Capítulo 8
À mão livre
Sentindo as pernas bambas e o coração disparado, Diego, saiu da pet shop totalmente desnorteado, trombando em algumas pessoas na calçada e ouvindo alguns xingamentos no processo, mas ele não deu muita atenção para a grosseria alheia, seu único objetivo era tentar entender o que tinha acontecido naquela loja.
Depois de caminhar sem rumo por alguns minutos, Diego encontrou um ponto de ônibus e se sentou no banco vazio, dando um descanso para o seu corpo trêmulo. O jovem não sabia o motivo de todo esse alarde em seu sistema nervoso, mas apostava que a culpa disso era daquele brutamonte, que o encurralou com um sermão muito ameaçador sobre como ele deveria tratar a sua Maluzinha.
Todo o seu plano parecia ter ido ladeira abaixo no segundo em que ele encontrou a artista e dona daquele caderno, afinal, era não era nem de longe o que ele estava esperando. Mas ainda assim, era ela quem tinha o poder de fazê-lo ascender ou cair de um penhasco na carreira.
— Ei cara, você está bem?
As sombras que se projetaram na calçada que ele tão avidamente encarava, fizeram Diego erguer a cabeça e notar que estava sendo alvo da curiosidade de dois homens. E ele começou a se perguntar se estava resmungando em voz alta, parecendo um completo maluco solto pelas ruas da cidade. Mas, então, ele percebeu que o homem que tinha lhe feito aquela pergunta parecia familiar.
— Você é o cara da editora, não é? — Diego perguntou ao homem de macacão jeans e tênis vermelhos.
— Isso, o Guilherme. — ele pareceu preocupado e trocou um olhar com seu parceiro. — Você está bem?
— Estou, estou sim... é que...
— Passou a noite na balada e os efeitos do Corote não passaram, né? — o segundo homem, com traços orientais e pele bronzeada, que usava uma camisa xadrez e carregava uma mochila preta, disse com um sorriso irônico.
— Lucas, menos... — o Guilherme repreendeu seu amigo.
— Eu não estava na balada. — Diego se defendeu com espanto pela ideia do tal Lucas.
— Mas está com cara de quem precisa de um café, um banho e uma soneca. — o asiático disse sem rodeios.
— Nisso não dá para discutir, amigo. — Guilherme falou com um sorriso divertido para Diego. — Tem um café ali na esquina, vamos lá melhorar essa sua aparência, antes que o Gera-Chato te demita de vez.
O companheiro de trabalho que Diego conheceu há menos de 24 horas atrás e seu amigo, aquele sem papas na língua, o arrastaram para uma pequena loja com cheiro de chocolate derretido, e se sentaram lado a lado bem à sua frente, fazendo com que o rapaz se sentisse em um interrogatório ou uma entrevista de emprego, daqueles repletos de silêncios propositais.
— Então... vocês não deveriam já estar no trabalho? — o assistente de marketing perguntou depois de se sentir constrangido demais.
— Eu não sou registrado, então como "benefício" — Guilherme fez o sinal de aspas no ar. —tenho horários flexíveis.
— E eu pulei as primeiras aulas na faculdade. O professor tem mania de cuspir enquanto fala. — Lucas disse em tom blasé, enquanto acenava para o garçom.
— E você? — seu colega de editora perguntou.
— Eu? — Diego não sabia muito bem o que responder, já que revelar seu plano mirabolante só lhe renderia uma dose de humilhação, então, ele optou por dizer uma meia verdade. — Bem, eu estou no trabalho... O Geraldo às vezes me pede para fazer serviços externos, umas coisas chatas, sabe?
— Vindo daquele mala, nada pode ser legal. — Guilherme disse com certo desprezo na voz. — Menos aquele lance da competição, isso sim foi bem legal...
— Uma competição naquela editora de gente velha? — Lucas perguntou curioso e meio descrente. — Vai ser tipo uma pelada? O time de Finanças contra o de Direito?
— Você não deveria falar mal da sua futura empresa. — o artista descolado provocou seu colega.
— Deus me livre! Esse é o meu plano D, de desesperado, Guilherme! Vou continuar procurando estágio em outro lugar.
Um garçom, que deveria ter quinze anos, chegou para entregar os cardápios e interrompeu a conversa na mesa. Guilherme e Diego pediram um café simples, mas Lucas escolheu quase todas as opções do lugar.
— O que foi? Eu voltei para a academia. — o oriental se defendeu dos olhares que recebeu e logo mudou de assunto. — Ah então, não fomos apresentados direto cara, mas se souber de alguma vaga para jornalismo, me dá um toque.
— Eu sou o Diego, sou do marketing. — ele sorriu de forma educada, mesmo tendo achado o Lucas um folgado. — Se souber eu falo sim.
— Valeu cara. Estou tentando entrar na área faz tempo, mas agora no final do curso é vai ou racha. — o rapaz pareceu melancólico, mas dispersou essa expressão rapidamente. — Mas e essa história futebol?
— Não, não futebol. E é só uma besteira... — Diego começou a explicar sua situação, mas foi parado por um Guilherme ansioso.
— É que o nosso amigo aqui, desafiou a diretoria da editora para que eles lançassem algo diferente dos livros técnicos e o nosso chefe pé no saco não ficou muito contente com essa coragem do menino, então, se ele não apresentar alguma coisa na próxima reunião será demitido.
Lucas ficou admirado com o cara à sua frente, ainda mais por ele ter essa pinta de mauricinho criado com leite de pera, mas se absteve de comentar alguma coisa, afinal, um cara desses sempre parecia carregar uma carta na manga, igual aos mágicos pilantras que andavam pelas ruas.
— Mas você já deve ter uma ideia brilhante, então, não é Diego? — o futuro jornalista perguntou.
O olhar expectante dos dois poderia ter feito Diego se encolher em posição fetal debaixo daquela mesa, enquanto chorava mais do que um bebê, afinal, seu encontro com a Malu tinha sido basicamente um desastre e sua chance de crescer profissionalmente parecia estar correndo para se jogar dentro de uma lata de lixo. No entanto, ao invés de seguir para a Alameda das Lamentações, jogando a toalha e hasteando a bandeira branca, Diego viu diante de si uma oportunidade.
— Não é brilhante, mas eu acho que poderia dar certo... — ele começou, tentando dar luz à sua ideia repentina. — E vocês poderiam me ajudar...
— Ajudar como? — Guilherme perguntou curioso e aparentemente interessado.
— Com a parte visual e artística. — Diego apontou para seu colega na Benini. — E com o roteiro e revisão de texto. — foi a vez de Lucas entrar na mira dele.
— E isso seria para...? — Lucas perguntou com um pé atrás.
— Uma revista em quadrinhos. — a resposta foi firme.
— Gostei da ideia! — Guilherme sorriu, já imaginando a cara de nojo do chefe deles. — Minha priminha adora essas coisas geeks, acho que vai ser um sucesso.
O entusiasmo de Guilherme contagiou Diego e ele começou a acreditar novamente que as coisas dariam certo. E talvez ele nem precisasse de Mau e seu caderno recheado de pura criatividade, já que ali ele tinha um trio que poderia dar conta desse projeto.
— E qual vai ser a história da revista? — a pergunta feita em tom sério e profissional por Lucas, fez com que Diego repensasse a primeira impressão que teve dele.
— Super-heróis. Talvez uma heroína... — o desenho daquele caderno apareceu na mente de Diego imediatamente.
— Vai ter bastante material para explorar... Essa onda pop é bem abrangente. — Lucas comentou e iria abordar mais um tópico, quando foi interrompido por seu amigo.
— Acho bem legal e tudo Diego, mas, trabalharíamos para a editora? Para você? Como funcionaria?
Muitas pessoas assumiam que Guilherme era do tipo desapegado, da vibe relax paz e amor, mas só quem convivia com ele sabia que o rapaz era o completo oposto. E como um profissional autônomo, ele costumava ser um pouco cauteloso com sua vida financeira.
— Você está falando de dinheiro? — Diego perguntou um pouco surpreso.
— E não é isso o que move o mundo? — Lucas rebateu com um toque de sarcasmo. — Já dizia minha tia Didi que de graça, nem relógio trabalha!
O grande arquiteto desse plano de publicação não sabia como responder aos dois, já que de fato, ele próprio não tinha onde cair morto. A não ser que ele pedisse um empréstimo ao seu irmão, mas só esse pensamento o fez sentir um peso no estômago, então, ele olhou ao redor e viu um daqueles quadros com frases motivacionais preso em uma das paredes do café e um pequeno discurso começou a se formar em sua mente.
— Sua tia está certa, Lucas, mas, grandes ideias e inovações não saem de um caixa eletrônico, elas vêm primeiro dos nossos sonhos. — Diego bateu um dedo em sua cabeça para enfatizar seu ponto. — E vocês já começaram a sonhar comigo, estava estampado no rosto de vocês. E nós podemos transformar essa revista, esse nosso sonho, em algo grande. E aí sim, nós iremos aos bancos, como o próprio Leonardo DiCaprio. Eu só peço que vocês sonhem junto comigo.
Na escola, Diego adorava fazer parte de debates e seu pai costumava dizer que ele tinha o dom natural de vender gelo para esquimó com facilidade. No entanto, ele nunca colocou muita fé nesse talento, mas diante do olhar no rosto dos dois rapazes, Diego percebeu que eles compraram muito bem suas palavras otimistas.
— Tudo bem, acho que posso fazer isso fora do expediente. — Guilherme estava animado com a ideia de fazer um trabalho diferente, mas também um pouco amedrontado com algo que poderia simplesmente fazê-lo perder seu tempo.
— Eu estou desempregado mesmo... — Lucas disse dando de ombros. — Mas olha, não quero ver você sumir depois que essa revista bombar hein?! Não vai dar uma de Aladim, puxando o nosso tapete!
Lucas notou o entusiasmo de seu parceiro e não queria abandonar o barco, o deixando sozinho com um remo que poderia muito bem estar quebrado. Então, mesmo tendo uma certa preocupação com esse jeito trator de Diego, ele decidiu aceitar.
— Prometo que vou ser mais transparente do que água cristalina. — Diego disse com um sorriso vitorioso. — Então a gente pode começar quando?
Mil ideias começaram a invadir a mente do jovem publicitário, mas assim como um castelo de cartas no meio de uma ventania, tudo desabou um segundo depois.
— Quando tivermos um ilustrador no grupo. — Guilherme disse cruzando os braços e se ajeitando na cadeira. — Eu sou designer gráfico, mas essa parte mais artística não é comigo.
Diego olhou esperançosamente para Lucas, mas a resposta dele foi tão desanimadora quanto à de Guilherme.
— Eu mal sei desenhar boneco de palito, cara.
— Sem um ilustrador, não conseguimos sair do lugar. — Guilherme constatou.
— Posso procurar alguém na faculdade, o amigo de um amigo pode se interessar. — Lucas se ofereceu para ajudar.
Diego queria procurar outras alternativas, mas dada a sua urgência e sua teimosia, que marcaram a ferro e fogo em sua mente os desenhos de Malu, ele percebeu que para seu projeto ser o sucesso que estava prometendo, ele precisaria fazer o que fosse preciso para convencer a Sininho a se juntar ao seu esquadrão.
— Não, eu já tenho uma pessoa em mente...
O celular de Lucas, que estava sobre a mesa, começou a apitar freneticamente e a pergunta que ele estava prestes a fazer, ficou em terceiro plano.
— Ai merda! O professor Babão vai dar uma prova! Preciso voar para a faculdade! — em poucos segundos, ele já tinha recolhido as suas coisas e antes de sair como um furacão, plantou um beijo nos lábios de Guilherme.
Um silêncio caiu sobre a mesa e Guilherme se sentiu um pouco constrangido pelo olhar perdido de Diego, sem imaginar que na verdade, ele estava pensando na atendente de uma pet shop.
— Te incomoda isso? Que nós sejamos, ahñ, um casal?
Diego demorou um pouco para entender a pergunta de Guilherme, mas quando as palavras se encaixaram em sua mente, ele ainda estava confuso.
— O quê? Não, não... Por que incomodaria? Vocês ainda são os mesmos caras que eu acabei de conhecer e que se ofereceram para me pagar um café.
— Eu não falei que ia te pagar um café. — Guilherme respondeu sentindo alívio, porque muitas pessoas ainda eram relutantes em aceitar seu namorado.
— Eu ouvi algo assim... E como o Lucas foi embora, acho justo eu ficar com o pedido dele.
Quando Guilherme ouviu na empresa sobre o secretário que tinha se imposto diante de todos os Manda-Chuva ele não imaginou que poderia acabar gostando verdadeiramente do cara.
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E aí o que acharam desses dois? Estão gostando da história?
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