Capítulo 3
- Estou farta de fazer de conta! Onde é que está o meu conto de fadas, Rhia?
Audrey rabiscava no seu diário, as lágrimas manchando as páginas do mesmo. Sentada na cama ao seu lado, Rhiara mordia o lábio, tentando ser sensível à situação da melhor amiga.
- Tenho a certeza que o teu final feliz ainda está por aí, Audrey. O Ben...
- O Ben é o meu final feliz. Sempre foi e sempre será! - Audrey fechou o diário bruscamente, encarando a amiga com raiva - Aquela vilã entrou nas nossas vidas e destruiu tudo! Roubou o meu Ben, a minha coroa, o meu destino...
- Ninguém te roubou nada, Audrey. Eles apaixonaram-se, foi uma coisa que aconteceu. Conhecendo o Ben, tenho a certeza que ele nunca quis magoar-te.
- E como é que tu tens tanta certeza disso? Como é que tens tanta certeza do que quer que seja, fechada naquela torre como estás sempre?
Rhiara engoliu em seco, sentindo o coração bater mais forte. A amiga estava transtornada, estava a dizer coisas que não queria pela raiva que sentia. A princesa suspirou, esticando a mão na direção de Audrey, vendo com mágoa a outra se afastar.
- Audrey, tens tanta coisa ainda por viver, tantas pessoas para te apaixonares, até vais ser Rainha do teu próprio reino...
- O que é uma Rainha sem o seu Rei? - Audrey abanou a cabeça, irritada - O Ben prometeu-me a coroa. Prometeu que ficaríamos juntos para sempre e agora escolheu uma vilã?
A filha da Bela Adormecida pôs-se de pé, encarando a melhor amiga com uma expressão vazia.
- A coroa é minha. Eu sou a legítima Rainha de Auradon. A Mal roubou o meu sonho, o meu Ben, tirou-me tudo e nenhum deles quis saber de mim para nada. - os olhos castanhos da princesa faiscaram, enraivecidos - Talvez esteja na altura de eu também ser má, tal como o Ben gosta.
O estômago de Rhiara embrulhou-se. Pôs-se de pé, dirigindo-se até à melhor amiga, alarmada.
- Isto nem pareces tu a falar, Audrey! Eu conheço-te, tu de má não tens nada, que raio de conversa é essa?!
Audrey bufou, olhando-a com desprezo.
- E quem és tu para achar que me conheces? Vias-me uma vez por mês e achas que és a pessoa que melhor sabe quem sou e o que quero? Tu não me conheces, Rhiara. Queres saber a verdade? - aproximou-se do rosto da outra, cujos olhos verdes se marejaram de lágrimas ao ouvi-la - A única razão porque te visitava em Corona era porque era obrigada. Eras a minha boa ação, visitar a pobre princesa aprisionada. És o meu ato de bondade, Rhiara. - fez uma pausa, sibilando - Nada mais.
A filha da Rapunzel ergueu o queixo, olhando a outra com mágoa. Sem dizer nada, pegou na sua mochila, colocou o capuz no topo da cabeça e saiu porta fora, fechando-a na cara de Audrey. Em silêncio, começou a andar, percorrendo os corredores até encontrar a saída. Ao sentir o ar fresco da tarde, Rhiara deixou as lágrimas caírem, os joelhos cedendo e caindo na relva macia da rua. Fechou os olhos e deixou-se ficar, a soluçar sozinha no passeio vazio.
- Perdida. Claro. O que mais me vai acontecer hoje?
O entardecer iluminava o céu de Auradon com os seus raios alaranjados. Rhiara levou as mãos à cara, exasperado, os olhos verdes perscrutando o espaço à sua volta. Estava tão transtornada que acabara por perder de vista a bendita estrada dos tijolos amarelos, bem como qualquer edifico que fosse. A Floresta Encantada rodeava-a, igual para onde quer que se virasse. Soltou um suspiro, cansada.
- Está alguém aí? - perguntou, desorientada.
O som de galhos a quebrar fê-la sobressaltar. Num movimento ágil, tirou a frigideira da mochila, apontando-a à pessoa que se aproximara dela com suavidade.
- Desculpa! Não te queria assustar! - exclamou a moça à sua frente, os olhos cor de chocolates arregalados - Eu ouvi-te a chamar, já te tinha ouvido antes e vim até aqui. Está tudo bem, só quero ajudar.
Rhiara baixou a arma na sua mão. Um sorriso simpático surgiu no rosto familiar da rapariga, cujo cabelo azul lhe caía em ondas pelas costas abaixo. A filha da Rapunzel arregalou os olhos, gaguejando:
- T-Tu é-é-s... Evie! Tu és a Evie!
Evie inclinou ligeiramente a cabeça, observando a desconhecida de alto a baixo.
- Conhecemos-nos?
- Oh não, nem pensar. - Rhiara sorriu, esticando o braço - Vi-te na televisão. É um prazer conhecer-te! Chamo-me... - fez uma pausa, cautelosa - Anna. Filha da Alice do País das Maravilhas.
- Encantada. - a dos cabelos azuis apertou-lhe a mão, delicada - Precisas de ajuda? Estás perdida?
A morena assentiu, sentindo-se esmorecer ao olhar em volta.
- Tenho de chegar à estação dos comboios o quanto antes. Consegues indicar-me o caminho?
Evie assentiu, embora a olhasse com estranheza.
- Já conheço esta floresta como a palma da minha mão, consigo levar-te lá sem problemas mas... Não creio que haja comboios seja para onde for agora, Anna. O reino de Auradon não tem muita atividade noturna, para ser sincera. - Evie soltou uma risada, encolhendo os ombros - Os bonzinhos gostam mais do dia, acho eu.
- Por isso os meus pais só voltam para casa amanhã. - respondeu Rhiara, soltando um suspiro frustrado - Claro! Que burrice a minha!
A jovem dos olhos verdes amaldiçoou-se a si mesma, irritada. Claro que não tinha pensado bem na sua fuga. Estava tão preocupada com Audrey que apenas quisera sair de Corona e vir a correr para Auradon para estar lá para ela. Se pensasse bem, sempre fora assim. Rhiara fazia tudo por Audrey, inclusive desobedecer aos pais, ao passo que a sua melhor amiga apenas a visitava uma vez por mês, naquilo que ela chamara de "boa ação".
Rangeu os dentes, afastando a mente de Audrey e das suas palavras maldosas, as quais não acreditava que fossem verdade, embora doessem. Em vez disso, concentrou-se na jovem à sua frente, que parecia falar com ela há uns minutos.
- Anna? Estás a ouvir-me?
- Desculpa, estava a pensar no que fazer. - Rhiara esboçou um sorriso amarelo, disfarçando - O que disseste?
- Eu perguntei se tinhas sítio onde passar a noite. Pareces nova em Auradon, não sei se conheces alguém por aqui...
Rhiara pensou em Audrey. Era a única pessoa que conhecia em Auradon, talvez a deixasse passar a noite no seu quarto. Descartou a ideia, lembrando-se de imediato do quão magoada estava com ela. A seguir, pensou em Ben, descartando de novo a ideia. Ben era o rapaz mais desbocado (e o único) que Rhiara conhecia, facilmente ele se descairia a Rapunzel e a Eugene sobre a ida clandestina da sua filha a Auradon. Abanou a cabeça, dizendo:
- Não, não conheço ninguém. Sabes dizer-me onde há uma estalagem onde eu possa ficar?
A filha da Rainha Má pousou-lhe a mão no ombro, num gesto tão reconfortante e apaziguador que Rhiara sentiu os olhos marejarem de novo, emocionados.
- Podes ficar comigo. Tenho o meu próprio castelo encantado aqui na Floresta. - Evie sorriu, gentil - Acabaste de fazer a tua primeira amiga em Auradon! Anda, não fica longe e já é quase de noite. Já comeste alguma coisa?
O estômago da jovem aventureira roncou naquele preciso momento, fazendo-a corar.
- Acho que tens aí a tua resposta. - respondeu Rhiara, sorrindo desajeitadamente.
No dia seguinte, raios de Sol quentes beijaram-lhe o rosto, como sempre acontecia. Se havia algo que a fazia acordar bem disposta era sentir o calor do Sol ainda antes de abrir os olhos.
A morena dos olhos verdes espreguiçou-se, sonolenta. Quando os abriu, sentiu o pânico tomar conta de si, a realidade atingindo-a numa mistura de terror e adrenalina.
Ela ainda estava em Auradon.
- Bom dia alegria! - saudou uma menina ao seu lado, rindo da expressão assustada da outra - Não te quis acordar e não, não tenho estado a observar-te a dormir. Isso seria estranho. Acabei de chegar aqui à sala. Quem és tu e porque é que estás a dormir no sofá?
Rhiara pestanejou.
- Que horas são?
- A manhã já vai a meio mas ainda não é hora de almoço. - respondeu uma menina negra um pouco mais velha que a primeira, adentrando a sala com um ar jovial - Quem és tu?
- Anna. - respondeu a morena, automaticamente - Onde está a Evie? E as minhas coisas? Oh céus, tenho de me apressar...
- Bom dia! Hoje é um dia muito especial!
A voz de Carlos chamou-a à atenção. O rapaz acabara de entrar na casa de Evie com uma caixa gigante na mão, franzindo o sobrolho ao ver a rapariga deitada no sofá, rodeada pelas novas inquilinas.
- Anna? O que fazes aqui? - questionou, enquanto continuava a andar em direção à cozinha.
- O teu nome é Anna? - perguntou a primeira menina, balançando a cabeça e fazendo os seus dois totós abanarem em conjunto - Nome bonito, embora muito simples. Eu chamo-me Dizzy, filha da Drizzella. De quem tu és filha?
- Eu...
- De alguém bonzinho, tem um ar muito limpo e arrumado. Até acorda com ar de princesa. - retorquiu a segunda menina, afagando os seus cabelos cacheados - Não tem estilo de vilã.
Rhiara abanou de imediato a cabeça, empalidecendo ligeiramente com a palavra "princesa". Apesar de meio sonolenta e atordoada com tanta agitação logo de manhã, conseguiu responder, tentando soar o mais natural possível:
- Sou filha da Alice, a menina que encontrou o País das Maravilhas. Não sou princesa nenhuma...
- Mas és boazinha. - a menina estendeu a mão, a qual Rhiara apertou, vendo-a sorrir - Sou Celia, a filha do maravilhoso Dr. Facilier.
A filha da Rapunzel assentiu, encantada por conhecer as novas moradoras de Auradon. Sabia que Mal e os restantes vilões tinham ido à Ilha dos Perdidos no dia anterior para selecionar os quatro novos descendentes de vilões. Com toda a situação de Audrey, não chegara a saber quem fora selecionado nem como correra.
Levantou-se, ajeitando o pijama que Evie lhe emprestara no dia anterior. Quando chegara ao seu pequeno castelo, os restantes moradores já deviam estar a dormir, por isso sequer se apercebera da sua presença. Na verdade, a adrenalina de Rhiara era tanta que apenas comera e dormira no sofá, arrasada com toda a emoção que tinha vivido. A fuga, o entusiasmo de conhecer Auradon e... Audrey.
Nesse preciso instante, Evie entrou na sala, acompanhada por um rapaz moreno de cabelos longos e lisos. Outro rosto familiar para Rhiara; aquele só podia ser Jay, o filho de Jafar. Ao vê-la, ergueu uma sobrancelha, esboçando um sorriso educado.
- Bom dia. Acho que não nos conhecemos.
- Anna. - disse Rhiara, acenando timidamente - És o Jay. Eu vi-vos na televisão algumas vezes, principalmente quando chegaram a Auradon pela primeira vez.
- Bom dia, Anna. - saudou Evie, sorridente - Dormiste bem? Não tinha mais camas disponíveis...
- Muito bem, obrigada. Evie, agradeço imenso a tua hospitalidade mas eu tenho mesmo de ir. - Rhiara aproximou-se dela, nervosa - Tenho de trocar de roupa, o meu casaco...
- Está tudo no meu quarto. Primeira porta à esquerda. Acompanho-te até à estação dos comboios para que não te percas, pode ser?
A princesa assentiu, distraída. Como um relâmpago, correu até à porta que Evie indicara, vestindo apressadamente as suas roupas. Verificou a mochila, acariciando a sua frigideira com carinho, ajeitou o capuz para que lhe tapasse bem a cabeça e colocou os cabelos de forma a cobrirem ligeiramente o seu rosto, o suficiente para passar despercebida. Verificou a sua imagem no espelho e notou os olhos verdes brilhantes. Não pode deixar de sorrir. Estava a viver a sua primeira e muito provavelmente única aventura durante um bom tempo e, apesar dos contratempos, estava a adorar cada segundo da sua limitada liberdade.
Quando saiu, sentiu a pele arrepiar-se. Um mau pressentimento atingiu-a, um Dom que possuía por natureza. Ao fechar os olhos, a imagem de Audrey preencheu-lhe a mente, mostrando-lhe que algo se passava com a sua melhor amiga.
Lá fora, o som de uma risada maléfica cortou o ar.
Foi nesse preciso instante que Rhiara soube que a sua aventura estava apenas a começar.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro