Capítulo 22
Gramaturas
— Cara, você perdeu o retorno.
Diego estava no piloto automático, apenas olhando para a estrada iluminada pelos faróis do carro. E com o silêncio de seu carona, ele tinha deixado sua mente ir por caminhos muito diferentes daquele em que ele deixaria Guilherme em sua casa.
— Putz, foi mal Gui. Mas acho que dá para cortar aqui por dentro, né? — ele perguntou dando seta para chegar ao bairro vizinho.
— Dá sim, fica uns dez minutos mais longe, mas tá tranquilo. — O jovem esperou que o motorista continuasse a conversa, mas como isso não aconteceu, ele quebrou o gelo. — E então, Diego, hum, desculpe por fazer sua noite ir pelo ralo, assim como a minha.
— Não, imagina. Você não podia saber que aquele sanduíche de atum do almoço iria te dar um revertério.
— Ah para, né Diego!? — O jovem olhou surpreso para o motorista. — Eu não sou tão bom ator assim para você ter caído nessa história.
— O quê?
— Vai me dizer que você não reparou que eu e o Lucas brigamos bem ali atrás? — Ele apontou para o retrovisor.
— Vocês brigaram? — Diego parecia ter chegado agora ao planeta Terra.
— Caramba! Você estava mesmo entretido com a Malu. — Guilherme disse em uma mistura de entusiasmo e descrença. — Só não vai partir o coraçãozinho dela.
— Por que você está me dizendo isso?
Guilherme analisou o semblante preocupado e um tanto constrangido do rapaz ao seu lado por um longo minuto antes de perguntar em um rompante:
— Você já se apaixonou Diego?
O motorista ficou em silêncio, procurando em sua mente uma resposta que fosse aceitável, mas o fato era que, embora ele tivesse tido muitos relacionamentos no passado, em nenhum ele sentiu o coração disparar ou fez planos para mais de uma estação. Então, a sua resposta sincera seria um não, mas Diego preferiu fugir de tal resposta.
— De onde você tirou essa pergunta? Você acha que o Lucas não te ama? É isso?
A mudança de rumo da conversa não abalou Guilherme, que mesmo tendo notado a tática do colega de trabalho, nem pestanejou em dizer, em voz alta e com toda a certeza do mundo, a conclusão que ele havia tirado da discussão com o namorado.
— Eu e o Lucas viemos de realidades diferentes, mas os sentimentos não ligam para isso, né? O que eu sinto por ele é uma coisa que eu nunca senti por ninguém. — Ele não controlou o sorriso bobo no rosto. — Eu imagino um futuro para nós, sabe? Uma versão do famoso: eu você dois filhos e um cachorro. E eu sei que o Lucas também... ele até falou que queria adotar um vira-lata do canil.
— Então qual foi o motivo da briga? Porque para mim, vocês parecem casal de comercial. — Diego perguntou confuso, pois desde que ele tinha conhecido a dupla, eles pareciam estar em total sincronia.
— Eu achei que ele estivesse pronto para essa fase.
— Você está falando de adotar o cachorro?
— Não, não tem cachorro nenhum na história.
Diego estava realmente tentando se concentrar no drama amoroso de Guilherme, mas sua mente apenas repassava a cena que ele havia presenciado no bar, entre Lorenzo e Lena, tentando decifrar aquela conversa enigmática.
— Só ficou muito na cara que não estamos na mesma página. — ele continuou a explicar. — O problema não o que sentimos um pelo outro, e sim, como as coisas são.
Por sua vez, Guilherme parecia desolado, como se fosse um forasteiro em terras desconhecida, sem saber por qual caminho seguir. E para evitar o constrangimento o colega sem resposta, Diego reproduziu uma frase de um dos discursos de seu pai:
— As coisas só são como são, porque não temos coragem de mudá-las.
— Queria que fosse tão fácil assim. — As palavras de Guilherme foram acompanhadas de um ruidoso bufo. — Só que parecemos ser aviões em rotas diferentes.
Diante da resposta amarga, Diego até apertou o acelerador para diminuir o tempo de viagem e a conversa que começou a lhe parecer tão atrativa quanto uma topada no dedinho do pé. Mas, para impedir que Guilherme abrisse o coração de verdade, transformando em o carro em uma sessão de terapia, na qual o publicitário não conseguiria assumir o papel de terapeuta, ele tentou outro bordão da coleção de seu pai, um que sempre esteve presente quando o homem separava as brigas entre ele e seu irmão, Alex.
— Você já se colocou no lugar dele?
O silêncio que se seguiu pelo restante da viagem foi, para Diego, um tipo de alívio e contentamento, pois, ao menos uma coisa ele tinha conseguido prever e controlar naquele dia.
Por outro lado, Guilherme manteve-se calado porque aquelas poucas palavras o fizeram pensar e repensar, colocando em sua mente uma única pergunta: será que ele e Lucas eram mesmo dois aviões em rotas diferentes?
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Depois de deixar Guilherme em um edifício com apartamentos duplex, num bairro nobre da cidade, Diego planejava chegar em casa e iniciar uma pesquisa sobre Lorenzo e Lena, escavando cada canto e recanto da internet informações que o ajudassem a entender a história cheia de hostilidade desses dois, mas o que ele encontrou quando abriu a porta de seu apartamento minou qualquer chance que ele tivesse de vestir seu boné imaginário do FBI.
As malas abandonadas no meio do caminho foram pistas suficientes para ele saber que seu irmão, Alex, havia voltado da viagem de negócios ao Japão, mas o que deixou preocupado foi ver o homem jogado no sofá com os olhos vermelhos e um copo com líquido verde de cor artificial na mão.
— O que é que você está fazendo? — Diego avançou para cima do irmão, retirando o copo da mão dele bruscamente.
— Tomando refrigerante. — Alex puxou o copo de volta. — Sai de cima de mim, Diego.
O jovem atendeu o pedido do irmão mais velho, que deixou a irritação substituir o seu estado de óbvia tristeza, ao empurrar levemente o jovem para longe.
— O que você achou que eu estava fazendo? — Alex perguntou.
— Achei que você estava tomando desinfetante.
— Por que eu faria isso? — o homem pareceu confuso.
— Não sei... Porque você é emocionado demais?
Alex estava visivelmente cansado, e como Diego suspeitava, ele tinha chorado há pouco tempo.
De imediato, o rapaz pensou que algo ruim poderia ter acontecido com seus pais, algum acidente ou fatalidade. Mas, se tratando do jeito exagerado de ser do Alex, a grande fatalidade poderia ser apenas uma discussão entre os pais, que já eram divorciados, mas ainda viviam se engalfinhando.
— O que aconteceu para você estar assim? — Diego emendou a pergunta, sentando-se na mesa de centro, em frente ao irmão.
— A Babi pediu demissão.
A notícia deixou o jovem publicitário em choque, pois a dupla trabalhava lado a lado desde sempre e ele jamais imaginou que eles pudessem se separar uma hora, na verdade, em sua cabeça era questão de tempo para que Alex e Babi ultrapassassem o limite do ambiente de trabalho e acabassem no altar, lhe dando vários sobrinhos tagarelas.
— E por que ela fez isso?
— Não faço ideia. Ela só me deixou um recado na recepção do hotel, e quando eu abri o envelope era a carta de demissão dela. — Alex tomou um gole do líquido esquisito. — Ela foi toda formal, não deixou pista de nada! E quando eu tentei ligar para ela, descobri que o telefone tinha sido desligado da operadora, não consegui rastrear o aparelho e nem nada.
— Você sabe que isso soa meio stalker, né?
— A Babi desapareceu em um país em que ela mal fala duas palavras. E de um jeito muito esquisito. Acho que eu tenho permissão de ser um chefe preocupado. — Alex respondeu com a cara séria.
— Sinto te dizer, irmão, mas um chefe preocupado não chora quando recebe uma carta de demissão.
— Eu não estava chorando... é só a minha alergia. — ele usou a desculpa mais esfarrapada do mundo. — Mas não foi só a demissão... Ela estava esquisita comigo nos últimos tempos. Chegava atrasada nas reuniões, esquecia de anotar as coisas e, não sei explicar, ela não era a Babi que eu conhecia...
— As pessoas mudam Alex e vai ver, ela cansou de ser sua babá. — A provocação do irmão caçula foi ignorada.
— Nós somos amigos, não faz sentido ela fazer uma coisa dessas. Quando eu desembarquei, fui direto ao apartamento dela, mas o porteiro disse que não a vê desde que eu a peguei no dia da nossa viagem. Daí, eu cruzei a cidade e fui até a casa dos pais dela e eles também não sabem onde ela está, só que a mãe dela tinha recebido uma mensagem ontem à noite, onde ela dizia que estava bem.
Diego decidiu cortar o monólogo do irmão, que poderia muito bem ficar por horas a fio falando e falando de algo de estava muito claro para ele: Babi tinha se cansado da vida e decidiu buscar algo novo.
— Então, ela deve estar bem Alex. Além do mais, não vale a pena você ficar preocupando os pais dela por nada.
Seu irmão não parecia convencido, então, Diego resolveu contar algo que poderia ser um tiro no escuro, mas poderia fazê-lo se conformar.
— Da última vez em que eu falei com ela, a Babi tinha conhecido um cara, acho que foi em um bar... Então, vai ver ela não encontrou o amor da vida dela e eles foram viajar pelo mundo?
Alex começou a rir.
— A Babi não pediria demissão por causa de um cara qualquer.
— Quem sabe, Alex? O que é um emprego diante do amor da sua vida? — Diego disse de forma despreocupada, mesmo que sentisse essas palavras picaram sua consciência de uma forma dura.
— Então eu não aceito a demissão dela. Pronto, é isso, está decidido! A Babi não vai se demitir.
Com tanta resignação da parte do irmão mais velho, o jovem publicitário preferiu ficar em silêncio e seguir até o seu quarto, pois pelo dia, ele já havia desempenhado demais o papel de Dr. Phil nos relacionamentos dos outros.
Para Diego, era hora dele se focar nos próprios problemas, como a maneira certa de pedir desculpas por um beijo impróprio e desajeitado.
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espero que em breve esse livrinho chegue na Amazon!
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