07
ADORA
Finalmente um fim de semana. Eu nunca desejei tanto que uma semana passasse. Agora estou voltando pra casa, dirigindo, ouvindo todas as músicas da Sigrid e com um balde cheio de roupas sujas no banco de trás.
Preciso falar com a minha tia. Abraça-la mais uma vez porque na minha cabeça faz muito tempo. E um rosto familiar vai me deixar melhor.
A escola foi... bem. Não excelente. Os treinos foram a melhor parte, super cansativo, mas todos colaboram e são pessoas amáveis, gostam de conversar e sempre vinham me puxando, tentando me enturmar — principalmente Bow, Mermista e Netossa — e por um momento não me senti sozinha. Ainda é difícil me acostumar com tudo. Não parece a mesma coisa que na Horda.
E estou lotada de conteúdo pra estudar porque não consegui acompanhar. Eu dizia a mim mesma que estudaria depois dos treinos mas acabava dormindo.
Quando estaciono na garagem de casa a porta da frente se abre e Mara sai correndo até mim. Mal tenho tempo de fechar o carro e tirar as roupas do banco traseiro porque ela me abraça bem na hora. Muito apertado. Retribuo do mesmo modo.
— Você está bem? A viagem foi tranquila?
Quero dizer que nem é uma viagem. Bright Moon fica só a uma hora daqui. Mesmo assim assinto.
— Tudo bem, eu tô legal. Só com fome.
São nove da manhã e não quis tomar café na escola. Assim que acordei só tomei um banho e peguei minhas coisas para ir embora. Mal falei com o pessoal direito, só Glimmer (ela perguntou porque eu acordei antes das 11 horas num sábado e depois voltou a dormir).
— Você está tão... Cansada e brilhante ao mesmo tempo — Mara diz enquanto entramos. Tiro meu casaco, vou até a lavanderia e deixo as roupas lá pra depois. — Me conta tudo o que aconteceu! A gente mal se falou esses dias.
Porque eu nem pegava no celular. Estava cansada demais para isso.
— Acho que lá ou uma escola militar são a mesma coisa — respondo e tento soar piadista, mas não consigo. Mara está prestando muita atenção. — É difícil. Muito.
— O time novo ou tudo?
— Tudo. Mas as pessoas são legais, sério, e não me senti tão sozinha quanto eu pensei. Mas as aulas... Me senti em Gilmore Girls.
Mara dá uma risadinha e me sirvo.
Em Gilmore Girls, Rory era a melhor aluna da escola, mas ela muda e vai para uma super chique. Então percebe que todos lá são mais inteligentes que ela. Tenho medo de ser como a Rory. Mas acho que sou mais paranóica agora. Tenho mais coisas a fazer do que a Rory. Isso não é bom.
— Você devia dormir — Mara diz com a voz doce. Confirmo isso. Ela olha minhas coisas na sala, e eu trouxe uma mochila com livros e cadernos para estudar. — Prometa que vai descansar hoje!
— Mas eu tenho muita coisa... — começo a dizer de boca cheia. Ela me interrompe.
— Não quero saber! Você vai dormir agora, eu lavo a roupa e faço o almoço. Depois a tarde pode assistir tv, jogar lá na quadra da praça, tanto faz. Não vai pegar nesses livros de jeito nenhum, me ouviu? — Mara é muito séria quando quer. Acabo concordando. — E a noite nós vamos ver um filme.
As noites de sábado são sagradas para nós. Sempre escolhemos alguma coisa durante a semana e reservamos esse tempinho. Acho que hoje vamos ver "Rocketman". Ela adora filmes musicais.
Comi mais do que imaginava e voltei a dormir para acordar na hora do almoço. Consigo sentir o cheiro de lasanha do andar de cima e decido me levantar. É tão estranho agora. Houve só uma semana de aula e parece que estou lá há anos. Meu corpo quase não sabe o que é uma boa noite de sono.
Lavo o rosto e troco de roupa. Meu quarto é minha fortaleza. Tem pôsteres de jogadoras de basquete, bandas, séries, umas luzes pisca-pisca na cama e na outra parede uma estante cheia de livros. Eu vivo comprando vários mesmo sabendo que vou demorar para ler ou talvez nunca.
O relógio marca mais de uma da tarde. Desço as escadas e Mara está arrumando a mesa.
— Quando eu disse para você dormir pensei que seria um cochilo rápido — ela diz sem olhar para mim. Fiquei na cama por quatro horas. — Olha, e seu cabelo tá solto. Você nunca deixa solto, Adora.
— Acho que eu não me importo tanto. Sei lá. Minha rotina nova é uma bagunça — e se isso afeta meu cabelo também, o que importa? Eu vivo com um rabo de cavalo bem preso porque nunca fui muito vaidosa mesmo. Além disso é melhor pra jogar.
Nos sentamos e já começo a me servir. Mara espera até eu encher meu prato e começar a comer. Ela está olhando para mim muito atenta, com um sorrisinho malicioso. Não falo nada. Apenas levanto uma sobrancelha.
— O que você acha de raspar a lateral da cabeça? Aí quando você amarrar vai ficar lindo!
Quase me engasgo com a lasanha.
— De jeito nenhum! Eu já sou novata. Não quero atenção demais.
— Vão te achar descolada.
— Eu já sou "descolada" — digo irônica. Não sou não. Mara fica triste na hora. — Ok, eu vou pensar nisso.
— Só acho que você precisa de algo novo, sabe? Nova escola, novo estilo, amigos... É difícil se mudar de repente, mas há suas vantagens. Tem que aproveitar o que o mundo te oferece, Adora. Quem sabe o que pode acontecer?
Mara soou tão sábia agora. As vezes ela faz isso (dar conselhos) sem perceber. É a melhor pessoa que eu conheço pra isso. Mara é a única que me conhece de verdade.
Com isso eu apenas murmuro em confirmação. Vou pensar nisso.
...
Não consigo ler ou assistir um filme. Parei tudo no começo. Meus pés estavam agitados. Não consigo ficar parada agora que dormi demais. Me sinto uma zumbi.
O Sol mal aparece, e não faz calor nessa época do ano. É bom para sair, correr e me esquentar um pouco.
— Mara, eu vou sair — digo para ela no jardim. Já estou vestindo um casaco esportivo (ela me deu de aniversário ano passado e é a coisa mais útil do mundo). Minha tia está cuidando de um canteiro de rosas. Não sei como ela vai conseguir isso sendo que já estamos quase no outono.
— Cuidado, ok? Quero você aqui antes de anoitecer ou eu chamo a polícia — ela fala com voz mais grossa e autoritária. Ela realmente chamou a polícia uma vez quando eu tinha treze anos. Aprendi a nunca subestimar minha tia. — Te amo.
— Te amo — falo e já saio andando. Na bolsa carrego a bola de basquete e garrafa com água. Decido colocar uma música e fones de ouvido enquanto isso. É melhor assim, porque pensar demais não é muito bom pra mim. Prefiro ir caminhando e cantando baixinho até chegar na praça.
Por enquanto há só uma brisa. Logo logo as folhas vão cair e tudo será marrom e laranja. É a melhor época do ano pra mim. Gosto do frio, do Halloween, dos filmes e doces.
Apenas cinco pessoas estão na praça. Duas mães conversando e vendo suas filhas brincando no parquinho e um senhor de idade fazendo musculação naqueles aparelhos estranhos. A quadra aberta está totalmente vazia.
Não é uma área grande, o conceito é pra ser para as crianças. Eu sempre brinquei aqui porque tem mais espaço para correr que na garagem de casa (lá só tenho uma cestinha em cima do portão e agora serve pra arremessos). Mas sozinha fico incomodada. Eu devia ter chamado alguém da Horda para jogar. A solidão é uma dádiva e tormento.
Então jogo sozinha. É solitário no início, mas tenho minha música e logo consigo pegar o ritmo. Finjo que estou em uma quadra enorme e profissional cheia de gente me perseguindo para pegar a bola. A torcida grita meu nome! É a melhor sensação do mundo. Meus pensamentos são os mesmos de quando tinha dez anos e jogava apenas por diversão. Ainda consigo imaginar tudo. Vou driblando e arremessando. Erro algumas vezes, e antes isso não me afetava, mas agora, depois de Bright Moon, Sinto que nem sei mais jogar. Eu pensei que era a melhor, quando na verdade pareço só "boa". Me sinto tão inocente e indefesa.
A bola escorrega da minha mão e rola para o outro lado da quadra. Tenho preguiça de ir atrás e solto um suspiro cansado. Já estou começando a suar.
Apoio as mãos nos joelhos e inclino a cabeça. O mundo tá rodando, eu sou a bola, e eu vou cair.
Aí ela volta pra mim, quicando devagar. Para quase aos meus pés.
Limpo o rosto e procuro quem a jogou de volta. Minha boca está seca demais quando tento dizer algo.
— Oi — é tudo o que sai. Felina está com os pés bem em cima da linha de limite que separa a quadra do chão da praça.
— Hey, Adora — ela diz e mal escuto. Tiro os fones de ouvido e guardo no bolso. — Sabia que é perigoso ficar sozinha aqui? Alguém podia ver seus fones e roubar seu celular.
Fico vermelha e tento umedecer os lábios para responder. Felina sempre tem algo na ponta da língua para me desarmar.
— Mas você também tá sozinha — digo e dou de ombros. Caminho até minha bolsa para beber água. Ela não se mexe, apenas dá uma risadinha rouca que sempre teve. Então percebo que não escuto a risada dela desde semestre passado. — Quanto tempo né?
— Não vem puxando esse papo. Daqui a pouco você vai falar sobre o clima — Felina revira os olhos heterocromáticos. Ela vem caminhando em pulinhos, de mãos nos bolsos do short preto moletom que combina com a blusa curtinha que mostra a barriga. A única coisa que tem para se proteger do vento é um casaco. — Mas é verdade, ficou triste não te ver pelos corredores.
— E tentar me fazer tropeçar — completo com uma risada e bebo água. Posso ver que ela também quer rir. Eu sei que quer. — Olha, hm, se você quiser jogar sozinha eu já tô de saída.
Felina me encara por todo o corpo. Por que eu estou tão nervosa com isso?
— Mas você nem suou como um porco ainda, como sempre. Eu tô ali parada há dez minutos.
A ideia me faz querer sumir. O que foi que eu fiz de comprometedor há dez minutos? Não lembro de nada.
Busco a bola e fico girando-a entre as mãos. Não sei o que dizer. Felina sempre me deixou assim. É uma droga. Ela parece tão confiante e superior que me sinto pequena. Não sabia que mesmo saindo da Horda ela ainda me faria desse jeito.
— Então podemos jogar uma partida — sugiro. Ela inspira. — Se quiser. Não parece que veio aqui pra me olhar ou caminhar.
Eu e Felina sempre vínhamos aqui quando mais novas. Só nós duas, principalmente nas férias. Aí as coisas mudaram e passei a treinar sozinha ou na escola. Faz um tempão que não ficamos a sós.
— Eu topo, mas só se você contar tudo sobre a escola das capivaras.
— Ok. E você também vai me contar o que anda aprontando. Eu sei que fez alguma coisa só olhando pra sua cara — é verdade. Ela está se coçando pra me contar algo e se exibir.
Felina ri e vamos para o meio da quadra.
— Que história é essa de capivara? — continuo.
— É o seu mascote, não?
— Não! É um unicórnio alado! — digo rindo alto. Ela só dá um sorriso que mostra os caninos afiados.
— Não vejo diferença — ela está me provocando de propósito.
Tiramos par ou ímpar e ela ganha.
Quando ela põe a mão na bola corre para o meu lado da quadra. É muita vergonha na cara mesmo, e eu até fico atordoada. Não lembrava que ela era tão rápida. Faz tanto tempo que a vejo jogar sozinha. Ela só quica a bola três vezes no chão, tempo para eu ir atrás e tentar alcançar, e consegue lançar a bola na cesta.
— Isso aqui não é brincadeira, Adora — ela diz sarcástica. — Seu time novo não é super treinado?
— É, tipo isso — pego a bola. — Ainda não consegui acompanhar.
Felina passa a língua pelos lábios.
— Ah... — só diz isso. Também não quero falar sobre Bright Moon por enquanto. — São tão super humanos assim?
Consigo rir. Estou do meu lado e passando a bola entre minhas pernas para distraí-la e pensar em uma resposta (em que eu não pareça totalmente acabada e esgotada só de pensar na escola).
— Mais ou menos. Acho que eles treinam daquele jeito desde que aprenderam a andar.
Avanço para o meio. Felina tenta me bloquear e alcançar a bola, mas não deixo. Sou rápida passando-a de um lado para o outro. Ela olha tudo com rapidez e pensando em um ponto cego que possa pegar. Estou encurralada.
Jogo a bola para o lado esquerdo e tento buscá-la antes de Felina. Ela bufa por não ter percebido isso. Acho que não sou mais tão previsível. Aprendi isso com Huntara. Ela disse para mudar de tática às vezes e surpreender o oponente. Felina conhece meu modo desde sempre. Quatro meses atrás eu teria jogado a bola por cima.
Corro o mais rápido possível. Felina me alcança e bate na bola, que sai do meu alcance e vai até o outro lado. Ela pega a bola e tenta lançar dali mesmo (isso daria uns pontos bons, mas aqui não é o caso. Quem marcar mais vence). Nem sei como consigo acelerar o passo e vou quase voando para buscar a bola. Não foi tão alto assim. Consigo agarrar ela de volta e ir correndo, e a rapidez de Felina não é suficiente ao ponto de me alcançar. Jogo a bola e entra na cesta. É um som maravilhoso.
Estou muito cansada, por isso deixo que a bola saia quicando pela quadra. Meu peito sobe e desce, e o vento não ajuda a me secar. Está ficando muito quente.
— Isso foi... muito bom — ela diz quando pega a bola. Estou tirando o casaco. Não desvio o olhar dela. — Você está cada vez mais rápida. É a capitã deles também?
— Não. Esse ano é a Glimmer.
— Por enquanto — incrível como ela acredita no meu potencial. Quer dizer, eu não sei se ela diz isso com receio ou fé.
É complicado tentar entendê-la. Uma hora ela me odeia, na outra me admira, ou é indiferente. Com o tempo aprendi a lidar com isso.
— Devia ver como é lá. São duas horas de treinos, três vezes por semana, e é exaustivo. Eu sou tipo um bebê comparada à eles — já enrolei meu casaco e guardo na bolsa. Sinto Felina olhando para mim. É a primeira vez que digo isso em voz alta para alguém. Não é tipo "é um objetivo a alcançar, superar essa dificuldade". Estou mais para "preciso de apoio emocional, por favor, me ajudem senão vou desmaiar de exaustão!!!!!!".
Quando me viro Felina continua a me olhar. Está preocupada.
— Vai se acostumar. Sei como é. Sombria coloca pressão em mim, e agora mais ainda porque você saiu.
Levanto uma sobrancelha e chego mais perto.
— Jura? É capitã agora? — ela assente e dou um sorriso. — Parabéns! Eu acho. Não parece muito feliz com isso.
— Valeu — Felina passa a mão no cabelo e desvia o olhar, depois cruza os braços. — Só... prefiro não falar disso.
Também não quero falar mais. Foi bom dizer algumas coisas, sim, mas é complicado. Não é como se voltássemos à infância para contar tudo uma a outra. Jogando agora é um passo de cada vez. Estamos nos atualizando... né?
— Tudo bem então — falo. — Não temos que contar tudo.
— Tá.
— Ok.
Felina também está começando a suar. O vento deixa o cabelo dela todo desarrumado, e o meu também, mesmo amarrado. Ela não para de me olhar. E acho que estou olhando também, absorvendo tudo. É um silêncio bom, um pouco constrangedor, e necessário. Só não queremos continuar a partida. Não nós vemos faz quatro meses. Ela já parece diferente (num bom sentido) e eu também me sinto assim (mas eu estou os trapos).
Acho que sentimos saudades, só isso.
— Quem marcar cinco pontos primeiro vence? — digo quebrando o momento (se é que pode ser chamado de momento).
— Vamo lá.
...
UMA INTERAÇÃO DESSAS DUAS. EU OUVI UM AMÉM?
Quando eu comecei a escrever a fic não imaginava que demoraria tanto pra isso acontecer kkkkk acho que precisei desenvolver o que cada uma sentia primeiro antes de tuuuudo vir à tona.
Muito obrigada por continuarem a leitura até aqui!! Vocês são maravilhosos. O próximo capítulo deve sair na quarta-feira ou na quinta. Esses dias tenho provas e se não postar é por causa disso.
por falar na fic: vocês estão ouvindo a playlist no spotify? se não, é só procurar "Sucker Punch • Catradora" ou ir no meu perfil liviasantosm ou ir no meu link da bio kkkkk
eu sei que há muitas coisas acontecendo no mundo agora. eu já fiquei mal por causa disso, então espero que vocês estejam bem e se cuidando, mas também apoiando as causas e movimentos como #BlackLivesMatter!
2020 tá sendo um ano louco e com tudo isso eu aprendi que precisamos espalhar amor e respeito ao próximo! é disso que o mundo precisa.
e como chegamos em junho: HAPPY PRIDE MONTH 🏳️🌈❤️
um último aviso ksks: se você gosta de livros YA (adolescentes), romance, humor, alienígenas, músicas e etc, eu estou postando minha história autoral aqui no wattpad chamada "até a última estrela" ✨
por enquanto é só isso! até a próxima ❤️
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro