Capítulo 12
O silêncio reinava no quarto. Luz dourada inundava todo o espaço, a aura poderosa ao redor da filha da Rapunzel espalhando-se pelos seus companheiros. Lágrimas cristalinas escorriam pelo seu rosto abaixo, a mão apertando firmemente a da princesa estendida na cama, a qual sequer parecia respirar.
Rhiara soluçou, sentindo-se perdida. A magia saía de si naturalmente, como que respondendo ao seu desespero. Pousou a testa no braço da melhor amiga, tentando acalmar-se, embora tudo o que quisesse fazer fosse gritar e abanar o seu corpo até que ela acordasse.
Audrey não acordara.
- Ela está a desaparecer. - murmurou Evie, sentada ao lado de Rhiara, a mão pousada no seu ombro numa forma de apoio.
Do outro lado da cama, Mal mordeu o lábio, pensativa. A única coisa que mantinha Audrey viva era a magia de cura de Rhiara e não iria continuar por muito mais tempo. A filha da Maléfica observou-a, colocando-se no seu lugar. Se fosse Evie naquela cama, também ela estaria assim: desesperada. A pele da filha da Bela Adormecida empalidecia cada vez mais, a vida escapulindo-se dela lenta e vagarosamente, levando consigo o coração de Rhiara, que se partia em pedacinhos à medida que percebia que a melhor amiga não iria acordar tão facilmente.
- Só há uma pessoa que nos pode ajudar a salvá-la. - disse Mal, vendo Rhiara levantar a cabeça, os olhos esmeralda arregalados - Hades.
- Nem pensar. Não arriscaria. - ripostou Ben, de imediato.
- Chama-o. - respondeu Rhiara, ao mesmo tempo.
Os olhares pousaram-se nela, surpreendidos. Harry analisou o rosto belo da princesa, admirando-a. Ela era tão corajosa, tão destemida que se perguntava como aguentara tanto tempo fechada num castelo. Rhiara não fora feita para viver nas sombras; toda ela era luz, criada e desenhada para correr riscos e viver sem medo. Lentamente, colocou-se atrás dela, a mão pousando no seu ombro com firmeza. A princesa ergueu os olhos, desviando-os de imediato. Harry franziu o sobrolho, confuso. Pela forma tensa como o corpo dela ficara quando lhe tocara e pelos olhos duros que o tinham fitado, era mais do que óbvio que estava chateada com algo que ele fizera. O pirata coçou a cabeça, tentando perceber o quê, em vão.
Quando Audrey acordasse, talvez Rhiara falasse com ele.
- Mesmo que Hades viesse, porque razão nos ajudaria? - questionou Ben, cruzando os braços.
- Na verdade, talvez ele o fizesse por mim. - Mal fez uma pausa, passando os olhos pelo grupo - Ele é... O meu pai.
Os adolescentes entreolharam-se, em choque. Rhiara esboçou um sorriso, mostrando a sombra do seu habitual entusiasmo ao dizer:
- O teu pai é Hades? O Hades? Rei do Submundo? - assobiou, impressionada - Uau!
- Eu... Eu teria que dizer para o irem buscar. Teria de mandar guardas... - disse Ben, incerto.
- Se pudesses despachar-te, eu agradecia. - ripostou Rhiara, fuzilando o amigo com os olhos.
- Mandona. - resmungou Ben, baixinho.
- Posso apanhar boleia? - questionou Uma, encarando o Rei de Auradon - O meu lugar é na ilha. Alguém tem de estar lá para a proteger.
O rosto de Rhiara ergueu-se na direção de Harry. O pirata soltou um suspiro, afastando-se dela e colocando-se perto de Uma, pousando as mãos nos ombros dela num gesto de camaradagem.
- Vais precisar do teu primeiro-imediato.
A princesa de Corona engoliu em seco, escondendo a tristeza que sentia. Tal como previra, apegara-se demais ao pirata. O coração dela palpitava, confuso, preenchidos por sentimentos indesejados e difíceis. Afastou-os para longe, concentrando-se em Audrey, cujo peito mal se mexia, tão fraca era a sua respiração.
- Posso ir também? - ouviu Celia dizer, pondo-se de pé- Gostava de estar nos dois sítios. - disse, tristemente.
Rhiara sorriu, fazendo a menina sorrir de volta. A ligação que ela tinha com o pai era de louvar e só provava que os vilões não só tinham coração como possuíam uma capacidade de amar incrível, tal como qualquer ser humano.
As bochechas ruborizaram ao sentir os olhos azuis de Harry fixos nela.
- A ilha ficará bem entregue. - disse Mal, pondo-se de pé - Acho que a Evie tinha razão. Acho que poderíamos ter sido amigas. - a pirata sorriu e a filha da Maléfica continuou, entristecida - Lamento imenso ter-vos mentido. Vocês merecem melhor. - olhou para Evie, cujos olhos castanhos se suavizaram.
- Eu entendo. - disse Rhiara - Fizeste o que tinhas de fazer. És a Rainha de Auradon e alguém tem que ser firme na forma de liderar, certo Ben?
Ben bufou, deitando-lhe a língua de fora. Tinham sido sempre assim, desde pequenos. No fundo, adoravam-se e por isso não fora difícil para Rhiara perdoá-lo por ter parado de a visitar. A única coisa que faltava...
Era Audrey.
- Eu também entendo. - disse Evie, fazendo Mal suspirar e esboçar um sorriso, aliviada.
Rhiara pigarreou, um sorriso falsamente inocente no rosto ao encarar o Rei de Auradon.
- Agora fazes o favor de ir mandar buscar o Deus do Submundo? A menos que queiras que te mande para o lindo reino dele... - fez uma pausa, os olhos ameaçadores - Morto, claro.
O Rei de Auradon engoliu em seco, saindo quase a correr do quarto.
- Rhiara! - repreendeu Evie, soltando uma risada ao ver a sua nova amiga encolher os ombros, inocente.
- Foi um prazer conhecer-te, princesa. - disse Uma, fazendo uma vénia na direção de Rhiara, que suspirou.
- O prazer foi todo meu, Uma. Tu és, sem dúvida, a vilã mais fascinante que já conheci. Não que conheça muitos. - sorriu, entristecida - Tenho a certeza que os nossos caminhos se cruzarão novamente. E eu disse que ficaríamos amigas, não disse?
Uma estalou a língua, encarando a princesa com falso aborrecimento.
- Quem disse que somos amigas?
- Digo eu. - respondeu Rhiara, prontamente - Dá um abraço forte ao Gil por mim, sim?
A pirata assentiu, séria. Com um último olhar a todos os presentes, saiu do quarto, seguida por Celia, que deu um abraço rápido a Evie antes de se afastar, desaparecendo pela porta rapidamente.
Harry ficara para trás, esperando que Rhiara se mexesse ou dissesse algo, coisa que não fez. O pirata era orgulhoso; também não lhe diria nada. A filha da Rapunzel fixara os seus olhos em Audrey, recusando-se a encará-lo. Não sabia exatamente porque estava a agir assim; sabia que não estava chateada com ele, compreendia a sua atitude de não alimentar de que a probabilidade de se verem era baixa. Magoara-a, claro, mas compreendia.
Rhiara prensou os lábios, vendo-o desviar o olhar dela, fazer uma vénia para todos e sair, a postura de pirata presente na sua forma de andar. Os olhos castanhos de Evie fitaram-na, repreendendo-a. Contudo, quando falou, havia apenas compaixão na sua voz, um dos traços que Rhiara mais admirava nela.
- Eu sei que assim parece ser mais fácil mas, depois, não será.
A princesa encarou a amiga. Evie tinha razão, claro. Quanto mais entraves colocasse, quanto mais se afastasse, mais fácil era para ela naquele momento, já que estaria a alimentar raiva dele e assim não sentiria a sua falta. No entanto, a raiva dissipar-se-ia. Em poucas horas, sentir-se-ia culpada por não se ter despedido dele.
- Eu não a posso deixar. - murmurou Rhiara, sentindo as lágrimas transbordarem dos seus olhos - Não posso afastar-me de Audrey.
- Eu posso ir entregar-lhe a mensagem. - disse Jay, surpreendo-a - Sou rápido. Talvez até o possa trazer para aqui e dizes-lhe tu o que queres dizer.
- Farias isso por mim? - perguntou a morena, emocionada.
- És nossa amiga agora, Rhia. - disse Carlos, apoiando a ideia de Jay - Os amigos estão cá uns para os outros.
Rhiara mordeu o lábio, olhando para o filho de Jafar com os olhos esmeralda brilhantes. Não poderia pedir a Harry para voltar para trás, não quando isso atrasaria os guardas de trazer Hades para salvar Audrey. Por isso, pediria a Jay que lhe entregasse uma mensagem simples.
- Diz-lhe que voltarei à ilha para ver o navio-pirata do Capitão Gancho. - fez uma pausa, sorrindo - É uma promessa. E uma princesa cumpre sempre a sua palavra.
Rhiara abriu os olhos, sonolenta. Não sabia ao certo quanto tempo passara mas fora tempo suficiente para diversas mudanças terem acontecido no quarto. Mal e Ben estavam sentadas perto de si, os dois tendo usufruindo do prazer de tomar um bom banho e mudado de roupa, apresentando-se impecáveis enquanto ela continuava suja de pó e com os cabelos emaranhados de ter tomado um banho indesejado nas águas do Lago Encantado.
Para piorar, os antigos monarcas de Auradon estavam ali, junto da avó de Audrey, que lançou um olhar sério a Rhiara. As duas nunca se tinham cruzado, apenas a conhecia das histórias que Audrey lhe contava, sobre a mulher que ela mais admirava. Sentada ao seu lado, parecia tão abatida como Rhiara se sentia, a preocupação pela neta vincada nas rugas do seu rosto. Ao contrário das duas, Bela tinha sempre um ar radioso mesmo com todos os problemas que houvessem no mundo, um sorriso encantador desenhando-se no seu rosto ao ver a princesa.
- Rhiara! Que bom que estás acordada, querida.
- A Audrey já deu sinais de vida? - perguntou, amaldiçoado-se internamente pela sua má educação - Desculpe, Sua Majestade... É uma honra voltar a vê-la.
- Temo que ela continue adormecida. - disse Adam, o antigo Monstro - A tua magia tem ajudado a mantê-la estável.
- Rhiara, querida, os teus pais estão la fora. - disse Bela, aproximando-se da menina, que deu um pulo na cadeira, surpreendida.
- Os meus pais?! Eles estão bem?
- Estão ótimos. Eles vieram aqui mas como estavas a dormir e a tua magia requer muito de ti, decidimos que eles poderiam esperar um pouco. - Bela olhou para o filho, calmamente - Querido, podes ir buscá-los?
Ben assentiu, lançando um último olhar a Mal. Esta parecia nervosa, as mãos torcidas no colo, os olhos verdes fitando o vazio. Talvez fosse por ter Hades ali no castelo, ou pelo simples facto de ter ver o pai aquela que seria a última vez, já que a barreira seria fechada no dia seguinte. A filha da Maléfica ergueu o rosto, vendo o sorriso simpático da morena à sua frente. Mesmo com tudo o que tinha passado e com a preocupação que sentia, Rhiara ainda conseguia estar lá para quem precisava.
- Vai correr tudo bem. - garantiu-lhe, confiante.
A porta do quarto abriu-se de rompante. Num segundo, Rhiara estava a olhar para Mal. No segundo seguinte, estava a ser estrangulada, uma massa de cabelos castanhos praticamente enfiados na sua boca, o ar escapando-lhe dos pulmões à medida que braços a apertavam mais e mais e mais.
- Mãe... Mãe, estás... A sufocar-me....
- Rhiara... Por todos os girassóis de Corona, estás bem! - exclamou Rapunzel, colocando o rosto da filha entre as mãos - Desobedeceste às minhas ordens! Quebraste a minha confiança! Puseste-te em perigo...
- Sim, sim, isso é tudo fantástico mas deixa-me abraçar a minha filha!!! - reclamou Eugene, empurrando a mulher para o lado e sufocando a filha - Meu Raio de Sol, estou tão aliviado por estares bem...
- Eugene!! - repreendeu Rapunzel, embora houvesse a sombra de um sorriso no seu rosto.
- Pai, eu estou bem... Pai, também me estás a sufocar!
Rhiara sentiu o seu poder vacilar ao se desconcentrar. Com o máximo de gentileza, empurrou o pai e focou-se em Audrey, vendo o brilho dourado da sua pele aumentar. Rapunzel encarou a filha, os olhos no mesmo tom que os dela. Havia uma mistura de orgulho e preocupação no olhar da mãe, a mão pousando suavemente na sua, que repousava no braço de Audrey.
- Ela vai ficar bem, querida. - assegurou-lhe, a voz calma e certa enchendo o coração de Rhiara de esperança.
- Lamento ter fugido de Corona, mãe. Eu tinha mesmo que estar aqui para a Audrey. - explicou a menina, com lágrimas nos olhos - Não queria quebrar a tua confiança mas... Eu não consigo voltar a ficar fechada no castelo. Não consigo viver no medo do que pode acontecer. Nunca sabemos de onde o mal surgirá. - apontou para a princesa adormecida, encolhendo os ombros - Nem sabemos de onde vêem os vilões.
O som de correntes a chocalhar invadiu a sala. O quarto ficara aberto e, no meio de seis guardas, o Deus do Submundo entrava na assoalhada, imponente com o seu cabelo azul que outrora se erguia em chamas, as roupas escuras e o olhar ameaçador passando por cada um dos presentes. Ao pousar em Mal, a expressão suavizou e a Rainha ergueu-se, encarando o pai com expectativa. A menina dos cabelos roxos aproximou-se dele, os braços atrás das costas, um ar sério no rosto ao dizer-lhe:
- Obrigada por teres vindo.
- Não tive grande opção. - comentou Hades, revirando os olhos.
- Podes acordá-la? - perguntou Rhiara, encarando o homem com urgência.
- Desde quando os heróis querem saber dos vilões?
- Desde que qualquer um pode ser vilão. - respondeu a princesa, sem papas na língua - Podes ou não?
- Qualquer um? - Hades abanou a cabeça, rindo - Não. Ela é um de vocês. Quando é um de vocês, é um erro de discernimento. Quando somos nós, prendem-nos e deitam a chave fora. Certo, Monstro?
O Deus do Submundo olhou para o antigo Rei de Auradon, o tom acusador da sua voz bem presente. Um silvar no canto da sala fê-lo erguer as sobrancelhas, vendo um par de olhos verde-esmeralda fixos nele com fúria.
- Nem todos somos Deuses para andarmos aqui a perder tempo. - disse Rhiara, ríspida- Podes ou não podes salvá-la?
- Atrevida a princesa, não é? - comentou Hades, estalando a língua - E poderosa, pelo brilho todo que tem à volta.
Ergueu as mãos, fazendo a maioria dos presentes recuar com receio. Hades revirou os olhos, aborrecido.
- Eu preciso das minhas mãos.
Mal olhou para Ben, ao que o Rei assentiu, dando permissão aos guardas para lhe tirarem as algemas. Vendo-se livre, Hades estendeu a mão para Mal, a qual lhe entregou a brasa. A pedra iluminou-se ao entrar em contacto com o seu verdadeiro dono e Rhiara sentiu o poder invadir Hades e espalhar-se pela sala. O cabelo de Hades encheu-se de chamas azuis, o rosto do homem preenchido com um sorriso.
- Não perdi o meu toque.
O Deus aproximou-se da cama de Audrey. A luz dourada de Rhiara intensificou-se quando ele se aproximou. Hades ergueu uma sobrancelha, encarando a princesa, impressionada.
- Vejo que a tua magia tem mantido a rapariga viva. A Flor Dourada, não é? - estalou a língua, genuinamente surpreso - Excelente trabalho. Agora, afaste-se, princesa.
- Mas se eu me afastar...
- Ela não morrerá por poucos segundos. - Hades encarou Rhiara, sério - Vai ter de confiar em mim, princesa.
Rhiara pestanejou, pensando nas palavras do Deus.
Imediatamente, soltou o braço de Audrey, erguendo-se na sua cadeira e afastando-se dela.
Ela não tinha dúvidas de que confiava.
- Nós vamos ter uma conversa muito séria quando chegarmos a casa, minha menina. - sibilou Rapunzel, entredentes.
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