Capítulo 10
O Logan sabia o que fazer. Já eu sabia o que deveria fazer, mas não como chegar lá. Com como chegar lá eu me refiro ao alto, ao apartamento em chamas. Os bombeiros já estavam posicionados em frente ao prédio, com as mangueiras de água acionadas. Mas o fogo era intenso e com certeza demoraria a se extinguir.
Os apartamentos inferiores já haviam sido evacuados, pelo risco de desabamento, pelo menos até o pessoal encarregado avaliar os danos estruturais. Era a conversa que eu ouvia entre um homem e uma moradora que estava desesperada para buscar um dos seus pertences. Que no caso era o seu computador com o trabalho final da faculdade. Como se isso fosse tão importante a ponto de arriscar uma vida. E como não foi permitido que ela voltasse ao apartamento 401, ela chorava desesperada.
Eram dois apartamentos por andar e o fogo estava, até o momento, limitado à cobertura. E o acesso até lá estava impedido pelas chamas. Ninguém podia entrar, e ninguém podia sair também. Pelo menos ninguém que não soubesse escalar paredes, como o Logan fazia agora e eu o seguia.
Eu não sabia se aquilo era seguro, me enfiar em meio ao fogo, e a adrenalina me impedia de pensar à respeito. Porque havia o cheiro do medo, emanado por duas pessoas que não conseguiram descer a tempo.
Mais tarde eu soube que a cobertura pertencia a uma família de quatro pessoas. E que a mulher havia voltado para buscar o bebê, só que não conseguiu mais voltar e se unir ao marido e ao filho mais velho. Já os dois, acabaram descendo para escapar enquanto podiam, deixando o resto da família para trás. Mesmo sem a menor vontade de fazer isso. O pai obrigou o filho a ir, para pelo menos conseguir salvar alguém.
E a mulher estava presa no quarto mais perto da cozinha onde o fogo havia iniciado.
– Se formos rápidos o suficiente – o Logan explicou, ao deslocar o vidro de uma janela da sala para que a gente entrasse – a gente não vai ser muito afetado pelo fogo. Só pegue a criança, Marília, prenda a respiração e me siga.
– Tá. – foi o que eu acabei dizendo, antes de enfrentarmos as labaredas.
A gente escalou o prédio pela parte de trás, longe da vista das pessoas, e foi incrível. Era mais uma habilidade que eu desconhecia, aparentemente. A gente ia subindo se apoiando em vãos de janelas, e em frestas de tijolos, e era tão fácil! Nunca pensei que algo assim fosse possível. Ele ia na frente, me mostrando sempre onde segurar ou onde apoiar o pé, e eu o seguia. E para subir foi tranquilo, mas para descer nem tanto. Porque a parede que escalamos não estava aquecida pelo fogo, mas na volta não foi assim.
Quando chegamos ao quarto onde estavam a mãe e o bebê, encontramos ela encolhida em um canto, com o bebê em seus braços, ambos já inconscientes. A água dos bombeiros batia na janela e se acumulava em poças no meio do quarto já invadido pelas chamas, mas ela não era o suficiente. Porque a água não alcançava o outro lado, a origem do fogo. E mesmo que os bombeiros tivessem uma escada suficientemente alta para acessar a janela do quarto, havia uma grade de ferro unida a uma rede de proteção para crianças, que não deixaria ninguém entrar ou sair. Ao menos alguém normal, e não alguém com super força como eu e o meu novo amigo.
Então, ao entramos no quarto em meio às chamas, numa velocidade anormal para que o fogo não nos queimasse, e sem respirar pelo máximo de tempo possível para não sermos afetados pela fumaça (o Logan me avisou dessa importância, a de não respirar, já que é muito mais provável morrer intoxicado pela fumaça do que pelo fogo em si), nós corremos direto para a janela antes de nos dirigirmos à mãe e ao bebê. E arrancamos a janela, cada um segurando em um dos cantos, com facilidade apesar de seu peso. E isso foi incrível também.
Sabia que iríamos nos expor e nos revelar ao puxar a janela e descermos pela mesma carregando eu a criança, e ele a mãe. Mas não haveria outro jeito, já que pessoas normais não aguentariam passar pelas chamas e voltar por onde viemos. E naquela hora a adrenalina era intensa. Eu só pensava em salvar aquelas duas pessoas.
Por isso, quando o Logan disse, olhando através do buraco onde antes havia a janela :
– Pule naquela sacada do terceiro andar e de lá direto para o chão. – eu já estava com o bebê desmaiado no meu colo. – Você consegue, Marília.
E foi por isso que eu fui, sem hesitar. Eu pulei. Dois pulos em sequência, até o chão. Deixando as pessoas lá debaixo chocadas, quando eu me uni a elas.
Eu me expus. Mesmo assim, não me escondi, andei na direção das pessoas certas e logo entreguei o bebê para uma equipe médica que já havia sido chamada para um eventual resgate. Sabia que ele ainda respirava, mas tinha sido afetado pela fumaça e precisava de cuidados.
Meus cabelos estavam negros, então eu estava ciente de que ninguém me reconheceria. E, depois, meus óculos escuros ainda estavam cobrindo meus olhos. Não quis mostrar aquela coisa amarela que o Logan colocou em mim. Não queria que as pessoas me achassem bizarra.
Só que ninguém me fez perguntas, pelo menos não no momento, porque estavam todos muito concentrados olhando agora o Logan que dava seus dois pulos do mesmo modo que eu fiz. E aquilo era mesmo...uau! Impressionante!
Até eu, que conseguia fazer igual, fiquei boquiaberta com a cena. Ele pulava com muita elegância, mesmo carregando uma mulher, que não era pequena e que estava acima do peso, nos braços.
Ele logo tinha deixado a mulher desmaiada para ser cuidada também e parou na minha frente. E eu estava surpresa demais ao olhar para ele. Porque saber fazer é uma coisa, ver é outra completamente diferente. E havia os olhos de gatos, já que ao contrário de mim ele tinha tirado os óculos. Que deixavam o Logan bizarro, mas não menos atraente, aumentando o meu choque.
– Vamos, Marília. – ele me estendeu a mão e me tirou do meu torpor. E então me fez correr com ele. – Quando o choque das pessoas passar, elas virão até nós e nos farão perguntas.– ele disse, correndo bem rápido, de mãos dadas comigo.
Corremos até o mesmo beco, onde tínhamos colocado as lentes e eu colorido o cabelo. O Logan tinha deixado a mochila escondida lá.
– Isso foi divertido! – exclamei quando afinal paramos de correr.
– Eu sei. – ele também sorria, mas havia preocupação em seu rosto – Mas a gente se expôs. Muita gente nos viu. Não é seguro. Eles poderiam querer nos examinar como fazem com os ratos de laboratório.
– Será? Você acha que podemos sair no jornal ou algo assim? – perguntei, ainda me sentindo empolgada. A adrenalina era demais. Eu me sentia muito viva.
– O meu receio é que as pessoas costumam temer o que não entendem. E que histórias podem ser distorcidas. – Ele disse já tirando as lentes de contatos, eu fiz o mesmo.
Tirar era bem mais fácil do que colocar. Então guardamos os óculos na mochila também. E ele me entregou uma garrafa de água.
– Para que isso? – estranhei, ao ver a garrafa estendida na minha direção.
– Essa tinta sai bem fácil, basta molhar um pano e passar nos cabelos. Fica mais difícil alguém nos reconhecer se você estiver loira.
– Ah. – peguei a garrafa de água e fiquei pensando...
Já que eu precisava de um pano para molhar e passar nos cabelos... Decidi tirar a minha camiseta comportada e ficar só com a debaixo, a decotada. Molhei a baby look de algodão, esfregando-a nos cabelos que logo voltaram a cor normal.
Enquanto eu fazia isso, o Logan trocava sua camiseta por uma vermelha. Mas eu estava concentrada no que eu fazia para olhar. O que foi uma pena.
– Essa tinta é demais! – exclamei a ver a facilidade que tinha sido mudar meus cabelos de cor – Como eu nunca vi algo assim para vender?
– Porque isso não existe para vender.
–É? Então a gente poderia fazer, vender e ficar rico. – e eu mantinha o sorriso, ainda me sentindo empolgada.
Porque, fala sério! Eu tinha escalado a parede de um prédio, subido em sua cobertura, salvado um bebê das chamas, e pulado de volta ao chão com ele nos braços! Aquilo era demais!
– Vamos, Marília. – o Logan ignorou a minha proposta de fabricação daquele spray estranho e me chamou para ir, já se movendo para a saída do beco com a mochila nas costas.
Ele parecia preocupado ou qualquer outra coisa não muito boa. Não o conhecia bem para definir. Só que... sei lá. Ele não parecia muito feliz.
– Você está com medo da gente ser reconhecidos? Porque as pessoas nos viram? – eu saí atrás dele meio saltitante. Porque era assim que eu me sentia. Feliz a ponto de saltitar. E nada, nem o mau humor inexplicável do Logan, me afetaria.
– Não. – ele disse, andando sem olhar para mim.
Como íamos por locais movimentados, tanto por carros nas ruas quanto por pessoas nas calçadas, nosso passo era normal para não chamar atenção. E então logo estávamos passando perto de uma praça, que eu logo reconheci. Era a praça onde eu costumava ver gente se agarrando quando passeava com o meu cachorro branco.
Diminuí meu passo para prestar atenção, o que o Logan, que ia na frente ainda sem me olhar, e sem querer muito papo comigo, não percebeu. Eu estava mais calma, a adrenalina tinha baixado pela caminhada, então eu estava ficando à vontade. E sem colar.
E foi então que eu comecei a sentir aquela outra vontade me atingir. A vontade que não era de salvar alguém.
E eu vi um cara, que eu conhecia de vista e que já tinha me chamado atenção. Ele estava parado esperando o cachorro fazer suas necessidades na grama. E o cara era muito gato. Tinha olhos castanhos claros e cabelos só um pouco mais escuros do que os loiros do Daniel. E era muito gostoso também. E foi por isso que, ao olhar para ele de cima a baixo, aquela vontade de atacar, mas não para lutar, veio forte. E quando ele se virou para mim e me olhou também, vi que seu rosto era perfeito para ser lambido. E que sua boca era perfeita para ser beijada, ainda mais quando ela sorriu para mim.
– Oi. – ele disse com uma expressão que evidenciava que tinha gostado de mim. O que era bom, porque eu também tinha gostado dele.
Aliás, eu tinha gostado muito. Eu só pensava em agarrá-lo e levá-lo para o meio do parque, onde ninguém nos veria. Para fazer com eles todas as coisas que estavam se passando pela minha cabeça. E elas eram muitas coisas. E pareciam ser ainda mais agradáveis, e muito mais satisfatórias, do que salvar um bebê.
Só que eu não pude fazer nada disso, porque quando eu ia me aproximar do cara, que estava mais do que disposto a isso já que não tirava os olhos do meu decote, duas coisas aconteceram quase ao mesmo tempo. O Logan chegou ao meu lado e então colocou meu colar na minha mão, em contato com a minha pele. E todo aquele tesão incontrolável, e inexplicável, que eu sentia por aquele quase desconhecido passou na mesma hora.
E, a segunda coisa: eu fiquei assustada. Com a intensidade de tudo o que eu senti naquela noite.
Teve a adrenalina, que foi intensa e que fez com que eu me sentisse viva. Mas teve também aquela vontade de agarrar um estranho. E isso... eu não achava tão divertido. De alguma forma, era até perigoso. Não era?
O Logan agora estava ainda mais mal-humorado, me olhando meio carrancudo. E assim como eu estava agora com o meu colar no pescoço, ele também estava com o seu anel bem encaixado no dedo.
– Obrigada. – eu disse a ele, mas sem sorrir.
– De nada. – ele respondeu, também sem sorrir e com o rosto muito sério.
Aliás, ele não parecia me desaprovar, porque sabia que isso provavelmente aconteceria, isso de eu querer atacar alguém, mas mesmo assim não estava nada satisfeito. Vai ver ficou chateado porque ele queria ser o cara que eu escolheria para atacar. Mas não posso fazer nada se ele não é o único homem gostoso que existe no mundo.
Aliás, o homem do cachorro ao ver o Logan ao meu lado se mandou rapidinho. Porque o Logan com uma expressão de poucos amigos era realmente intimidador.
Eu também estava mal-humorada, pensando que se não fosse pela interferência do meu novo amigo eu estaria nesse momento perdendo a virgindade com um desconhecido no meio de um chão sujo. Algo totalmente diferente do romance que eu sempre quis.
– Logan... – falei após pensar durante quase um minuto, quando nós dois estávamos parados olhando para frente, para pontos indefinidos no meio da praça onde as árvores impediam uma visão mais além.
– O que? – ele perguntou, sem olhar para mim.
– Aquilo que você me disse sobre o colar é verdade?
– Não sei a qual parte você se refere, mas tudo o que eu falei foi verdade, Marília.
– Ah. – eu me limitei a dizer. Porque se eu tinha tentando atacar um cara que eu apenas conhecia de vista em uma praça, aquilo queria dizer que o Daniel não era o cara certo. E que eu não estava mais apaixonada por ele.
E aera uma baita mudança – uma mudança e tanto – para eu processar.
– Valeu pela noite. – acabei falando, já que ele continuava carrancudo e calado. De um jeito bem estranho. Não houve nem piadinhas sobre o meu decote, ou sequer uma olhada mais descarada para os meus seios, algo que eu com certeza esperaria dele – Agora tenho que ir.
E eu fui, simplesmente virando as costas e começando a andar. Enquanto que o Logan permaneceu no mesmo lugar, sem me olhar. Sem nem mesmo me dizer qualquer palavra de despedida. Talvez, afinal de contas, ele tivesse suas próprias preocupações para lidar.
No meu caso, a adrenalina da noite acabou se transformando em outra coisa. Em algo como uma sensação de nostalgia... e de amor perdido. Ou talvez superado.
Eu percebi que precisava ver o Daniel e conversar com ele. Para dizer que talvez fosse melhor a gente ser apenas amigos. Não queria que ele saísse da minha vida, já que ele era um bom amigo. E por muito tempo tinha sido o único.
Eu precisava ver o Daniel para conversar, mas não naquela noite, quando eu tinha muita coisa para assimilar. Talvez fosse melhor dar um passo de cada vez. Ou pelo menos pensar melhor a respeito.
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