Cap. 5: As aparências sempre enganam
Na delegacia, Berwanger entrou na sala, deixando a xícara de café em cima da mesa e se deitou na cadeira acolchoada para descansar, já que acabara de chegar de uma investigação.
ㅡDoutor... - Alice o chamou abrindo a porta devagar e permitindo que somente seu rosto aparecesse no campo de visão do chefe.
ㅡ Ah! Alice, pode entrar. ㅡ disse ele, endireitando sua postura na cadeira. ㅡ o que me traz de novo?
ㅡDaqui a...
ㅡDois dias, Daqui a dois dias ㅡ Ele entrecortou-a rapidamente, completando a frase como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
ㅡ Vamos esperar, os exames de corpo de delito das vítimas do final de semana passado ainda não chegaram.
ㅡ Sim, isso é compreensível, afinal temos um psicopata pintando e bordando todo final de semana.
ㅡNão por muito tempo, uma hora ou outra ele cai do cavalo. As máscaras caem, mais cedo ou mais tarde.
Olhos arregalados, corpo paralisado, boquiaberto e sem ação. Tudo se resumia nisso. Não conseguia sequer respirar. A expressão de pânico era visível diante do que pairava em seu campo de visão. O sangue ainda quente que desenhava as letras fantasmagóricas agora as deforma escorrendo até o chão.
De onde brotara tanto sangue?!
Quando se deu conta o líquido já batia em sua cintura, não teve tempo de sequer pensar, pois quando em poucos segundos, já estava submerso. Numa tentativa frustrada de tentar se salvar debatia-se, desesperado. O sangue entrava, contra sua vontade, em sua garganta, o fazia sentir ânsia mesmo afogando-se. Era o fim. O seu Fim.
ㅡAdray! ㅡ A voz de Hide se fez ouvir em sua mente e tudo se foi, o sangue, os dizeres da parede, os corpos, tudo, pelo tom usado não era a primeira vez o outro o chamara.
ㅡ Desculpe... ㅡ Foi a sua, confusa e involuntária, resposta. Voltou a encarar a parede onde supostamente vira aquilo ㅡ por que isso agora? ㅡ pensou.
ㅡPróximo. ㅡo diretor anunciou e eles se dirigiram - de cara fechada ㅡa sua mesa, e para alegria de uns e repugnância de outros a adorável ㅡtalvez, não tão adorável assim ㅡ presidente do grêmio estava lá também.
ㅡBom dia. ㅡ Disse ela
ㅡSó se for para você. ㅡ A resposta rápida, dita num grosso tom propositalmente por Adray, fez Michelle erguer um olhar de pura arrogância. Ele deu de ombros.
ㅡ Sim, nós decidimos de última hora. ㅡ A resposta mais educada de Hideki, veio numa frustrada tentativa de aliviar o clima pesado que acabara de pairar no ar. Contudo, não surtiu efeito. Os dois saíram sendo fuzilados pelo olhar de Michelle.
Fora da diretoria e no corredor para a sala Adray recebia o olhar de reprovação de Hide, que estava claramente, revoltado.
ㅡ Você sabe que isso não vai funcionar comigo.
ㅡ Qual o seu problema?
ㅡ Não ligo se você está a fim daquela garota. Eu não gosto dela, ponto.
ㅡ Você a julga por causa daquele dia na quadra é isso?
ㅡ Basicamente.
ㅡ Ela usa drogas, caramba! ㅡ o bravejo de Hide no corredor fez Adray engolir em seco. Uma resposta daquela tão impensada demonstrava o quão revoltado seu amigo estava.
ㅡ Naquele dia ela... ㅡ Ao perceber o outro grave erro que cometera, ele não completou, somente trocou suas palavras rapidamente. ㅡ Não a julgue, você não a conhece. ㅡ completou com ímpeto.
ㅡ Desculpe, vamos para a sala. ㅡAdray seguiu a frente do amigo, não conseguia olhar em seus olhos, precisava se desculpar. Mas antes, precisava saber mais sobre a adorável e perfeitinha presidente do grêmio e o faria assim que possível.
Mais tarde, no intervalo, os amigos estavam sentados no refeitório discutindo sobre o que acontecera mais cedo e, desde o início da semana, o nome que mais se pronunciava ali era aquele que outrora Adray nem queria ouvir. Agora ele somente se martiriza.
ㅡ Não acredito nisso.
ㅡ Não se culpe, você não sabia de nada.
ㅡ Como ela...
ㅡ Ela tem uma família muito exigente, querem uma filha exemplar na escola e fora dela. Tem que ser a melhor em todos os sentidos; quando ela não corresponde as expectativas é castigada.
ㅡ Castigada como? ㅡ A última frase despertou sua curiosidade. Ele encarou o amigo, como se a resposta fosse salvar alguém da forca.
ㅡ Agredida ㅡHide cerrou os os dentes, fechando as mãos em punho ㅡEla é constantemente agredida. Isso e mais os problemas psicológicos e a carência nunca sanada fez ela sucumbir ao vício. ㅡ Adray ficou abismado, não conseguiria digerir isso tão cedo. O pior é que ele só agravou a situação ㅡPor que ela não reage? ㅡ a pergunta de Adray fez Hide estreitar o olhar para ele.
ㅡ Acha que ela consegue? Acha que é fácil? Ela vive numa prisão sem grades, numa penitência sem fim, num lugar cheio de podridão e palavras insensíveis. Não há como fugir de algo que está na sua própria casa. Como fugir de algo que sempre vai te alcançar?
É impossível ㅡpensou Adray
ㅡ E ainda por cima, ter que manter as aparências de boa menina, a herdeira da família Lombardi, a família perfeita ㅡFalou com desdém.
Adray por sua vez, entendia mais do que ninguém o que Michelle passava, entendia o que era mentir e manter uma máscara 24 horas por dia. Num mundo como este, isso era normal, porque, no final das contas, as aparências sempre enganam.
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