O medo do amanhã
— Hades? — perguntei chocado. Nunca havia imaginado um dos doze deuses principais dentro da minha casa.
Mas essa seria a consequência de minhas ações, sabia que não deveria ter ido até a delegacia. Fobos deveria ter me matado quando teve a chance, porque as coisas seriam mais fáceis.
Minhas pernas tremiam enquanto ainda estava no chão, mas arranjei forças de algum lugar dentro de mim e me levantei, agarrei a primeira coisa na minha frente e a empunhei, uma maçã, estava prestes a jogar contra Hades. Já havia perdido totalmente a razão. Acusei um deus menos e agora atacaria um dos deuses principais, o que mais causava temor nas pessoas.
— Não precisa disso... — murmurou com as mãos para cima, totalmente rendido. — Estou aqui para ajudar, se acalme.
A voz serena e melódica soou por toda a casa. Minha respiração foi ficando cada vez mais controlada, mas mesmo assim continuei com a guarda alta. Ficamos uns 5 minutos parados, um observando o outro, quando já iria abaixar a minha mão, Hades deu um passo em minha direção, agi no mesmo instante.
O som seco chegou em meus ouvidos em choque, arregalei os olhos quando vi que o outro segurou a maçã com precisão, como se já soubesse o que eu iria fazer e tivesse um reflexo perfeito. Não havia sido tão surpreendente ao se tratar de um dos doze deuses principais, mas mesmo assim, eu não esperava por isso.
Minhas costas colaram na parede e uma dor de cabeça súbita surgiu, assim como uma vontade de gritar, mas me segurei. Como se uma onda atingisse o meu corpo, eu soube o que estava acontecendo.
— Você mentiu... — sussurrei, já sentindo os meus olhos se encherem.
Seu rosto pareceu ter escurecido, seus olhos foram para a porta próximo de mim. Deu passos cuidadosos em minha direção, andava como se flutuasse. No meio do caminho, foi para a janela e afastou delicadamente a cortina, observando o lado de fora da casa.
O alarme de segurança tocou me ensurdecendo, rapidamente corri para o painel que ficava no corredor. Agora não era hora de temer. Mesmo que toda essa situação fosse insuportável, eu não quero morrer, então irei lutar com tudo o que tenho em minhas mãos.
Pelo painel observei as câmeras da área externa, encontrei Fobos do lado de fora, olhando fixamente para a câmera, como se soubesse que eu estava olhando para o lado de fora. Olhei para Hades, que mexia as mãos e encarava o exterior, parecia concentrado no que fazia. Os olhos brilhavam em um azul intenso e de repente uma chama azulada tomou conta de suas mãos, o ambiente ficou gelado ao ponto da respiração de Hades aparecer como uma fumaça suave.
Me afastei ainda mais, minhas mãos tremiam e eu sentia meus lábios tremerem com o frio súbito. Arranjando coragem de algum lugar, com passos precisos, andei até a porta; estava decidido a confrontar Fobos.
Assim que minha mão tocou a maçaneta, um arrepio subiu pela minha coluna; talvez pelo frio, ou talvez pela presença dos deuses. Tomei forças para girar a maçaneta e abrir a porta, mas não consegui abrir nem cinco centímetros. Hades empurrou a porta com certa brutalidade, trancou e murmurou palavras incompreensíveis para mim. Me agarrou pelos ombros e me puxou para longe da porta, me debati assim que ouvi as batidas brutas soaram por toda a casa.
— Me solta! — gritei tentando me soltar de seu aperto firme, mas ele não me soltou por nada e tomou cuidado para não me machucar. Me imobilizou com cuidado, evitando que eu mesmo me machucasse.
Minha respiração ofegante chamou a atenção do deus do submundo, ele logo me levou até o sofá e me sentou, agachou-se à minha frente e segurou a minha mão, mas a puxei, pois ainda não confiava nele e em suas ações. Seu suspiro me chamou a atenção, enquanto eu fazia um exercício de respiração para me acalmar.
— Eu não menti — disse em um tom calmo, seus olhos deixaram de ficar azuis e então ficou mais humano. — Fui enviado para te proteger.
— Mas você é o Deus do Submundo, condena os mortos, por que iria me proteger? — perguntei com a voz fanha.
— Porque eu sou um dos mais fortes e Fobos tem medo de mim, sou perfeito para isso.
— Deveria deixar ele me matar. — Ri sem humor.
— Por que quer tanto morrer? Acha que terá alguma paz? — perguntou com curiosidade nos olhos. — Os humanos reencarnam, se Fobos realmente quiser, poderá te caçar por todas as suas futuras vidas. Você não terá paz, mas posso te ajudar a conquistá-la.
O olhei nos olhos, seu sorriso ladino não me passava nem um pouco de confiança e eu sabia que não poderia acreditar em suas palavras. Um deus tentando me salvar de outro, ou então irá me entregar de bandeja. Não hesitei ao dizer:
— Vá embora — disse em firmeza. — Agora!
Jeon Jungkook, como havia dito ser o seu nome, apenas concordou com a cabeça levemente, se ergueu e estendeu a mão em minha direção, disse palavras em alguma outra língua. Franzi o cenho e me afastei levemente para o lado, meu peito doía, mas assim que as palavras ecoaram para os meus ouvidos a dor foi passando e o temor em meu corpo foi aliviado. Nunca havia me sentido tão bem nesses últimos meses, foi como se a influência de Fobos tivesse sido retirada de mim.
Mesmo assim, não confiaria. Jungkook ou Hades, ainda era um deus e talvez ligado à Fobos, pode estar tentando ganhar a minha confiança para facilitar a caça entre gato e rato entre mim e Kibum.
Hades terminou e me encarou com os olhos azuis, acenou com a cabeça e com um estalar de dedos, desapareceu da minha sala, deixando apenas uma pequena marca de queimado no tapete.
Suspirei de maneira cansada e decidi ir para o meu quarto, havia sido muita emoção por um dia só. Estava me sentindo muito bem, então aproveitaria para dormir de maneira decente pela primeira vez em muito tempo, não me lembro da última vez que dormi mais de três horas. Minhas olheiras estavam enormes e minha aparência pior ainda, quem sabe algum dia volto a ser o que era antes.
Assim que coloquei uma roupa mais confortável e deitei na minha cama, fechei os olhos já sentindo o cansaço me atingir, mas o medo de Hades ou Fobos voltar me atingiu, então pensei nas minhas — poucas — opções que haviam sobrado. Se Hades voltasse, provavelmente tentaria me convencer de que seria a minha única chance de salvação e me levaria até Fobos, e se Fobos voltasse eu estaria totalmente ferrado.
Já havia me contentado de que minha vida nunca mais seria a mesma aqui, Seul não é mais o meu lugar, então tentaria reconstruir uma vida em outro lugar, talvez me esconder por um tempo até que Fobos me esqueça, mesmo que Jungkook tenha dito que Fobos me caçaria onde quer que eu fosse.
Então, me levantei tomado pela certeza de que tomaria a decisão certa. Fui em direção ao meu guarda-roupa e peguei um grande mala que ficava guardada na parte superior do móvel, comecei a juntar todas as roupas que achei serem necessárias e alguns poucos calçados. Tudo o que iria ser necessário para recomeçar foi reduzido a uma mala grande.
A deixei no canto do quarto e peguei uma mochila, a mais resistente e espaçosa que tinha. Enfiei todos os meus produtos de higiene e outros objetos pessoais, não deixei de colocar dois dos meus livros favoritos — O mercador de Veneza e Orgulho e Preconceito —, além de meus documentos.
Juntei a mochila com a mala e deitei, dessa vez com a mente mais calma, assim como o peito mais leve. Não tinha certeza de qual seria o meu futuro, mas já me sentia esperançoso com o amanhã.
[...]
Acordar nunca havia sido tão difícil nesses últimos meses como hoje, dormi muito bem e consequentemente levantar da cama foi um desafio, mas ao lembrar do que eu iria hoje fez meu corpo produzir litros de adrenalina.
Tomei um banho gelado de maneira rápida, ainda estava cedo e estava frio, mas isso não seria um desafio. Me arrumei com roupas perfeitas para caso eu precisasse correr e fiz um café da manhã reforçado, engolindo até as migalhas para eu não me sentisse fraco.
Pesquisei pelo celular os horários dos ônibus que sairiam de Seul — estava muito em cima da hora para comprar uma passagem de avião —, o próximo ônibus sairia em meia-hora, logo eu precisava sair rapidamente de casa.
Chamei um motorista por aplicativo e peguei a mochila e a mala. Assim que eu coloquei a mão na maçaneta, ela estava fervendo. Queimou a minha mão e com um grito pulei para trás. Larguei as minhas coisas no chão e corri para a cozinha, colocando a minha mão com a palma avermelhada na água corrente.
Assim que voltei para a sala e me aproximei da porta, pude ouvir vozes, rapidamente reconheci uma delas: Jeon Jungkook ou Hades.
— Você não desiste? Larga do pé dele, o que Kim Taehyung tem de tão especial? — O ouvi dizer, provavelmente contra Fobos.
— Vai me dizer que não sabe? — Ouvi o outro rir. — Qual é... Esse Kim é bonito, tinha um bom emprego, era confiante, tinha um futuro lindo pela frente, pergunte a Moros, ele gosta de falar do destino dos humanos por aí. Me contou várias coisas, até você foi citado, chega a ser engraçado, porque-
Franzi o cenho estranhando essa conversa, não imaginei que Fobos seria alguém tão... comunicativo.
O calor aumentava a cada minuto, acredito que Hades esteja ficando nervoso com alguma coisa. Ele, sendo superior de Fobos, pensei que saberia lidar com ele com mais facilidade.
— Cala a boca! — gritou o Jeon. — Você não sabe de nada, não conhece nada! É só um imbecíl que se acha grande sendo um dos filhos de Ares. Quer fazer algo grandioso para superar seus irmãos, né? Eros é amado por todos os humanos e Deimos, seu gêmeo, está sendo de grande ajuda aos pesquisadores que procuram entender o medo humano. E você? Está querendo ser reconhecido pelo o quê?
Hades riu e notei uma sombra por debaixo da porta, dei um passo para trás, mas assim que notei uma luminosidade azulada passar por debaixo, imaginei ser o Jeon. Mas, mesmo assim, fiquei afastado o suficiente para continuar ouvindo a discussão.
— Você não entende? — A voz de Fobos se tornou mais profunda, ao ponto de me sentir arrepiado e as minhas mãos tremerem. Meu corpo reagia automaticamente a ele, o medo sempre me tomava. — Isso não é sobre Kim Taehyung, é sobre você.
— Eu não quero saber, vá embora! — Jeon se tornou afobado.
— Não quer que ele escute, né? Sabe que ele está atrás dessa porta, tremendo, ofegante... Como será que ele reagirá se sou-
— Não! — gritou e em seguida passou a falar em outra língua.
As janelas estavam fechadas, mas o ar dentro da casa ficou agitado. E de repente, ao invés de calor, todo o ambiente ficou extremamente frio, tão frio que a minha pele arrepiou novamente e a minha respiração ficou visível em forma de fumaça.
Me abracei para me esquentar, o ar agitado atingia o meu rosto como finas agulhas. As paredes tremiam e até umas folhas começaram a voar. Me desesperei com que poderia acontecer, então apenas me encolhi em um canto, tentando me proteger do vento, dos objetos que voavam e até mesmo do frio.
Aquilo de fato era obra de Jeon Jungkook e a minha curiosidade para saber sobre o que Fobos estava falando para o atingir deste jeito só cresceu.
Mas então, de repente, tudo parou. O vento, o frio e os objetos atingiram o chão. Mas eu permaneci agachado, me abraçando.
Esperaria um tempo, para ter certeza de que Hades e Fobos foram embora e então continuaria com os meus planos.
Peguei o celular do bolso e conferi a programação dos ônibus novamente e suspirei ao notar que o que eu pegaria sairia em menos de 5 minutos e o próximo sairia em 1 hora. Teria que esperar mais.
Então observei a casa toda bagunçada, vendo tudo o que eu me esforcei para construir, organizar ou ter destruído. Tudo estava jogado no chão como se fosse lixo. Senti meus olhos lacrimejarem, pois nem a minha casa consegui manter intacta, minha vida realmente havia ficado de cabeça para baixo.
Não me impede de chorar, porque não havia mais ninguém comigo. Era apenas eu e a solidão, que já tinha se tornado uma velha amiga.
Me deixei ficar no chão frio, bagunçar ainda mais o meu cabelo e afrouxar a gola de meu casaco. Me permiti colocar tudo para fora, porque não tem como ser forte o tempo todo e está tudo bem. É como dizem: melhor para fora do que para dentro.
Não sei ao certo quanto tempo fiquei naquela situação, mas quando me dei conta, não havia mais lágrimas para serem choradas e Jeon Jungkook já havia retornado.
Não imagino como, mas ele já estava dentro da minha casa, sentado no sofá como se fosse mais um dia normal e me observava com uma feição de pena.
"Pena", eu simplesmente odeio isso!
— Para de me olhar assim — murmurei com a voz rouca, desviando o olhar.
O ouvi suspirar e se levantar, seu sobretudo pesado fez barulho a cada passo que deu em minha direção, até que parasse em minha frente, ele agachou e segurou delicadamente a minha mão com a sua gelada, me causando um arrepio discreto.
— Está mais calmo? — perguntou, com a voz calma e baixa.
Pensei em puxar a minha mão de volta, mas o seu toque me acalmou levemente e não me incomodou de fato, então apenas permeti.
Assenti, mas continuei calado e sem olhar diretamente para o seu rosto. Lembrar de seus olhos azuis me deixam com o estômago pesado.
—Me desculpe pela discussão, você não precisava ouvir tudo aquilo.
— Sobre o que ele estava falando? — perguntei, deixando com que a minha curiosidade tomasse o meu corpo. — O que ele tem contra você?
— Ele só falou bobagens, qualquer coisa para te atingir ou me atingir, porque fui designado para cuidar de você. — Ele suspirou e se levantou, me fazendo ficar de pé também. — Houve uma reunião com os doze principais e eles ficaram preocupados, por isso um de nós, no caso eu, foi designado para cuidar de você até que algo fosse decidido para contra Fobos.
Me soltei de si e fui em direção ao sofá, onde joguei o meu corpo, suspirando. Estava cansado e chateado, me sentindo uma criança que precisa ser acompanhada e cuidada. Decidi acreditar nele, mas não irei confiar em si. Ficarei com o pé atrás. Ele é Hades, deus do Submundo e o que mantém a sua vida a mais particular possível, não há como saber como é a sua personalidade.
Olhei de canto para a mala e mochila no chão, disfarcei olhando para as minhas mãos. Mas notei quando ele olhou para a direção das minhas coisas no chão, suspirei novamente e me encolhi contra o estofado, já esperando o momento em que ele iria brigar comigo.
— Não preciso de nenhum sermão — murmurei cutucando as minhas cutículas.
— Não irei brigar com você, mas se pensava em fugir, saiba que é uma ideia burra — disse se sentando ao meu lado.
— E por quê?
Ele se acomodou, como se estivesse incomodado com algo e passou a encarar a televisão desligada.
— Porque ele iria te encontrar de qualquer maneira. Onde quer que você fosse, ele te encontraria — disse com a voz profunda, com uma raiva implícita. — Você tem outras opções melhores. Eu posso te ajudar!
Ri sem humor e finalmente o olhei, vendo que seus olhos estavam escuros e não azuis, mas estava pálido, mais do que ontem. A boca estava arroxeada e as mãos agitadas, mas seu semblante era da mais pura calmaria.
— E como você pode me ajudar? — perguntei, observando como o seu cabelo escuro contrastava a pele branca, fazendo uma combinação interessante.
— Eu tenho uma casa aqui em Seul, é seguro e grande o bastante para nós dois. Ele não te encontraria lá e nem ousaria se aproximar.
— Eu? O quê?
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