2 | Dengo revoltado
— Não sou seu dengo.
— Essa definitivamente não é a parte importante aqui, você sabe, né? — Jimin riu despreocupadamente enquanto abria o zíper do cano alto da bota, tirando ela. Apoiou os pés pequenos e descalços no chão de marshmallow, testando. Naquele momento, parecia agradável, mas se ficasse calor provavelmente derreteria e seria uma melação que só...
Pegou seu isqueiro e acendeu a chama, olhando-a por bastante tempo, confuso com o que seu pai queria dizer. Bufou.
— Papai, dessa vez eu não te entendi. É algum tipo de castigo? — retrucou, revoltado, com seu Zippo. Arregalou os olhos ao perceber que seu pai não sabia responder, o que era inédito para ele. Fechou a tampa metálica, chateado, e deitou-se.
— Ei, o que está fazendo? — o Dengo perguntou, completamente revoltado.
— Vou dormir, meu dengo. Deu uma hora que eu tomei a gin tônica, começou a bater um soninho — respondeu em um tom óbvio, ajeitando-se melhor no chão macio. Não gostava muito do cheiro doce, mas definitivamente era melhor dormir em marshmallow do que no asfalto.
— A gente está em um lugar desconhecido! — Não conseguia acreditar na falta de senso do Jimin. Quem dormiria em uma situação daquelas? Seu próprio coração batia desesperado, cheio de dúvidas se conseguiria voltar ou não. Era incapaz de pensar em dormir de tanta adrenalina e o outro...
— O chão é macio — falou, como se aquele fosse argumento suficiente. E enquanto o Dengo lhe encarava com os olhos arregalados, Jimin simplesmente caiu no sono. De verdade.
O Dengo bufou irritado e saiu marchando para algum lugar. Onde? Não fazia a mínima ideia. Não sabia onde estava e nem como tinha chegado lá. Era completamente inédito.
Ele era um viajante do tempo, então não costumava ficar assustado com os saltos temporais como imaginou que Jimin ficaria — e que mesmo assim deu muito menos bola do que o esperado —, mas nunca tinha sido levado a outra dimensão. A não ser que tivessem caído em um tempo muito estranho mesmo, em que a Terra, por algum motivo, tivesse sido transformada em um mundo de doces. Seria essa finalmente a vitória do açúcar?
Não levou muitos passos para perceber que estava sendo burro. Respirou fundo e voltou ao lado do homem que dormia com uma tranquilidade inabalável. Girou seu pulso e o painel holográfico apareceu.
Se em algum momento teve esperanças de achar alguma informação que fizesse sentido no painel de seu Trampolim JKK-1306 — o melhor dispositivo de salto no tempo que tinha no mercado, mas também reconhecidamente criado por uma senhora muito excêntrica —, foi unicamente por inocência. Todos os dados de ano, localização e até mesmo clima estavam vazios. Era a primeira vez que via aquilo.
Em uma última tentativa, tentou selecionar a localização e o ano que estava anteriormente para devolver Jimin lá — infelizmente era uma regra absoluta dos viajantes garantir que todas as pessoas estivessem no próprio tempo de origem, ou daria ruim na malha do tempo. Pequenas mudanças, após alguns experimentos, foram aceitas porque geralmente eles não modificavam tanto o curso da existência humana.
Tocou as costas do homem adormecido e tentou saltar. Não deu certo. Na verdade, nada aconteceu. Seu peito pesou mais uma vez de preocupação sobre a situação. Estavam literalmente presos em um mundo estranho e o outro simplesmente dormia? Logo a preocupação foi trocada por raiva e marchou para longe novamente.
Não deixou ele sumir de vista, claro, mas não era difícil porque estavam em uma planície de marshmallow. Dengo não sabia definir muito bem se queria encontrar alguém ou não. Com alguém, talvez tivesse uma pista de como sair dali, mas era impossível saber se poderia ser uma ameaça ou não.
Ficou em choque quando, de longe, avistou o que parecia ser um rio de chocolate. Torceu o nariz; apesar de gostar de doces, tudo em demasia era ruim. Caminhou mais um pouco, porém descobriu apenas outras formas de representação da natureza através de doces — árvores com tronco de alcaçuz e folhas de algodão doce, assim como as supostas nuvens no céu; um mar que parecia ser feito de sorvete — e logo voltou ao lado de Jimin, à contragosto.
Definitivamente esperá-lo acordar foi uma das coisas mais revoltantes que teve que fazer nos últimos tempos, e olhe que sua vida era uma coleção de frustrações. Queria ter a tranquilidade para dormir também. Mas também não tinha o que fazer, sentia-se preso à ele, pareciam os únicos naquele mundo estranho. Seu sonho era que aquele loiro maldito tivesse uma resposta pronta para aquilo também.
Apesar de ter jurado que era incapaz de dormir, Dengo cochilou logo depois e Jimin despertou. Ao contrário do outro, não teve problema nenhum em esperá-lo acordar. Jimin era um escroto nato, de propósito, mas pra ele sono e comida eram sagrados. Ficou lá, tentando encontrar alguma resposta nas chamas de seu Zippo e, como um filho mimado, ao não conseguir nada, ficou rolando a roda de pedra fracamente, entediado.
Quando percebeu que o badboy — que era muito mais um estressadoboy — estava prestes a despertar, Jimin rolou pra perto dele, pronto para provocá-lo desde o primeiro abrir de olhos. Apoiou a cabeça no braço e ficou pertinho do rosto dele.
— Bom dia, meu dengo, dormiu bem? — perguntou com a voz doce, penteando o cabelo longo para trás da orelha. Ele resmungou algo inteligíviel, ainda sonolento demais e esfregou os olhos com as costas da mão.
— Não sou seu dengo... — murmurou alguns minutos depois, quando estava mais desperto. Jimin riu, espalmando a mão no peito dele.
— Viu como passar a noite comigo dentro da lei foi uma ótima opção? — sussurrou, sensual, só para irritá-lo ainda mais. Deu certo, o Dengo logo desvencilhou-se.
— Tira esse sorrisinho do rosto! — resmungou. — Por que você não fica preocupado com a situação?
Jimin deu de ombros. Preocupado ou despreocupado, não achava que tal fato faria com que a situação se resolvesse tão cedo. E decerto não queria sair caminhando em marshmallows sob o efeito quase mínimo de sua gin tônica.
— Olha, vou te explicar umas coisas — Dengo voltou a falar, ainda abismado com a falta de urgência do Jimin. — Eu sou um viajante no tempo. Vim do futuro até o seu ano escroto e-
— Se acha o ano em que eu vivo escroto, que fiquei no teu. — Jimin fez questão de interromper, não era sempre que algo que Dengo falava permitia que largasse uma grosseria, e não pretendia desperdiçar. Estava tão satisfeito que um novo sorriso esboçou-se nos lábios ainda vermelhos.
— Sério que é isso que você presta atenção? Eu sou um viajante do tempo.
— Ah, aposto que no futuro todo mundo deve ser, não vejo muita graça nisso. — Observou o outro engolir em seco, como se tivesse sido desmascarado. Jimin riu. — Tentando entender como eu sei? Simplesmente pensei que se você fosse o único viajante do tempo, a gente estaria ferrado, porque você não é nada discreto. E ainda fez com que a gente parasse em um mundo de doces.
— A culpa não é minha!
— Desculpa, mas o único com habilidades estranhas aqui é você, meu Dengo, um pacato homem que nem eu não conseguiria fazer algo do tipo sozinho — debochou mais uma vez.
— Você fala com o seu isqueiro!
— Eu sou apenas solitário — mentiu, dando uma risadinha. Logo aproximou-se do outro e voltou a tocar os fios longos e negros. — Certeza que não quer resolver isso para mim, meu dengo?
E o Dengo, já cansado de cair tão facilmente nas provocações de Jimin, apenas suspirou fundo. Subitamente preocupado — seria muito chato estar preso num mundo de doces com um desanimado, principalmente gostando tanto do estressadinho —, Jimin tocou o queixo dele, fazendo que os olhos redondos e castanhos encarassem os seus, afilados.
— Ei, Dengo, não preocupe-se. Se a gente entrou aqui, com certeza vai ter uma forma de sair. Só temos que descobrir isso.
— Você já passou por alguma situação dessas? — perguntou, curioso com aquela estranha calma.
— Claro que não. — Jimin riu. — Sou um mero estudante de física, não faço saltos nem no tempo, quem dirá de dimensão. E eu almoço no restaurante universitário, então definitivamente não tenho contato com doces de qualidade.
— E... — Dengo voltou a falar, após uma pausa pensativa. Jimin estava simplesmente adorando receber tantas perguntas. Ajeitou os cabelos negros mais uma vez só pra irritar e, ao conseguir, sorriu satisfeito. — Você tem alguma ideia de como a gente volta?
— Você não consegue mais saltar no tempo? — perguntou e o Dengo negou com a cabeça. Suspirou chateado, era a forma mais fácil. — É... Meu celular também não tem sinal.
— Ah... — Olhou melhor ao redor. — Acho que a máquina de fliperama que a gente tava apoiado antes de ser transportado de dimensão era dessa temática. Mundo de doces, e talz, uma corrida. Tipo daquele filme, o Detona Ralph. Vocês assistem animações no futuro?
— Não muito. Mas você também não parece do tipo que assiste filme assim.
— Petulante da sua parte achar que você conhece o "meu tipo" — Jimin retrucou, afastando-se dele e levantando-se. — Bem, ser transportado pra jogo é um tipo de enredo bastante clichê até. Acho que se a gente ganhar pelas regras dele deve conseguir sair daqui.
— Não me parece um jogo...
— Fale apenas quando tiver uma ideia melhor, viajante do tempo dengoso. — Jimin cruzou os braços e avaliou se aquela nova forma de provocação daria certo. E era óbvio que daria.
— Eu não sou dengoso! — reclamou enquanto levantava-se também.
— A gente tem companhia. — Jimin apontou e Dengo seguiu com o olhar, encontrando um agrupamento vermelho que, após observar mais atentamente, percebeu serem ursinhos de gelatina. Marchando. — Vamos lá perguntar pra eles se tem alguma pista de corrida ou algo assim, sei lá.
— Eles não parecem pacíficos, não... — Dengo retrucou, receoso, mas acabou seguindo os passos convictos do outro naquela direção. Jimin riu, amava fazer um homem grande daqueles lhe seguir como um filhotinho.
— Eles são ursos de gelatina, meu dengo. Duvido que tenham alguma arma afiada e a gente tá no topo da cadeia alimentar dessa vez. Se tiver briga, espero que goste de doce.
— Mas... com eles se movendo parece meio estranho comer... — Franziu o nariz e Jimin riu com a colocação.
Mesmo assim, os argumentos foram efetivos o suficiente e continuaram andando despreocupadamente na direção do exército de ursinhos. Quanto mais próximos ficavam, mais enxergava que, de fato, eram soldados. Mas suas espadas eram de gelatina também, então ficavam na expectativa de que não doesse.
Pararam quando estavam de frente. Um dos ursinhos, o único azul, deu alguns passos pra frente e levantou sua espada. Jimin gargalhou, o que pareceu ofender o ser feito de açúcar.
— Mãos ao alto! Agora vocês são prisioneiros do Rei!
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