Capítulo 2
Intersecção
Quatro folhas. Batidinha. Grampeador. Pasta azul. Quatro folhas. Batidinha. Grampeador. Pasta azul. Quatro folhas. Batidinha. Grampeador. Pasta azul.
Diego seguia esse compasso com precisão, pois assim, ele mantinha dormente o pensamento amargo de que ficar enfurnado na sala de cópias estava bem longe de ser o que ele esperava do novo trabalho.
Há pouco mais de dois meses, ele tinha sido selecionado para a vaga de assistente de marketing do grupo editorial Benini e como qualquer recém-formado, Diego não pensou duas vezes ao aceitar a proposta. O que ele não ponderou, pesou ou mediu foi quem seria o seu novo chefe, junto com o boato de que ele já estava sendo o quinto funcionário nesse cargo naquele ano.
Geraldo Assunção era o editor chefe do grupo e um grande poço de mau humor, sarcasmo e grosseria. Na teoria Diego, ajudaria o homem a preparar as campanhas de cada lançamento dos impressos, mas na realidade, ele apenas atendia ao telefone, caminhava até a lavanderia com os ternos dele e providenciava suas refeições.
Sem dúvidas, o homem de cabelos tingidos com Grecin 2000 era uma mistura de Miranda Priestly e aquele chefe do Homem-Aranha, ou seja, um completo pesadelo. Mas, a cada vez que Diego quis jogar tudo para o alto e sair correndo, ele se lembrou do rosto decepcionado da mãe quando ele abandonou os treinos de futebol, as aulas de alemão e a faculdade de medicina.
A imagem de moleque irresponsável e que, aos vinte e quatro anos, ainda não tinha decidido o que fazer da vida estava se tornando um estigma pesado demais para os ombros de Diego. Por isso, ele se agarrava tão fortemente ao novo emprego, como uma forma de provar a todos que ele tinha a capacidade de chegar ao sucesso e que não era nenhum desistente, que apenas empurrava a vida com a barriga.
Diego estava tão concentrado na tarefa em suas mãos, que não notou a presença de mais alguém no cubículo sem janelas, repleto de caixas de papel e impressoras que pareciam vir da NASA.
— E aí cara, tudo bem? — o cumprimento do vice-diretor financeiro interrompeu o trabalho manual do rapaz.
— Tudo certo! — a resposta foi praticamente automática, mas Diego acabou jogando um segundo olhar para o homem que entrou na sala de cópias.
Lorenzo era o típico cara que atraía a atenção das mulheres e ele era bem ciente desse fato, por isso, era comum ver o cara desfilando pelo prédio, com sorrisos a torto e à direito para cima das colegas de trabalho. Mas, não havia dúvidas de que dentre os executivos principais da empresa, ele era o mais amigável.
O rapaz já havia estado em dois ou três happy hours com ele e viu em primeira mão o quão confortável ele ficava com qualquer funcionário, sem distinção alguma, o cara era gente boa com qualquer um. Quer dizer, menos com a filha do chefe, a única vez em que os funcionários da editora viram Lorenzo fora de si, foi quando ele encontrou a filha mais velha do Geraldo pelos corredores, pois parecia que ele tinha visto o próprio Anticristo quando topou com a Lena Assunção.
— Gostei das pastas azuis. — o executivo comentou, tentando puxar assunto enquanto esperava suas cópias ficarem prontas.
— É a cor oficial da empresa. — Diego respondeu com confusão ao encarar o os olhos verdes do outro homem.
— Eu sei Diego, eu só queria chamar sua atenção. Você estava tão concentrado que pensei que iria grampear o próprio dedo aí. — ele lançou um sorriso preocupado para o jovem, imaginando o nível de estresse pelo qual o assistente do Geraldo estava passando. Ele sabia, melhor do que ninguém o quanto aquele velho podia ser mala.
— É que fazer isso aqui é chato para caramba, preciso manter o foco para não acabar dormindo. — o rapaz respondeu com um sorriso cansado, tentando mascarar um pouco a sua desilusão com o trabalho.
— Para a reunião de agora à tarde? — o executivo pergunto cruzando os braços na frente do peito.
— Sim, são as apostas de próximos lançamentos. — Diego respondeu com desgosto ao perceber que a única coisa em que se envolveu para essa reunião foram nessas pastas idiotas e as cópias de um documento redigido pelo próprio chefe. Mas Lorenzo considerou a expressão do rapaz como cansaço e um certo medo do Geraldo.
— Sabe de uma coisa Diego, eu gosto de você, então eu vou te passar uma informação dos bastidores para você estar preparado. — ele acenou com os papeis que foram cuspidos pela impressora. — Eu não tenho boas notícias para a equipe, os números são baixos e tenho certeza de que isso vai deixar o chefe P da vida. Então se prepara, porque aquele mala vai querer descontar em alguém. — ele lançou um olhar que deixou claro para Diego quem seria o alvo do mau humor.
— São notícias tão ruins assim? — o rapaz se interessou.
— Bom, ele está querendo investir e eu estou prevendo cortes. — Lorenzo simplificou a pequena crise que estava querendo engolir as finanças da empresa. — Então, sei lá, compra um chocolatinho para o velho, faz uma massagem nos pés ou dá um charuto para ele. Amansa a fera para todo mundo.
O vice-diretor financeiro queria estender um braço amigo para o novato do trabalho, pois ele enxergava a determinação e teimosia naquele garoto, e algo como um instinto de irmão mais velho, queria vê-lo prosperar no grupo Benini. Mas, era óbvio que ele não podia deixar transparecer seus favoritismos pelos corredores da empresa, afinal, isso poderia prejudicar tanto ele quanto ao garoto.
Lorenzo estava a dois passos de abandonar a palavra vice de seu cargo e assumir totalmente o departamento financeiro do grupo e ele não estava disposto a colocar isso a perder, ainda mais quando o Todo Poderoso da empresa já o detestava.
— Te vejo na reunião, Diego. — ele decidiu sair antes que acabasse falando demais e seu gesto de bondade tivesse o efeito contrário.
Quando ficou novamente sozinho na sala repleta de suprimentos de papelaria, Diego não pode impedir sua mente de girar sobre a declaração do Lorenzo.
A empresa estava passando por dificuldades? Se esse fosse o caso, era mais do que lógico que seu emprego estaria ameaçado. Não que ele amasse a sua função de lambe botas do Geraldo, mas ele não queria conhecer a fila do desemprego tão cedo.
Por muitos anos, o jovem tinha dependido das mesadas que o irmão mais velho e a mãe depositavam em sua conta, fato que para muitos, poderia ser um luxo e tanto, mas para ele, ter que pedir dinheiro para tomar um mero sorvete na esquina tinha se tornado insustentável. E essa independência financeira, era algo do qual ele não estava disposto a abrir mão, mesmo com um salário pequeno.
Além disso, Diego tinha todos aqueles planos de ascensão profissional, aonde ele chegaria a um cargo sério e de comando em uma das maiores companhias do país e ser demitido, com certeza o faria voltar cinco casas nesse jogo.
Sua mãe sempre lhe disse que sofrer em antecipação era a maior causa de úlceras no mundo, então, ele controlaria aquilo que podia. O que no momento, estava sendo o grampeador e a impressora.
Com um suspiro resignado, ele terminou a sua tarefa e pensou no que Lorenzo havia lhe dito, decidindo em poucos segundos que a outra coisa que ele poderia tentar controlar era o humor do seu chefe, trazendo uma dose de Chanel para a reunião. Talvez impedir que o Geraldo tivesse motivos para gritar e querer arrancar a cabeça de alguém estivesse em letras miúdas na descrição do seu cargo.
Depois de levar aquelas pastas azuis até a sua mesa, Diego pegou suas coisas e deu uma espiada na sala ao lado. Através das persianas que cobriam o vidro que separava a sala do chefe dos demais espaços de trabalho da empresa, ele viu a figura corpulenta do Geraldo atrás da sua mesa, concentrado em alguma coisa na tela do seu computador. E quando o homem ficava com as sobrancelhas arqueadas numa carranca e seus dedos atacavam o teclado com fúria, era de conhecimento que ele perdia completamente a noção do tempo.
Então, Diego aproveitou a janela de tempo em que o chefe estaria ocupado para caminhar e respirar ar puro, mesmo que o trajeto incluísse ir apenas até o próximo quarteirão, para realizar uma tarefa que ele detestava.
O jovem não estava de fato se esgueirando do trabalho, mas ainda assim, ele tomou cuidado para ser discreto em sua saída perante os colegas, orando para que conseguisse o mesmo feito em sua volta. Rapidamente ele se muniu do cartão de crédito corporativo do chefe e recolheu suas coisas na bolsa de couro, um presente do pai no último aniversário, e caminhou até o elevador.
O grupo Benini ocupava cinco andares de um prédio corporativo, dividindo a equipe nos setores de revistas, jornais, livros e a administração, onde Diego e outros assistentes dividiam um grande salão aberto, atendendo aos diretores de departamento, os únicos, que assim como o Big Boss tinham salas individuais no andar. Em linhas gerais, o lugar era bem organizado e distribuído, por isso era difícil para Diego entender que uma empresa desse tamanho pudesse entrar em apuros.
Enquanto caminhava pela rua movimentada do centro, e via as diferentes pessoas que cruzavam o seu caminho e a diversidade de lojas do outro lado da calçada, o rapaz percebeu o que poderia estar colocando o grupo fora dos trilhos.
As revistas e livros publicados pelo grupo eram todos voltados a um único público, com temas técnicos e chatos. Diego não havia ido muito longe do caderno de esportes e variedades do jornal que o grupo possuía, e ele tinha desconto de funcionário para as compras, isso já deveria ser um indicativo bem grande dos problemas.
Ainda preso nesse tipo de pensamentos, o rapaz nem se deu conta da cena que se desenrolava na loja de animais em que o chefe fazia questão de enviar a cachorrinha da esposa toda a semana. Ele não notou a conversa silenciosa entre as duas atendentes atrás do balcão, não percebeu a impaciência de uma delas quando pediu para os próximos da fila seguirem-na para o lado oposto da vitrine, e nem sequer deu um segundo olhar para outros clientes no lugar. Tudo isso era muito banal para os distraídos olhos castanhos de um Diego absorto em questionamentos empresariais.
Não que ele fosse um cara desatento, mas como estar naquela pet shop com piso de grama falso e tijolos amarelos era um hábito, ele não se deu ao trabalho de registrar ou memorizar qualquer coisa. Nem sequer o nome ou aparência da atendente usando o avental com o logo do lugar. Ele apenas procurou em sua bolsa a ticket de identificação do animal e se preparou para o atendimento.
— Oi, eu vim buscar a Chanel. — ele disse apressadamente enquanto entregava o papel sob o olhar entediado da moça atrás do balcão. Era evidente que ela não queria enrolação.
— Vou verificar se ela já está pronta. — a atendente avisou, já lhe dando as costas para entrar na bolha de vidro no fundo da loja, em que ficava a área de banho e tosa.
O rapaz acenou com a cabeça e se encostou no balcão de madeira, observado alguns cartões de visita que ficavam em exposição ali, no entanto, movido pelos pensamentos de segundos atrás, seus olhos se fixaram nas revistas empilhadas a menos de um metro de distância das suas mãos.
Alcançando a capa colorida com uma dupla de modelos estampando falsos sorrisos descontraídos, a intenção de Diego era ver o conteúdo daquela revista, mas rapidamente percebeu que se tratava de um catálogo de vendas, apenas perfumes e maquiagens em promoção estampavam as páginas. Um pouco irritado com a sua estupidez, ele devolveu a revista ao seu lugar, mas notou um terceiro volume na pilha.
As bolinhas brancas em um fundo amarelo o lembraram do livro de receitas que a mãe guardava na gaveta da cozinha e por instinto ele trouxe o caderno de capa mole para o topo da pilha de revistas. Movido pela curiosidade, Diego folheou as páginas, encontrando no início, em uma caligrafia delicada e limpa, uma lista de compras com valores anotados ao lado de cada item.
Instantaneamente, ele sentiu que estava invadindo a privacidade da pessoa que pagou cinco reais e noventa e nove centavos em pasta de dente, ele permitiu que o restante das folhas voltasse ao seu lugar para fechar o caderno, no entanto, um flash de vermelho e laranja o fez reabrir o bloco de folhas.
Ocupando uma página inteira estava o desenho de uma garota vestindo jeans e um casaco com capuz. Pouco se via de seu rosto além dos olhos com íris vermelhas e cabelos castanhos revoltos além das bordas do gorro. Era obviamente o desenho de uma super-heroína, já que a moça parecia flutuar com chamas vívidas em laranja e vermelho ao seu redor, além de ter partindo de suas mãos uma corrente de fogo.
A imagem intrigou Diego, que com fascínio, pulou para a próxima página, onde encontrou mais daquela personagem misteriosa, mas dessa vez, ela lutava contra uma figura masculina em uma sucessão de quadros. O homem representado nas cenas de confronto usava um casaco longo, um sobretudo, e um chapéu igual ao de detetives, no entanto, o que chamava a atenção era a arma que ele empunhava contra os golpes da garota, um guarda-chuva na cor azul, com faíscas que pareciam ser elétricas.
O rapaz ficou impressionado com o trabalho que estava vendo e quando estava prestes a continuar sua inspeção das páginas seguintes, a atendente chamou sua atenção.
— É para colocar os lacinhos? — a funcionária perguntou em um berro, da área de banho.
— Hum, é sim. — Diego respondeu com um tremor na voz, se sentindo como uma criança sendo pega fazendo arte, mesmo que a funcionária não tivesse lhe dado mais do que um segundo de atenção.
Diego não sabia quem era o dono daqueles desenhos, mas num impulso tão juvenil e impensado quanto puxar o cabelo de uma menina na escola, ele retirou o caderno da pilha de revistas e, olhando redor, o colocou dentro da sua bolsa.
Instantes depois, a funcionária da loja apareceu com o pequeno novelo de pelos brancos que era a cachorrinha Chanel, um lulu da Pomerânia com mais mimos do que merecia, já que o pequeno demônio da Tasmânia adorava morder suas mãos e canela.
— Você precisa assinar a liberação. — a moça tinha olhos marcantes e um tom direto. — O pagamento vai ser em dinheiro ou cartão?
— Cartão... Crédito.
Diego se sentiu um pouco intimidado pela atendente, não havia placa de identificação em seu uniforme, então ele não sabia qual era o seu nome. Mas por um segundo, ele pensou que talvez ela fosse a criadora daqueles desenhos e soubesse o que ele havia feito. E o rapaz começou a se sentir como uma criança que furta balas do balcão da padaria.
— Hum, vou passar o cartão para você ali no caixa. — a moça indicou no lado oposto da loja, mais próximo da saída, um balcão menor, com uma tela de um computador e várias máquinas de cartão.
Depois de se curvar para agarrar o cachorro, impedindo que ela sujasse seu pelo recém-escovado e ouvir um rosnado baixo no processo, Diego caminhou até onde lhe foi indicado, passando pela figura de um senhor que escolhia, com muita concentração, alguma peça na vitrine de artigos de luxo. Por um segundo, seus olhos repousaram na pessoa que atendia o homem atrás do balcão, alguém que balançava a cabeça para cima e para baixo em resposta ao que quer que o senhor estivesse perguntando. O rosto do sujeito estava encoberto pelo expositor de petiscos sabor picanha, o que o fez se recordar do personagem misterioso que ele carregava clandestinamente em sua bolsa.
Uma dose de adrenalina substituiu a vergonha do momento anterior, e ele sentiu a urgência inexplicável de sair daquela loja o mais rápido possível, como se fosse um fugitivo invicto. Por isso, ele não se demorou em assinar o documento apresentado, entregar o cartão para a atendente, digitar a senha, recusar a sua via e cruzar a porta do lugar, enquanto carregava o pequeno novelo de pelos irritadiço.
O jovem nunca havia feito algo do tipo em sua vida, até mesmo porque a sua mãe teria lhe arrancado as orelhas e uma tira do couro, então, não era ilógico ele estar sentindo essa euforia em apenas continuar a leitura de uns desenhos, com toda a teoria da satisfação do proibido. Mas com certeza, era estranho demais ele sentir que tinha acabado de sair de uma cafeteria carregando o próprio diamante Pantera Cor-de-rosa de muitos e muitos quilates, ainda mais porque quadrinhos nunca foram uma paixão em sua vida, esse era o lance do seu irmão mais velho. Diego apenas tinha um conhecimento básico sobre o assunto, coisas que havia absorvido convivendo com o seu eterno colega de quarto.
Entretanto, era inegável que aquela super-heroína tinha despertado uma curiosidade única na mente do rapaz. Quais eram os seus poderes, sua origem e sua missão? Mas, principalmente, quem assinava aqueles desenhos?
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Qual foi a impressão que o Dieguinho deixou em vocês?
Me digam se estão gostando! Mudei o estilo de escrita e gênero e preciso do feekback de vocês!
Lembrando que temos um grupo no facebook onde eu tento dar uns spoilers e manter novidades em dia!
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