá amanhã, ajudar em uma coisa. Só que, para isso, vou ter que sair bem cedo para pegar a estrada.
– Tá. – fiquei um pouco chateada, mas disfarcei bem. Já estava acostumada a disfarçar mesmo. – Então... eu vou embora agora.
– Marília... – ele disse e o tom de voz que ele usou me fez parar o meu movimento, o de me levantar do sofá. Sentei de volta e olhei para ele. – Quando eu voltar, a gente vai conversar. Teus pais querendo ou não. Acho que já está mais do que na hora de você saber de tudo. Que você está pronta.
– Você acha? – nem me dei o trabalho de perguntar pronta para quê, já que aprendi a domar a minha curiosidade. Ela nunca levou a nada antes...
Esses segredos parecem todos guardados a sete chaves, e eu cansei deles. Até mesmo sem saber sobre o que se trata.
– Eu aprendi a te conhecer – ele continuou, ainda com seu tom de voz sério – e acho que você é mais forte do que os teus pais pensam. Que vai lidar bem com a verdade. E sendo sincero, eu nunca conheci ninguém tão controlada como você.
– Isso foi um elogio? – perguntei com leve irritação. Quando se tratava do Logan, nunca tinha certeza.
– Sim. – ele acabou com a seriedade e deu um sorriso meio debochado, o que deixou seu rosto mais atraente. Aliás, o rosto dele era sempre atraente, independente do que ele fizesse com ele. O que era, totalmente, um saco. Isso tornava ainda mais difícil a tarefa de não querer beijá-lo.– Foi um elogio, Marília.
– Aliás, – falei já revirando os olhos – quando você vai começar a me chamar de Lila como todo mundo?
– Nunca. Porque, como eu disse, não sou como todo mundo. Mas posso te chamar de outro nome, se você preferir.
– Que outro nome? – perguntei desconfiada, já que seu sorriso de deboche se acentuou. Suas sobrancelhas grossas se elevaram em uma expressão divertida.
– De princesa. – ele falou. O que eu até acharia fofo, talvez, se não fosse pelo modo como ele gargalhou depois.
Sinceramente? Não sabia o que pensar disso. De novo, o Logan me deixava confusa. Porque, às vezes, parecia que ele me olhava também de um modo diferente do de um simples amigo. Em outras, parecia que ele apenas se divertia às minhas custas. Mas, mesmo nessas vezes, ele ainda me olhava. Eu acho.
Só que ele nunca queria me beijar. Até mesmo agora, quando ele estava sem o colar também, sabia que ele não corresponderia caso eu tentasse. E já que era assim, nem tentava. Por mais que eu estivesse toda formigando por dentro de vontade.
Por isso também que eu não disse nada em um primeiro momento. De princesa? Achei estranho.
– Você não gosta? – ele perguntou ainda com suas sobrancelhas grossas elevadas daquele seu jeito meio cafajeste tradicional. Só que não me deu tempo de responder, porque logo acrescentou – Acho que, quando eu voltar no domingo, algumas coisas vão mudar.
– Que coisas? – eu perguntei deixando meus pensamentos principescos de lado para pensar em QUE TIPO DE COISAS? Algo dentro de mim gritava, não podia evitar.
Porque eu queria muito que algumas coisas mudassem. Queria muito que ele, por exemplo, me beijasse. Ou simplesmente aceitasse o meu beijo.
– Talvez – ele falou e pareceu pensativo. – até o teu jeito de ver a vida.
– Ah. – não pude evitar a minha decepção. Isso não envolvia um beijo, envolvia?
– Porque eu vou te contar a verdade, Marília, mesmo que teus pais sejam contra. E você merece saber a verdade. Esse vai ser o meu presente para você, de aniversário.
E um beijo? Posso ganhar um beijo de aniversário também, não posso? Porque, puxa-vida... é meu aniversário e eu mereço ter o que eu quero pelo menos no meu dia.
Não é?
– Tá. – eu respondi, mas minha decepção aumentou.
Sei... eu deveria estar eufórica com a simples menção de conhecer os segredos. Finalmente! Só que... ele nem me chamou de princesa!
Que idiota que eu sou! Pareço aquelas bobocas apaixonadas! Desde quando beijos são mais importantes do que a revelação de segredos? Desde que os dois são negados, talvez.
– E como são 300km de viagem vou ter que dormir cedo e me preparar. Sabe? – ele parou de falar e pareceu se dar conta de algo que o fez sorrir – Você poderia ir junto.
E o convite me pegou totalmente de surpresa. Por um lado, ele me deixou bem feliz. Por outro, não. Porque eu não queria forçar nada.
– Não posso. – acabei falando – Meus pais não iriam gostar. Sei que eles vão me contar tudo no tempo deles, e eu...– parei de falar. Era difícil explicar o que nem eu mesma entendia.
– Você continua sendo a garota obediente – ele debochou, mas até que foi de um jeito fofo. Ou talvez fosse do mesmo jeito de sempre, só que ele não me irritava mais. Vai entender...
– É. Eu só... Quero que eles me contem quando estiverem prontos. Em todo esse último ano aprendendo a domar os meus instintos, eu aprendi a domar outras coisas também. Como a minha curiosidade. Não faço mais tanta questão de saber. Nem de saber o que me espera aos 21 anos. E isso, logo depois no meu aniversário, meio que me enlouquecia. O não saber. Agora... sei lá. Sei que não faz muito sentido, mas... Não estou mais muito preocupada.
– Você não quer mais saber? – ele ficou sério. Até um pouco, talvez... chateado?
– Quero sim. – o jeito dele me fez sorrir. Mas um sorriso mais leve, por causa da expressão dele – Se vocês quiserem me contar no meu aniversário, eu estou super topando. Mas só se vocês quiserem.
– Eu quero. – a gente continuava sentados no sofá, e a série tinha sido pausada no início do papo. – Isso que a gente tem, Marília, é legal. É legal não me sentir mais sozinho, como eu sempre me senti. É legal ter você por perto. Só que podia ser mais legal, se não existissem esses segredos.
– Isso faz tanta diferença assim para você?
– Faz. Faz sim. Eu quero que você saiba de tudo. Você tem direito a isso. E tem direito ao livre arbítrio também. Só que, para que você faça as suas escolhas, você precisa saber de toda verdade.
– Ok. – eu disse. Ele estava me deixando um pouco nervosa, sério daquele jeito. E depois, o jeito como ele me olhava era tão profundo, que talvez, só talvez... – Hum...
Nem sei mais o que eu ia falar, ou pensar... Porque ele estava perto, e tão cheiroso... E a boca dele tinha se movido todas aquelas vezes para falar, e meus olhos tinham se fixado em cada movimento dela, e então... eu estava sem o colar...
– Você está com aquela cara de novo, Marília. – ele disse ao me observar.
– Que cara? – eu falei em um tom de voz baixo sem deixar de olhar para a boca dele.
– A de que quer me beijar. – ele explicou, e eu senti que ele estava ficando nervoso. Ele podia até resistir, mas ele me queria também... Ou então... era porque ele estava sem o anel.
De qualquer forma, era a minha chance. Talvez ele não me negasse dessa vez.
– Cadê o teu colar? – ele perguntou e se moveu para pegar, ele mesmo, o colar quando eu não disse nada. Acho que o Logan sabia que o colar estava no bolso do meu shorts. E, assim, ele ficou tão perto...
Então eu me agarrei no pescoço dele, colocando os dois braços ao redor de sua cabeça na tentativa de puxá-lo para mim.
Assim eu teria força suficiente para puxar qualquer outro cara, mas não ele. Ele resistia. Ou, talvez, nem tanto...
Ele, dessa vez, se deixou levar... permitiu que o rosto dele chegasse bem perto, tão perto, muito perto... os lábios estavam a milímetros de se unir aos meus... Os olhos negros dele estavam fixos no meu rosto. E então... eu sentia que ele também queria me beijar. Eu sabia que sim.
Só que, ao invés de se permitir, ele fechou os olhos. Para não me ver mais. Para se concentrar. Ele respirou fundo, inspirando e expirando devagar a fim de se acalmar e, quando reabriu os olhos, falou:
– Não. – ao mesmo tempo em que colocava o colar na minha mão e se afastava de mim. – Não assim, Marília. Não desse jeito.
Eu queria perguntar "e de que jeito?". E eu ia fazer isso. Só que ele tirou as palavras da minha boca quando explicou:
– Você vai aprender a resistir a isso. E você só vai beijar alguém usando a sua pedra, ou quando já estiver perfeitamente controlada. Eu prometi, e eu vou cumprir.
– Ok. – eu acabei me limitando a dizer, mesmo querendo dizer várias outras coisas ao invés disso. Porque ele estava tão sério... Que parecia estar sentindo algum tipo de dor.
Então... eu me controlei. Por ele. E decidi esperar até domingo.
Talvez até lá eu me encorajasse a dizer que a vontade de beijá-lo ainda existia de colar também. Não a vontade instintiva, mas uma mais real. E mais assustadora também.
– Venha, eu vou te levar para casa. – ele falou.
Eu poderia dizer que ele não precisava fazer isso, que eu sabia me defender sozinha. Como eu de fato sabia. E como eu tinha dito várias vezes antes, impedindo que ele me acompanhasse.
Só que, nessa noite, eu queria que ele me levasse. Eu queria a presença dele por, pelo menos, mais alguns minutos.
– Para garantir que você não se meta em nenhuma encrenca. – ele disse e sorriu, elevando aquelas sobrancelhas grossas. O que não me irritou nem um pouco dessa vez.
– Como se você fosse capaz de impedir algo assim – falei, achando graça.
O que o fez sorrir também. Sim, porque quando eu queria salvar alguém, e o meu fraco era por mulheres em perigo, não havia nada capaz de me demover da ideia. Como aconteceu nessa noite.
Só que, dessa vez, a encrenca que eu me meti foi maior. Ainda bem que o Logan estava comigo.
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