Capítulo 6
Vértices
Na noite anterior, Diego tinha feito sua lição de casa e sabia o passo a passo para que uma HQ surgisse no mundo. E foi com a confiança de quem sabia tudo, que o jovem partiu para o seu trabalho assobiando e sorrindo para todas as pessoas no metrô abarrotado, ignorando os olhares hostis e irritados para o seu lado.
O jovem tinha acordado naquela manhã com a atitude positiva que todo coaching prega em seus discursos, no entanto, como a realidade costuma pregar peças em qualquer expectativa, Diego foi recepcionado em seu trabalho com um dos lendários humores do chefe, o famoso fogo pelas ventas.
— Diogo, venha ao meu escritório. — o homem gritou de sua mesa, quando viu através das persianas levantadas, seu assistente sair do elevador.
Mentalmente Diego o corrigiu e se perguntou se o sonho infantil do Geraldo era ser locutor de rádio, porque até o prédio vizinho pôde ouvir aquele chamado com tom de bronca. E por causa disso, o jovem caminhou rapidamente em linha reta até a sala do chefe, fazendo o possível para evitar contato visual com seus colegas de trabalho.
— Bom dia senhor. — o assistente cumprimentou o homem atrás da mesa, antes de fechar a porta da sala.
— Sim, sim, que seja. — Geraldo transbordava impaciência, enquanto analisava alguns documentos à sua frente. — Eu preciso que você limpe minha agenda para o dia. Vou fazer uma visita aos fornecedores... tentar arrumar essa bagunça nas finanças.
— Reagendo os compromissos ou apenas cancelo?
— Reagende. — o chefe ainda não tinha levantado os olhos dos papéis.
— Certo. Vou fazer isso. — o jovem colocou a mão na maçaneta, acreditando que a conversa já tinha acabado, mas outro pedido atrapalhou sua fuga.
— Leve aqueles meus sapatos para engraxar. — ele apontou para uma sacola de papel em cima do sofá que ficava no canto oposto da sala.
O jovem caminhou com precisão, na tentativa de sair o mais rápido possível da presença do chefe, mas assim que se aproximou da sacola, ele sentiu uma dor repentina em seu calcanhar esquerdo.
— Mas que cacete?! — o rapaz gritou agarrando seu ferimento com uma mão enquanto assistia à pequena bola de pelos brancos da Chanel tentar chegar novamente ao seu pé com aqueles dentinhos finos e cruéis.
— Ah sim, outra coisa rapaz... Minha esposa decidiu ir para Miami esta manhã e não conseguiu levar a cachorra. Preciso que cuide dela.
Diego sentiu uma dose de desgosto com sabor amargo descer pela sua garganta, enquanto encarava aquela cria do mal, e não só porque o bicho parecia ameaçá-lo com aqueles olhinhos pretos, mas também porque aparentemente seu chefe estava se vingando dele com muita sutileza.
Afinal, o que é melhor para colocar seu funcionário no lugar, do que torná-lo a babá do cachorrinho de madame de forma permanente, para que todos vissem?
— Eu vou, hum... é... eu devo fazer isso pelo resto do dia? — Diego perguntou com receio da resposta e de ser atacado novamente pela Chanel se fizesse algum movimento brusco.
O chefe levantou a cabeça com um olhar confuso que deu lugar a algo diabólico no segundo em que ele encarou o seu assistente rebelde com cara de enjoado.
— Já que você se ofereceu, Diego... Acho uma ótima ideia. Minha esposa volta em quinze dias e eu não vou ter tempo de ficar carregando a Chanel para cima e para baixo durante as reuniões que eu planejei.
A palidez que atingiu o rosto do jovem, foi o suficiente para aliviar o humor que Geraldo sentia desde a reunião do dia seguinte, e ele fez o possível para um sorriso divertido não estragar a sua fachada de irritação. O executivo não tinha a intenção de pedir algo assim ao jovem, a Chanel era preciosa demais para ser tratada como um mero saco de batatas, e além disso, sua filha já estava pronta para assumir o compromisso de cuidar da cachorrinha, mas ver o menino engolir a seco o divertia, e ele não pôde se conter em lhe pregar uma peça.
— Entendido, senhor. — Diego pensou em um milhão de respostas ao estilo Rochelle que ele poderia dar ao Geraldo, mas ao final, ele se resignou com sua realidade de assalariado. — Vou cuidar da Chanel.
— Ótimo!
O chefe dispensou o seu assistente com um abanar de mão, quando seu telefone começou a tocar, não dispensando nenhum outro olhar para Diego. O assistente então, enfrentou a pequena criatura aos seus pés e num rompante, percebeu que talvez aquela situação não fosse tão ruim quanto pareceu-lhe de início, já que à sua frente, estava um belo motivo para ele retornar àquela pet shop.
Ele só precisava de uma desculpa para levar aquela bolinha de pelos para um novo banho.
Geraldo estava distraído com a sua ligação e não percebeu o plano mirabolante que Diego desenvolveu ao visualizar um vaso de plantas na mesa em frente ao sofá. A cena seguinte pareceu algo tirado de uma sitcom clichê, com o jovem esbarrando propositalmente no arranjo, fazendo com que um belo punhado de terra se espalhasse pelo tapete geométrico da sala e como se não fosse o suficiente, Diego agarrou a pequena criatura e a depositou logo acima daquela bagunça.
Chanel, como todo bom cão ativo e cheio de energia, não perdeu tempo em rolar por sobre as folhas verdes e a terra úmida de uma rega recente.
— Não, Chanel! Menina má! — Diego fez uma performasse de indignação e desespero que poderia muito bem ter lhe rendido um Framboesa de Ouro.
— Com licença, um minuto. — Geraldo disse educadamente para o telefone, antes de se dar conta da catástrofe que aconteceu bem debaixo do seu nariz. — O que aconteceu?!
— Ela pulou no vaso e fez essa lambança toda. — o assistente disse com uma tranquilidade inacreditável.
— E você está parado aí esperando o quê? — o chefe esbravejou. — Tira a Chanel dessa sujeira! Faz alguma coisa de útil, garoto!
Diego percebeu que o nível de grosseria do chefe estava prestes a se elevar, então, ele decidiu acelerar as coisas e prontamente, mas com muito cuidado para evitar mordidas dolorosas, ergueu a figura agora encardida da cadelinha no melhor estilo O Rei Leão para que o Geraldo pudesse dar a cartada final do jogo que ele armou, caindo como patinho em seu plano.
— Ela ficou parecendo um pano de chão! — o diretor executivo pareceu se lembrar de que ainda tinha uma pessoa esperando na ligação e que ela certamente estava ouvindo os seus berros, por isso ele abaixou o tom de voz e cobriu o aparelho. — Leva ela para tomar um banho e depois limpa essa bagunça.
Diego queria muito comemorar, talvez com a mesma risada maléfica de um vilão de desenho, mas o rosnado da cachorrinha bem próximo ao seu rosto o lembrou de que nem sempre o Pica-Pau se dava bem com seus planos, então ele decidiu sair de cena enquanto estava sendo o vitorioso na história.
O assistente então, abraçou a Chanel com cuidado e partiu da sala do chefe, mas não sem antes observar o homem reclamar ao telefone de seus funcionários incompetentes. Depois de fechar a porta atrás de si, Diego percebeu que todos os seus colegas de trabalho o encaravam e ele preferiu pensar que a reação deles era por causa da cadelinha que limpeza seu focinho na camisa branca dele, e não por estarem coletando material para suas fofocas com os gritos do chefe.
Sentindo um constrangimento incomum, o rapaz marchou para o elevador tentando apenas se focar na grande tarefa que ele precisaria realizar em seguida, treinando mentalmente as suas falas e rezando para que ninguém naquela loja o acusasse de ser um ladrão furtivo.
Ao chegar na pet shop, Diego se deparou com uma placa de "fechado" na porta de vidro, mesmo que ele pudesse ver as luzes acessas dentro da loja. E ele até pensou em se sentar na calçada e esperar, mas em seguida, ele viu uma pessoa perambular pelos corredores de comida para gatos e num impulso, ele começou a bater descontroladamente na porta de vidro.
A pessoa que estava lá dentro viu o jovem com uma expressão angustiada no rosto e a cachorrinha se contorcendo em seus braços, lançando alguns ganidos no processo, e com a composição dessa cena, percebeu que aquilo certamente só poderia ser uma emergência. Ao menos foi isso o que Diego imaginou, já que a atendente em instantes estava abrindo a porta para que ele entrasse.
— Oi bom dia! — a jovem o recepcionou com um grande sorriso simpático, que por segundos hipnotizou o rapaz antes dela avançar para acarinhar o cachorro. — O que aconteceu com essa coisinha fofa? Precisa de uma consulta médica?
A funcionária da loja aparentava estar na casa dos vinte e tinha alguns centímetros a menos do que ele, cabelos curtos e escuros, que fizeram Diego se lembrar de uma versão da Sininho.
— Não, não...ela está bem... Só rolou na terra. — ele respondeu, tentando impedir que a Chanel pulasse do seu colo.
— E acabou te sujando também. — ela apontou para o peito franzino do rapaz. — Bem, o nosso banhista ainda não chegou, mas eu posso deixar o seu cachorrinho no alojamento e tentar te encaixar para o horário da manhã ainda. Pode ser assim?
O tom profissional da jovem não era frio, desagradável ou forçado e Diego se perguntou se alguma vez já havia sido atendido por ela naquela loja, porque ele sinceramente não conseguia se recordar disso.
— Pode. Perfeito.
— Certo. Como está vazio, eu já posso deixar...
— A Chanel, o nome é Chanel. — ele completou o silêncio incentivador da Sininho.
— Isso...Eu posso deixar a Chanel nos fundos antes de preencher o cadastro.
Diego se sentiu como um boneco de posto, todo descoordenado quando a jovem fez menção de recolher a cachorrinha dos seus braços e sem saber como, os dois acabaram chocando suas cabeças no processo de evitarem contato visual, com ambos focando sua atenção na Chanel com sua minúscula língua ofegante para fora.
— Ai! Me desculpa. — ele disse com mais uma dose de constrangimento em seu dia.
— Não tem problema. Isso costuma acontecer. — se o tom rosado em sua face fosse um indicador, a funcionária estava envergonhada. — Bem, eu vou levá-la.
Dessa vez, a própria Chanel pulou para o colo da atendente evitando mais uma cena esquisita entre os jovens. Mas Diego poderia jurar que viu deboche nos olhinhos da cadelinha. No entanto, assim que a Sininho lhe deu as costas, o rapaz voltou a ter controle das suas faculdades mentais e percebeu a chance de ouro que tinha nas mãos.
Com uma velocidade de dar inveja ao próprio Flash, Diego pescou em sua bolsa o caderno de desenhos que tinha surrupiado ontem desse mesmo lugar e o colocou sobre o balcão de atendimento da loja, cobrindo sua capa com os antebraços, ao apoiar-se sobre ele, na tentativa de manter uma pose natural.
— Se você quiser usar o banheiro para tentar limpar sua camisa... — a atendente retornou com um pano limpo nas mãos.
— Ah obrigada... — Diego usou o mesmo artifício de um silêncio que ela.
— Malu. — ela respondeu, se aproximando para oferecer o pano.
— Você é muito gentil, Malu. E se eu puder abusar da sua boa vontade... Poderia me dizer de quem é esse caderno?
Diego revelou o caderno que estava oculto e assistiu à reação da Sininho passar de choque à vergonha em instantes, antes que ela pudesse enfim responder com um sussurro.
— É meu.
><><><
Quem estava esperando esse momento?
Me deixem o feedback de vocês, por favor! Quero saber se estão gostando!
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