Capítulo 14
Eu tinha bastante trabalho na quarta-feira, pelo menos a quantidade de doces e bolos que eu tinha para confeitar era imensa. O tema da festa dessa vez era infantil, era para o aniversário de uma menina de 4 anos, da Branca de neve. Eu fiz cupcakes decorados com os anãozinhos, entre outras coisas, que foram os meus preferidos, e finalmente aprendi o nome dos sete anões. Sempre achei difícil decorar o nome de todos.
Em cima do bolo, havia a Branca de neve, sozinha. Achei melhor deixá-la no topo com uma expressão feliz, mas sem um príncipe. Afinal, uma menina de 4 anos não precisa ficar condicionada a pensar que sua felicidade depende de ter um homem perfeito ao seu lado. Até porque homens perfeitos não existem. E, mesmo se existissem, encontrar um seria quase tão difícil quanto ganhar na loteria. E eu, sinceramente, ainda preferia ganhar na loteria.
O bolo era de três camadas. Na segunda, logo abaixo da princesa, coloquei os anões de biscuits. Lá embaixo, o príncipe. Ele teria que se esforçar um pouco mais, caso quisesse conquistá-la. E não deveria ser sempre assim?
E como eu estava sem o meu colar, super concentrada, logo depois do almoço já tinha feito tudo. Numa velocidade anormalmente rápida. Só que daí eu não tinha mais nada para fazer, o que era o saco.
Além disso, o silêncio da casa reforçava ainda mais a sensação de solidão. Nem mesmo existiam os latidos do meu cachorro, que às vezes me irritavam, mas dos quais agora eu sentia falta. Devia ter protestado mais quando a minha mãe disse que dessa vez o levaria junto. Porque agora... eu não tinha nada para fazer. E não tinha ninguém, nem meu cachorro.
Bom, podia fazer algo à noite com o Daniel, quando ele saísse da faculdade. A gente andava se falando bastante pelo telefone, mas não nos vendo. Só que, se eu fosse pensar bem, aquilo também não me deixava muito animada.
Fui então até a garagem, no lugar que meus pais improvisaram para o meu treino. Podia passar algum tempo ali. Por isso, subi as escadas até o meu quarto e coloquei um par de tênis. Era um dia quente, e eu estava com um shorts branco curto e com uma camiseta preta que deixava uma parte da minha barriga de fora. Roupas do tipo confortáveis que a gente usa em casa, mas que eu resolvi manter na hora de chutar e de socar meu saco de boxe. Achei que era uma boa forma de extravasar.
Só que vinte minutos depois, eu também treinei escaladas nas pedras que a minha mãe mandou fixar nas paredes para mim, eu continuava me sentindo com tédio. Porque, se eu fosse admitir, eu estava bastante frustrada pela ausência do Logan na noite anterior.
Ele nem ao menos se dignou a me telefonar. Não que o meu celular estivesse ligado dessa vez, mas ele tinha, pelo que eu saiba, o número do telefone fixo da minha casa. Não tinha?
Mas ele não me deu nenhuma explicação por ter me dado o bolo. Não que eu estivesse com vontade de vê-lo. Eu só queria sair com ele. Podia ser até para pular, de novo, de um prédio em chamas. Coisa que eu – ainda – não era capaz de fazer sozinha.
E foi por esse motivo que eu, sem o colar e agora de tênis, depois de socar pela última vez o saco de boxe, resolvi tentar rastreá-lo. Então eu me concentrei no cheiro dele, que eu senti na vez em que não pude escapar do seu abraço, e eu tinha que admitir que era um cheiro bom.
E assim, bem fácil, guiada por instinto, meu nariz me levou até a casa dele. Tal como uma pantera caçando faria, provavelmente. Se bem que eu, com os meus cabelos loiros repicados na altura do ombro – corte igual ao que eu fiz quando me transformei e que ainda mantinha aparando eu mesma as pontas com uma tesoura –, e com os meus olhos claros, eu tinha a aparência frágil e delicada. Até porque eu era magra e não muito alta. Então, eu estava mais para uma gatinha do que para uma pantera. Mas, como dizem por aí: as aparências enganam.
Cheguei ao prédio do Logan após trinta minutos de caminhada. Como era cedo, em plena luz do dia, eu tinha que andar em uma velocidade normal. E era bem difícil de fazer isso quando se estava caçando. Só que, controlar a velocidade dos passos era mais um exercício de autocontrole. E eu precisava aprender a fazer isso também.
Além disso, caminhar era bom e eu não tinha mesmo pressa. Não tinha nada para fazer em casa quando eu voltasse, e nem ninguém a minha espera.
Logo cheguei ao meu destino, e parei em frente para analisar, para bolar um plano de ação. O Logan morava num prédio com mais três iguais ao lado, todos cercados pela mesma grade preta. Grade que para mim foi muito fácil de pular. O mais difícil foi encontrar um lugar para fazer isso onde ninguém pudesse me ver. E fiquei bastante aliviada quando percebi que o prédio dele, dos quarto, era o que dava de frente para um paredão. Sendo, por isso, bem menos movimentado. O que era ótimo.
Eu podia sentir o cheiro dele forte agora, mas não de uma forma desagradável. Aliás, bem pelo contrário. Olhei para cima e eu, justo eu que costumava ser péssima em matemática, pude contar que ele morava no sétimo andar, em um rápido cálculo mental. Era alto, mas não era uma grande dificuldade para mim. Afinal, eu já tinha escalado antes um prédio em chamas.
O mais difícil era não ser vista, com tantas pessoas morando naquele lugar. Mesmo assim, apesar dos inúmeros apartamentos, não havia muita gente. Eram dezesseis horas, no meio tarde, e acredito que muitos estivessem no trabalho, na escola ou quem sabe até passando um tempo em qualquer lugar que não fosse em casa. Afinal, estava mesmo um dia muito bonito e as pessoas normais deviam arranjar coisas melhores para fazer do que ficar em casa, ou do que tentar escalar um prédio para ver um cara que a gente nem gosta muito.
Enfim, o Logan me devia aventuras. Ou, ao menos, explicações. Por isso, de novo irritada, eu comecei a subir. Acabei indo rápido para reduzir as chances de ser vista. Só parei abaixo de uma janela do quarto andar quando percebi uma movimentação. Havia alguém naquele apartamento. Mas alguém que não me viu quando eu fiquei imóvel abaixo da sua janela, apenas me segurando nos vãos de tijolos e com um dos pés fixos em uma veneziana aberta do terceiro andar.
Depois que essa pessoa entrou, sem o colar eu conseguia definir claramente os sons de alguém entrando ou ficando parado junto à janela, eu retomei a subida. Logo, estava em frente à janela do Logan. Só que bem na hora que eu ia olhar para dentro para calcular meu pulo, duas coisas me distraíram ao mesmo tempo. Primeiro, a luz do sol refletiu direito dentro do meu olho, me impedindo de enxergar direito. Depois, ao sentir a proximidade do Logan, com o cheiro dele mais forte agora, surgiu aquele desejo incontrolável de me jogar sobre ele. E não para brigar dessa vez.
Por isso, eu simplesmente pulei. Sem olhar. O que foi um erro imenso.
A janela do Logan estava fechada e eu me joguei sobre o vidro mesmo. Espalhando cacos transparentes por todos os lados... No chão. E em cima de mim também. Além disso, eu ainda caí ajoelhada sobre vários deles. E isso... doeu.
E eu estava de shorts! E de blusa curta! E, isso incluía, grande quantidade de pele nua e... vulnerável!
– Marília! – o Logan, que estava sentando em uma mesa concentrado em algo no computador, logo me viu e correu ao meu encontro. E ele não parecia nada feliz. – O que você pensa que está fazendo?!
Eu estava estatelada no chão, com partes do meu corpo sangrando, principalmente as pernas, com cacos enfiados em mim e ele... não estava olhando para mim agora, e sim... para a janela!
– Você tem ideia de quanto vai custar para consertar isso?! – ele continuou esbravejando. – Cara, eu mal tô com grana para comer! E agora...! No que você estava pensando!? Não podia usar a campainha como uma pessoa normal?!
Eu apertei os meus lábios, estava me sentindo bastante desconfortável. E o fato dele estar me xingando, e não me oferecendo ajuda ou pelo menos preocupado com os meus machucados, aumentava esse desconforto. E ele me deixava com raiva também.
Bem que eu tinha razão sobre a minha primeira impressão dele. Ele realmente não era um cara legal.
Subi meu rosto para olhar para o Logan, ele estava parado na minha frente, e um dos seus pés descalços quase tocava um dos meus joelhos. É, como eu disse antes, estava calor, então grande parte da pele dele estava quase tão nua como a minha.
Se eu não estivesse com dor e com raiva, estaria prestando atenção agora no quanto ele ficava gostoso sem camisa. Bom, ainda assim, não era algo que eu pudesse ignorar totalmente.
Só que ele continuava esbravejando, parecendo tão irritado comigo que provavelmente sentia vontade de me jogar de volta pela janela por onde eu entrei. Não que ele tenha demonstrado algum lado violento. Mas, tipo, se eu fosse ele, acho que também estaria com vontade de me jogar.
–... e eu detesto mosquitos! – ele continuava, quase berrando – E agora, com esse buraco, como eu vou dormir à noite?! Porque, caso você não tenha percebido, isso aqui é um cubículo! Peça única! E eu durmo aqui mesmo! E eu realmente detesto mosquitos!
– Não acho que ele voem alto assim – eu acabei dizendo, tentando mascarar a dor, enquanto puxava com os dedos alguns cacos de vidro de dentro da minha pele. O idiota sem consideração! Estou sangrando aqui no chão do apartamento dele, e ele preocupado com a janela! – E eu duvido muito que eles consigam voar até aqui.
– Sim, eles conseguem! Você ficaria surpresa com as coisas que conseguem chegar até aqui, guiadas pelo meu cheiro. – ele me encarou, meio sarcástico.
– Não é que você seja irresistível – eu rebati – Pelo menos, não para mim.
– Ah, é? Então por que você não consegue ficar longe de mim? – ele ainda estava irritado – Por que você está aqui?
– Porque você ficou de ir lá em casa ontem à noite... – eu segurei um "ai" na ponta da minha língua. Tirava mais um caco de vidro de mim, e esse era um pouco maior e estava cravado mais fundo. – E não apareceu.
– Eu nunca disse que ia.
– Você disse, sim.
– Não disse. – ele cruzou os braços e me encarou. Ficou me observando tentando tratar dos meus ferimentos, sozinha. Sem sequer oferecer ajuda!
– É, mas também não disse que não ia. – respirei e inspirei, para controlar a dor. Aquele caco mais fundo, da minha perna, estava bastante doloroso para retirar. Resolvi deixá-lo para depois, passando então a inspecionar os braços.
– É. Eu não disse. E eu pretendia ir, Marília, mas estou bastante atolado aqui, para terminar o meu trabalho final da faculdade. Preciso entregar para o meu orientador até sexta. Sei que você deve estar pensando que eu não deveria me preocupar com isso, que eu nem precisaria estar fazendo faculdade, mas eu, quando decido fazer uma coisa, quero fazer bem feita.
– Podia ter me ligado. – eu retruquei. Um braço já estava sem cacos, eu podia sentir a textura lisa da minha pele. Só precisava, talvez, de uma toalha e de água para deixá-lo mais apresentável.
– Você nunca me deu seu telefone.
– É? Mas você não me parece o tipo de cara que deixaria que isso fosse um empecilho.
– E eu pareço que o tipo de cara?
– O tipo que não pede nada. Que quando quer, simplesmente consegue.
– Não. Você está errada. Eu não consigo tudo que eu quero. Aliás... – ele me encarou, erguendo uma de suas sobrancelhas grossas. – Quer ajuda?
E ele, depois de vários minutos parecendo nada preocupado comigo, finalmente me estendeu o braço para que eu levantasse. Gesto que eu teria recusado se o chão, com seus cacos ao redor de mim, não estivesse mesmo tão desconfortável.
Só que ele ao invés de me deixar em pé, e me fazer caminhar como uma pessoa normal faria, me surpreendeu ao me pegar no colo e, dessa forma, me levar até o sofá. E eu fiquei tão sem reação pelo choque, realmente não esperava por isso, que deixei que ele o fizesse.
E depois, como se ele lesse meus pensamentos anteriores, buscou água e uma toalha limpa para mim.
– Está doendo? – ele perguntou, puxando as minhas duas pernas para o colo dele, já que ele sentou no sofá do meu lado, começando a passar a toalha para tirar o sangue. Limpando inclusive em cima dos cacos de vidros que ainda cravados em mim, o que aumentava o meu desconforto.
– Como se você estivesse mesmo preocupado. – eu disse, de mau humor.
– O que isso quer dizer? – ele me observou, parecendo intrigado.
– Isso quer dizer que você ignorou uma mulher sangrando para se preocupar com a janela.
– Porque eu sei que você, Marília, – ele disse, se movendo para pegar o anel que estava no bolso traseiro da sua bermuda para colocá-lo no dedo – é como eu, e se cura rápido. Olha para os cortes onde você já tirou os cacos, eles já fecharam. Você se conserta, já a minha janela não.
– Mas isso não impede que doa. – eu falei, choramingando um pouco, apesar de não querer. Ele começou agora a tirar comigo os pedaços de vidros restantes.
– Eu sei. – ele disse, concentrado em me ajudar agora.
– E me desculpa pela janela, eu faço questão de pagar.
– Não precisa. – falou sem olhar para mim, cuidando dos meus ferimentos.
– Precisa, sim. Porque eu, ao contrário de você, resolvi trabalhar e não estudar. E eu não gasto com muita coisa, então tenho dinheiro. E eu faço questão. Afinal, quem quebrou o vidro fui eu, então nada mais justo.
Ele parou o que fazia e me encarou, em dúvidas. Eu podia ver o conflito dele. O de não querer e ao mesmo tempo querer aceitar.
– Está bem. Mas só porque eu realmente odeio mosquitos. Ainda bem que são poucos os que conseguem subir aqui. Só os mais persistentes são capazes – ele ironizou, claramente me chamando de mosquito.
Tudo bem, eu meio que merecia por ter sido tão idiota a ponto de não enxergar o vidro.
– Marília – ele começou a dizer, antes da gente retirar o último caco de vidro. O maior, que eu tinha deixado para o final. – Esse é o último.
– Ainda bem! – eu falei com alívio. Mas a mão dele, sei lá porquê, me impedia de retirá-lo. Pelo visto, ele ainda tinha algo a dizer.
– Depois desse, tua pele vai se curar, a dor vai passar e você vai se sentir confortável. – ele falou e ficou me olhado.
– Ah. – eu respondi, porque é claro que caiu a ficha.
– Acho melhor você colocar o teu colar antes. – ele sugeriu.
– Como você fez com o seu anel.
– É.
Eu olhei para ele, pensando. E acabei respondendo:
– Não.
– Não o quê?
– Eu não quero colocar o colar.
Ele franziu a testa, ainda me encarando. Parecia intrigado.
– Por quê?
– Porque eu quero aprender a me controlar. E eu quero que você me ajude – era difícil elaborar pensamentos coerentes com um pedaço de vidro fincado na perna. Mas eu precisava falar sobre isso antes que fosse tarde – Estou cansada de me sentir presa, de me sentir irritada e mal-humorada o tempo todo. Tudo porque não posso ficar sem o colar, já que tenho medo de sair atacando homens na rua.
– Tá. Eu ajudo. Mas não sei se é possível aprender algo assim.
– Por quê? Você aprendeu a se controlar.
– Sim, mas eu aprendi fazendo. E, antes de te conhecer, nunca pensei que fosse possível ser de outro jeito.
– Com aprendi a controlar fazendo... – eu falei, não conseguindo evitar uma careta. Aquilo era um pensamento quase tão desagradável quanto o fato de lembrar que havia algo doloroso na minha perna – você quer dizer que saiu meio que... pegando todas?
– É. – apesar disso, e da minha expressão chocada, ele não negou. Para ele, aquilo parecia normal.
Claro que um cara que ficava tão bem sem camisa como ele ficava não devia ter tido a menor dificuldade de sair.. pegando todas.
– Mas eu nunca precisei forçar ninguém. Nós, caso você ainda não tenha percebido, somos bom em seduzir, quase irresistíveis. Mas quando passou a novidade, quando eu aprendi a conhecer esse lado meu – ele começou a explicar, sem estar envergonhado. Mas ele devia estar envergonhado, não devia? Quero dizer, eu meio que estava por ele – eu aprendi a me controlar. Agora não sinto isso por... quase nunca.
Ele acabou falando. E a minha impressão é que ele mudou a última frase, que não era bem aquilo que ele queria dizer.
– Por isso que você consegue ficar o anel em público.
– É.
– Mas você o colocou agora, comigo.
– Sim. Porque eu sei que quando você se sentir confortável, vai ser difícil ignorar tuas investidas. Se você for como eu era.
– Ah. – de novo, ele me deixou sem palavras. Mas em seguida acabei concluindo – Mesmo assim, eu quero tentar.
Por que se eu não fizesse isso com ele, seria com quem?
E não me agradava a outra maneira de me controlar, a ideia de sair pegando geral. Quero dizer, não tenho nada contra as mulheres que saem pegando geral. Desde que elas saibam o que estão fazendo, e que não sejam guiadas pela falta de um colar, ou por instintos acasaladores. Palavras que, aliás, eu ainda acho estranha.
– Certo. – ele concordou com um aceno de cabeça, e então acabou retirando sozinho o meu último caco. Depois, limpou a minha perna com a toalha.
Já eu... estava concentrada demais em olhar para ele.
Pouco depois, a dor se foi. E em seguida veio a constatação do quanto ele ficava gostoso sem camisa. Ele era musculoso e parecia todo duro nos lugares certos. E assim, de perto, era ainda mais cheiroso. E, com essa constatação, veio a vontade de lamber aquela visão que a falta de camisa dele oferecia.
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