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Capítulo 3 - Cores, Texturas e Sabores

Andar dentro de casa foi muito mais fácil. Os olhos de Ariella giravam, tentando registrar cada detalhe, desde a lareira, cuja função ela não conseguia nem começar a cogitar, à concha do mar que enfeitava um canto da parede. Ela decorou as estampas do sofá e do tapete, riu com o chão gelado embaixo de seus pés e se encantou com os rostos das filhas de Thea. Olhava para suas fotos, esperando que se mexessem a qualquer momento, se sentindo também assistida por elas.

Enquanto isso, de pé a alguns metros em sua frente, Thea a observava andar sem ter qualquer ideia do que fazia. Diferente da sereia, ela focava na tarefa e não se deixava imaginar como seria se suas filhas a conhecessem. Aquele era um segredo que ela não poderia arriscar deixar escapar.

Em meio ao estudo em livros das bibliotecas mais diversas sobre os seres que apareciam na praia atrás de sua casa, ela percebeu que não havia espaço para eles no mundo de humanos tão gananciosos e preconceituosos. Talvez demorasse centenas de anos para que começassem a ser aceitos, e ela não aguentaria ver a barbaridade que provavelmente viria com todo esse processo. Enquanto suas filhas fossem pequenas demais para entender a gravidade da situação e a importância de guardar um segredo, infelizmente, ela teria que carregar essa responsabilidade sozinha.

Por sorte, Ariella não entendia nada de tecnologia e se conformou que andar pelas ruas não seria tão rápido quanto nadar em mar aberto, desistindo da possibilidade das duas chegarem ao seu marido e suas filhas, ou vice-versa.

"Função?" Ariella perguntou, esticando o braço e se desequilibrando só por um segundo, só o suficiente para voltar a ter consciência de que ainda estava pegando o jeito de andar.

Seus dedos não chegaram a tocar na luzinha pendurada pelo corrimão da escada, mas Thea sorriu.

"Nenhuma," respondeu. "É só para alegrar a casa." Ela ainda estava na frente de Ariella, marcando a linha de chegada para a sereia que lutava contra a força invisível que fazia seus olhos fecharem de cansaço. "A maioria das pessoas só pendura no final do ano, mas eu gosto que minha casa sempre esteja enfeitada com algum tipo de celebração."

O jeito de Ariella olhar das luzinhas para ela a fez perceber que falava um pouco rápido demais para que entendesse a língua.

"É bonito," Thea resumiu, se esticando para apagar a luz do teto e ver o momento em que a garota se apaixonou pelo jeito que elas brilhavam sozinhas, cada uma em seu lugar, como magia saindo do tridente de seu pai e se espalhando pela água. Mas essas pareciam era espalhar em seus olhos, ao invés de fugir deles.

Ariella mexeu a cabeça para os lados, sem saber que isso intensificaria seu sono, brincando com o brilho das luzes e tentando, no limite de sua audácia, girar nas pontas dos pés.

A falta de experiência ganhou, a desequilibrando e a fazendo escorregar. Thea correu para ela, mas não foi rápido o suficiente, agora que tinha se afastado para chegar ao interruptor. Ariella só parou mesmo quando já estava sentada em cima de suas pernas, rindo de como parecia leve e pesada ao mesmo tempo, fácil de cair, mas resistente à queda. A apreensão de Thea de que ela desanimaria foi completamente inútil, já que ela parecia tão confortável com todo o esforço e seus novos membros que nem os questionava como antes.

A barriga, em compensação, pediu atenção naquela hora, roncando como se exigisse comida.

Ariella ensaiou as palavras na cabeça e na boca, tentando se lembrar de alguma expressão exata que significasse que tinha muita fome, mas Thea já tinha entendido.

"Não temos alga," disse, sua brincadeira passando despercebida pela sereia, "mas te garanto que você não gostaria muito delas agora. Não sem arroz." Ela lhe ajudou a se levantar, enquanto Ariella franzia suas sobrancelhas quase inexistentes de tão claras. "Nem massa gelada. Mas tem uma coisa que eu acho que você pode gostar."

A cozinha ficava a alguns passos de onde elas estavam, dividida da sala somente pela pequena ilha, onde Ariella se apoiou depois de cambalear até lá.

"Sente-se," Thea disse, puxando uma cadeira para ela e se sentando também. "Assim," falou, repetindo algumas vezes e, depois de perceber que Ariella ainda não fazia ideia do que estava acontecendo, se levantando para empurrá-la pelos ombros para baixo com cuidado.

Aquela era uma de suas partes favoritas, definitivamente a mais curiosa. Sentar era algo tão natural, tão fácil de fazer para quem tinha o instinto das pernas desde que nascera, que era também uma das coisas mais difíceis de se explicar.

A sereia ficou paralisada por alguns segundos depois de que seus joelhos fracos dobraram e ela percebeu que não cairia. Estava surpresa, mas sua imobilização era pura apreensão. Ela inclinou minimamente para olhar na direção do chão por cima do ombro.

"É mais seguro do que parece," Thea falou, dando a volta na ilha da cozinha e pegando o prato da comida que ela sabia que seria leve o suficiente para o estômago da sereia que ainda estava se adaptando. "Seus pés estão no chão, mas você não precisa ficar tão cansada."

Era essa parte que assustava mais Ariella, perceber o quanto estava exausta e que existia um jeito bem rápido de remediar a situação. Ela entendia o que era se apoiar em pedras e até deitar em algas, mas aquele ângulo era um pouco mais agudo do que estava acostumada.

E então, se deixando levar pela sua curiosidade cada vez mais intensa, pegou uma perna com as mãos, tentando levantá-la como tinha conseguido embaixo d'água.

Sua atenção teria ficado voltada a perceber sua nova flexibilidade por horas, se Thea não tivesse deixado um prato de bolinhas vermelhas brilhantes na sua frente.

"Morangos," para surpresa da humana, foi da boca de Ariella que a palavra saiu.

"Sim," a outra sorriu genuinamente, se sentando ao lado dela. "Conhece?"

"Um quadro. Vi em um quadro."

Eles eram bem mais bonitos do que na pintura, bem mais vivos. Não demorou um segundo para ela se esticar e arriscar cair de sua cadeira para alcançar um. Assim que seus dedos o tocaram, ela o apertou tão forte que ele explodiu em vários pedaços, partindo também seu coração.

Sua boca murmurou algo na língua de seu reino e o som fez Thea sorrir. "Está tudo bem," ela puxou uma gaveta da ilha, tirando uma colher. "Ainda dá para comer. Mas eles são um pouco delicados."

Ela juntou os pedaços do que tinha explodido com a colher e colocou em sua própria boca, enquanto Ariella se dissuadia de tentar outra vez.

"Vamos lá," Thea encorajou e, quando percebeu que não funcionaria, pegou o maior morango do prato. "Aqui," disse, se sentindo no direito de pegar a mão da sereia e deixá-lo em sua palma.

Ela estava quente, mais quente do que qualquer outro sereiano já esteve a esse ponto. E, enquanto Ariella se deixava girar o morango com cuidado nos dedos, tomando nota de absolutamente todos os detalhes, as ranhuras, as pequenas sementes amarelinhas e a sensação estranha em seus dedos de tocar em minúsculos tentáculos ou coisa parecida, Thea observava o vermelho do sangue quente de humano começar a corar suas bochechas.

Antes do prato ficar vazio, seus lábios já tinham ganhado aquela mesma cor, um batom natural que sua dona nem sabia que usava. Estava mais interessada em como a textura dos morangos em sua língua era bastante curiosa, um pouco fibrosa, completamente macia. Era como se cada fibra seguisse uma ordem, mas fosse deliciosa demais para não se rebelar e se desfazer em sua boca. Se ocupava em tentar decifrar o gosto, se apegar ao doce misturado no cítrico que lhe dava ainda mais vontade de comer os próximos, ao mesmo tempo que lhe entristecia ao perceber que eles estavam acabando.

Durante o tempo que se seguiu, Ariella começou a arriscar frases maiores, apontando nomes das conchas que Thea tinha comprado em um mercado para enfeitar a casa, perguntando quem eram as pessoas que apareciam nas fotos da geladeira, a função de cada objeto, de cada cômodo e onde eles guardavam a água, por que precisavam guardar água?

Suas perguntas cessaram só depois de seus olhos não conseguirem ficar abertos por tempo o suficiente para notar algo novo. Ela já tinha comido seu segundo prato de morangos e não saberia explicar, mas sentia o sono tomar conta de seu corpo.

"Queria te mostrar um lugar," Thea disse, quando percebeu que ela não aguentaria mais muito tempo por ali. Ela se levantou, ajudando a sereia a se levantar também. Fez questão de ficar do lado dela, com medo que o sono fosse desfazer todo o instinto no qual estava começando a confiar para andar. "É o seu próprio quarto."

Era também o único que ficava no andar debaixo. Forçar um sereiano a subir escadas seria maldade de sua parte.

Elas andaram bem devagar pelo corredor que saía da sala.

"Aqui?" Ariella se apoiou em uma porta, mas Thea balançou a cabeça. "O que é aqui?"

"Meu laboratório," a humana explicou, lhe dando as costas momentaneamente para abrir a porta do quarto turquesa que esperava a sereia. "Ninguém pode entrar aí, só eu." Explicar todos os tipos de contaminação que poderiam acontecer em suas pesquisas seria trabalho demais, então se contentou com mudar de assunto. "Este daqui é o seu."

Não era só a cor que lembrava o mar. O cheiro de praia, a pintura de água na parede, a luz azulada e os milhares de enfeites de conchas e peixes para todos os lados atraíam Ariella para dentro como mágica. Era familiar demais para que ela negasse, mas não sabia se estava feliz ou não. Parte de seu coração queria ficar ali para sempre, parte queria voltar para a sala.

Mas a cama ganhou. Ela a reconheceu assim que a viu, lembrando de quando um sereiano anos atrás levou o conceito para o reino e eles começaram a construir suas próprias, com algas, pedras e bastante areia. Era ali que ela queria estar. Seu cansaço pareceu comemorar de alegria dentro dela, mas, quando se aproximou, percebeu que faltava uma única coisa: aprender a deitar.

A água não a puxava para baixo. Ela poderia só pairar em cima da cama e depois relaxar a ponto de encostar. Mas a gravidade do ar era pesada demais. Não teria um só segundo antes de cair e, apesar de não saber isso, seu medo era instintivo. Depois de se inclinar na direção da cama várias vezes, ela acabou desistindo, olhando de volta para Thea como quem não sabia nem por onde começar a pedir ajuda.

A humana correu para demonstrar, primeiro se sentando, depois deitando. Explicou que poderia dormir de costas, bruços ou de lado. Mostrou os travesseiros e explicou que ficavam embaixo da cabeça, mas que ela poderia abraçar alguns também, se lhe desse vontade. E então deixou que a sereia tentasse.

Não foi o suficiente para seu medo desaparecer, e Thea teve que pegar em suas pernas depois de ela sentar para esticá-las na cama.

Até então, Ariella não sabia que era possível algo ser ainda mais delicioso do que se sentar. Todos os músculos de seu corpo relaxaram, até aqueles que ela ainda desconhecia e precisava lembrar que existiam. Quando Thea puxou a coberta até a altura dos seus ombros, a sereia sorriu de orelha a orelha, fechando os olhos completamente.

Thea riu, lutando contra a vontade que sentia de sentar ali e a assistir dormir. Ao invés disso, ela se esticou para ligar o barulho do mar no rádio que estava em cima do criado-mudo e se virou para sair dali.

Quando já estava apagando a luz, ouviu Ariella falar:

"Não. Mar, não," pediu.

Thea não sabia se estava mais surpresa por ela não querer aquele barulho ou por ainda estar acordada o suficiente para falar. "Te incomoda?" Perguntou, voltando até o rádio e o pausando.

"Tem música humana?" Ariella juntava todo o esforço possível para manter seus olhos minimamente abertos.

Depois de um rápido minuto procurando pela sala se alguma de suas filhas tinha deixado algum CD por ali, Thea voltou para o quarto com um vermelho, de uma cantora loira americana.

"Vê se gosta desse," disse, abrindo e colocando no rádio, não percebendo o quanto Ariella estava encantada com todo o mecanismo de apertar um botão, colocar um disco e fechar, fazendo música sair das pequenas caixas esburacadas.

Ela gostou. Voltou a sorrir, mantendo agora seus olhos abertos com mais facilidade ainda.

"Amanhã de manhã, eu venho falar com você, okay?"

"Posso dormir menos?" A sereia perguntou, se escondendo quase inteira embaixo da coberta deliciosamente confortável. "Não quero perder tempo."

Thea concordou com a cabeça, mas respondeu: "Você precisa dormir o que seu corpo pedir," explicou. "Mas não se preocupe, ainda vai dar muito tempo de aproveitar. E, até você acordar, tudo vai estar fechado mesmo. O mundo dos humanos para durante as horas em que todos dormimos."

Ariella assentiu, seus olhos desfocando Thea e se perdendo em sua imaginação, enquanto sonhava mais uma vez acordada com tudo que ainda poderia provar.

Assim que o quarto ficou escuro, ela percebeu que havia formatos estranhos que brilhavam minimamente no teto, em amarelo, talvez um pouco verde, uma cor que ela nem sabia que existia, mas lhe lembrava das luzinhas da sala.

A voz da música humana falava várias palavras, mas ela não reconhecia nenhuma delas. Mas, talvez por ser desconhecido, ou pela melodia tão bonita, Ariella queria aprendê-las. Quando olhou na direção do aparelho estranho de onde elas saíam, viu o botão Repetir, na língua dos humanos do Leste e, sem questionar, o apertou.

Nada aconteceu. Ela apertou outras duas vezes até desistir. Mas ficou feliz ao perceber que a música nunca acabou realmente. Tentando reconhecer os sons e imitá-los em sua cabeça, ela logo adormeceu pela primeira vez como humana.

Ou o mais perto que uma sereia conseguiria ser.

Ainda que Ariella tivesse toda a intenção de dormir o mínimo possível, a transição de humana a sereia exigia bem mais descanso do que ela poderia esperar. Seus olhos fecharam finalmente logo às sete e meia da noite anterior, mas foi só as oito da manhã seguinte que voltaram a se abrir. Ela não tinha tido sonhos de sereianos ou de humanos, mas sentia o peso das horas que passara adormecida em seus músculos. Sem que precisasse pensar muito, se sentou na beirada da cama e então, se lembrando pela primeira vez de onde estava, teve que recuperar seu fôlego.

Já tinha sonhado com aquele dia tantas vezes, que precisou de alguns minutos para acreditar que estava mesmo ali. Era real. Ela estava no seu primeiro Dia ao Sol, tinha ganhado o sorteio. Ela tinha pernas!

Passou as mãos por cada uma delas, sentindo seus dedos do pé, as esticando. Era como se fosse a primeira vez que as movimentava, ao mesmo tempo que já tinha bastante controle sobre elas. Conseguia mexê-las sozinhas, até se arriscou a levantar antes que o medo de cair resolvesse aparecer. E, para sua surpresa, se manteve de pé sem perigos.

Deu vários passos, até tentou girar e não caiu. Se desequilibrou um pouco, mas, ainda que não tivesse a ajuda de Thea, conseguiu voltar a ter controle de si mesma.

E então ela riu de sua nova habilidade, voltando a girar ao ritmo da música que tocava baixinho, quase imperceptível. O quarto lhe dava a impressão de estar no mar, mas nada poderia ofuscar a felicidade que sentia de conseguir tirar os pés do chão, de pular, de dançar, de girar e se sentir finalmente humana.

A única coisa que conseguia fazê-la querer sair de lá era o mundo que a esperava do lado de fora. Ela conseguiu entender o bilhete que Thea tinha lhe deixado em cima de uma pilha de roupas e todas as instruções de como colocar o quê. Depois de enfiar o braço algumas vezes no buraco da cabeça, ela acabou conseguindo colocar o vestido e encaixar os pés em sapatilhas. Preferia ficar sem elas, ainda que fossem brilhantes e ficassem encantadoras na pouca luz que passava pela janela do quarto, mas sabia que teria que usá-las. Sua própria mãe tinha lhe contado de sapatos e era uma das coisas que os sereianos mais estranhavam e admiravam em seus seres vizinhos.

Quando saiu do quarto, uma mistura deliciosa de cheiros a atraiu até a cozinha. Sua atenção foi distraída rapidamente para todas aquelas coisas que ela tinha notado na noite anterior e em como elas pareciam ainda mais bonitas sob a luz do sol. Ariella mesmo se arriscou ir até a janela, por onde um raio entrava determinado, e, prendendo sua respiração por alguns segundos, colocou seu braço na direção dele.

Como sereia, tinha aprendido a contar os dias entre o período em que não podiam sair pela superfície e o período escuro. Era o tipo de lição que se passavam de boca a boca, mas que todo sereiano só aprendia ao tentar sair no sol e sentir sua pele delicada queimando como em brasa. Ariella já esperava ter que puxar o braço de volta rapidamente, assim que sentisse o começo da queimadura, mas a sensação foi bastante diferente.

Era quente, mais do que qualquer outra coisa segura que ela já tinha sentido. Até recuou no começo, por puro instinto e apreensão, mas logo foi voltando de pouco em pouco a colocar seu braço no sol. Não a queimava, não como ela esperava. O calor era mais aconchegante do que violento, como se a atraísse para ele até que estivesse de pé com o rosto e o corpo inteiro de frente para a janela, sentindo o sol.

Aquilo era simplesmente maravilhoso! Parecia que cada centímetro que a luz alcançava ia acordando devagar, como se finalmente estivesse vivo. Ela queria poder abraçar o sol, ou o raio, ou o que desse, se sentindo cada mais à vontade ali, como se toda a sua vida só existisse para que ela chegasse àquele momento.

"Está com fome?" Thea perguntou, fazendo a sereia perceber que tinha fechado os olhos.

Ela virou na direção da cozinha. A ilha a esperava com uma diversidade tão incrível de comidas quentinhas deixando rastros de vapor no ar, que teve que ir até lá.

"Sim," disse, sem que precisasse olhar para Thea.

"Isso daqui é pão," Thea falou, apontando para o montinho de massa dourada e levemente tostada em sua parte mais redonda. "É salgado, mas não sei se você entende o que é isso."

Ariella concordou com a cabeça. Salgado era um dos únicos sabores que conhecia, ainda que não do mesmo jeito que os humanos. Thea continuou:

"Você pode passar o que preferir nele. Geleia de morango," ela foi indicando cada pote, "manteiga, chocolate," Ariella, sem esperar que terminasse, colocou o dedo no chocolate e levou à boca. "Ou nada."

A sereia fechou os olhos, se apaixonando instantaneamente pelo gosto doce e viciante do chocolate.

"Acho que você já escolheu," Thea riu.

Ela continuou explicando as opções para beber. O suco de laranja fez com que o rosto de Ariella se contorcesse em uma careta azeda ao provar. Acabou preferindo o leite, apesar de roubar goles de água com gás e se divertir toda vez que sentia as bolhinhas fazerem cócegas em sua língua.

O que ela queria mesmo era um líquido preto, mas Thea se recusou a deixá-la beber.

"Não faz bem para você," ela disse. "Não faz realmente bem a ninguém, mas faz muito mal para você."

Por sorte, ela conseguiu distrair a sereia terminando de fazer panquecas e mostrando todas as caldas que podia colocar em cima, como podia misturar com os morangos e algumas outras frutas. E, é claro, passar chocolate, sua nova paixão.

Era muita informação para digerir ao mesmo tempo, muitos gostos e cores para Ariella conseguir se apaixonar como sentia que precisava por todos. Queria colocar tudo junto em sua mão ao mesmo tempo, um pequeno pedaço de cada, queria senti-los juntos, sem conseguir escolher nenhum.

Assim que falou isso para Thea, a humana riu e disse que não seria possível.

"Acho que você precisa disso daqui," completou, tirando um garfo da gaveta e entregando para sereia, que passou vários segundos o girando em sua mão e o observando.

Thea se sentou, deixando a menina com seus pensamentos e começando a comer.

"É um garfo," falou. "Quer que eu te ensine a usar?"

Ariella balançou a cabeça. "Não se preocupe," disse. "Não vou pentear o cabelo com ele." E então riu como se fosse a coisa mais engraçada do mundo. "Eu sei usar."

Thea desviou os olhos para seu próprio prato por um segundo somente, apenas o suficiente para despejar a cauda de chocolate em suas panquecas, e, quando voltou a olhar na direção de Ariella, a sereia batia com o cabo do garfo na ilha da cozinha, murmurando coisas de sua própria língua.

"O que está fazendo?"

"Nada perigoso," Ariella garantiu. "Só um encanto de luzes." Ela bateu o cabo outras vezes com mais força. "Mas só deve funcionar embaixo d'água," balançou a cabeça, ainda observando o pequeno tridente em suas mãos, enquanto Thea ria discretamente de sua suposição.

"Aqui, no mundo dos humanos," ela começou a explicar, "nós usamos os garfos para comer," e então pegou seu próprio, ensinando à sereia como fincar todos os pedaços de comida que ela tanto queria juntar de uma vez e levá-los à boca.

A menina ficou claramente desapontada por sua pequena falha, relaxando os ombros a ponto de uma alça do vestido cair. E foi quando Thea percebeu que ela não tinha fechado o zíper atrás.

Correu para fechar para ela. "Eu deveria ter te ajudado," falou, mais para si mesma do que para Ariella.

"Eu posso tirar?" A sereia apontou para os pés, mas Thea sentiu que era uma boa hora para explicar sobre toda sua roupa.

"Não," disse, se sentando do lado dela. "Na verdade, nos mundos dos humanos, você precisa sempre se cobrir, é lei." As sobrancelhas de Ariella franziram bastante. "O bom é que podemos vestir coisas diferentes todos os dias."

"Minha mãe gostava de sapatos."

A humana foi surpreendida pelo comentário que deveria ser bastante doloroso para ela. Não sabia bem se tinha direito de perguntar, mas tentou se arriscar:

"Você sente falta dela?"

Ariella assentiu várias vezes. "É minha pessoa favorita no mundo," confessou.

Thea não sabia se ela tinha falado a frase no presente por escolha ou falta de conhecimento da língua, mas só concordou também com a cabeça. Talvez fosse hora de falarem e fazerem coisas mais divertidas, então se levantou. Tinha um objeto em sua casa que garantia a curiosidade até dos sereianos mais experientes.

"Posso te mostrar uma coisa?" Pediu, por pura cordialidade.

Ariella deixou sua mão na dela, se levantando e a seguindo na direção de outra porta ali, que dava ao banheiro. O cômodo lembrou a sereia de seu quarto, mas tinha algo de diferente, de mais frio, talvez até mais natural ali dentro. Suas sapatilhas fizeram barulho no azulejo do chão, mas Thea a tinha levado ali para outra coisa.

"Quem é essa daqui?" Ela perguntou, apontando para um retângulo preso na parede.

Seria difícil dizer se Ariella ficou mais confusa ou encantada ao reconhecer quem a olhava de volta no reflexo do espelho. Ela testou expressões, mexeu sua cabeça para os lados, até que entendeu o que via.

Era ela. Seus olhos violetas eram ainda mais quentes do que os de suas irmãs e sua mãe, pelo menos, pareciam ser. Ainda que suas bochechas estivessem rosadas, ela era quase inteira da mesma cor que a parede atrás dela. Seus cabelos e sobrancelhas sobressaíam, agora bem mais esverdeados do que sua pele.

Mas ela não se incomodava. Não via sua tez sereiana como um defeito. Pelo contrário, passou vários minutos se encarando, entre sorrir e só respirar, observando seus movimentos.

Era exatamente o tipo de reação que Thea esperava. Todos os sereianos se intrigavam pelos seus próprios reflexos, sem conseguir entendê-los. A verdade era que os humanos costumavam a deixar passar batido o quanto era incrível que eles tivessem encontrado um material que os refletisse assim. Era em momentos como esse que Thea se lembrava de todas as coisas maravilhosas que estavam à sua volta, nos Dias ao Sol de um sereiano sortudo.

"Quem é?" Quando Ariella perguntou, não olhava mais para o espelho. No canto de seu olho, a revista que estava no topo da pilha ao chão tinha chamado sua atenção.

"Uma cantora," Thea respondeu.

"Ela é vermelha," Ariella se abaixou, quase se desequilibrando.

A outra riu. "Seu cabelo é vermelho, sim."

Os dedos levemente rosados da sereia pegaram a revista, a surpreendendo pela leveza e o fato de ser dividida em tantos pedaços, ou melhor, páginas.

"Posso ser vermelha também?"

Antes que pudesse responder, ela percebeu Ariella colocando uma mão na barriga e seu rosto sendo tomado por uma expressão bastante assustada.

"Pode," disse, pegando a revista dela e voltando a colocar na pilha. "Mas agora eu preciso te ensinar a função desse cômodo."

Colocar um sereiano em um carro é sempre bastante arriscado. A única vez que Thea tinha tentado fora um desastre. Quase tinha batido o carro no final da primeira esquina. Não tinha como prestar atenção a tudo do lado de fora e a um ser curioso do lado de dentro, que tocava em tudo e apertava botões perigosos, se colocando até entre ela e a direção. Por isso, ainda que demorasse mais, elas andaram até o cabeleireiro.

Ariella foi tocando em todas as flores que o começo da primavera já tinha deixado florescer, em todas as folhas verdinhas que podia, em cada árvore que passava do lado da calçada. Ela também tinha feito questão de acenar para todas as pessoas que cruzaram seu caminho, lhes desejado um bom dia e sorrido de orelha a orelha. Sua pele não se destacava tanto entre dinamarqueses, mas seu cabelo fez com que muitos se virassem na sua direção e recebessem seu cumprimento. Se não fosse por Thea desviando sua atenção de cada pessoa, ela teria ido atrás de todas para tocar nelas e tentar conversar.

Eram todas tão diferentes! Tão interessantes! Eram humanos! Será que eles sabiam que eram humanos? Que tinham uma sorte enorme de terem pernas e poderem apreciar esse mundo tão cheio de coisas maravilhosas, que ela sentia no fundo de seu coração o pesar de não ter tempo o suficiente para prová-las todas?

Desde que saíram de casa até chegarem à porta do cabeleireiro na cidade, Thea foi explicando para ela como ser sereia era algo que não poderia contar para ninguém. Os humanos não acreditavam em sereianos e era melhor assim. Ariella sabia disso até certo ponto, mas talvez tivesse se esquecido completamente se não falassem sobre o assunto. Thea também explicou que diria que ela era de uma cidade pequena em outro país, o que devia explicar mais ou menos sua curiosidade sobre tudo.

A atenção da sereia foi se dispersando conforme chegavam mais perto de seu destino. O número de pessoas à sua volta aumentava, o número de distrações também. Ela até parou de girar e ver a saia do vestido quase levantar inteira. Seus olhos estavam ocupados demais na quantidade de palavras escritas em todo lugar, em objetos que nunca conseguiria decifrar, em detalhes tão minúsculos e tão enormes que ela não sabia nem como questionar.

Sua vontade era de tocar em tudo, fazer tudo, falar com todo mundo, mas, quando entraram no salão de beleza e o cabeleireiro veio até ela, ficou paralisada.

Uma coisa era sonhar com aquele momento, sonhar com tudo que poderia experimentar e todas as pessoas que seriam simpáticas e prestativas. Outra bem diferente era estar no mundo real, não saber bem como responder, nem o que esperar de uma pessoa da qual nunca tinha ouvido falar antes.

"Thea, já estava passando uma moça na sua frente," o cabeleireiro disse, enquanto a sereia se deixava notar o tecido estranho à frente dele, amarrado na cintura. Suas mãos estavam em luvas pretas, que Ariella hesitou segurar quando ele a quis cumprimentar. "Você deve ser Ariella, da Noruega."

Ela não respondeu. Ele quem teve que segurar na mão dela, a balançar e soltar, enquanto ela o observava como o ser mais estranho do planeta.

Talvez fosse. Sua pele era bastante branca, seu rosto manchado por pequenos pontos em um tom mais escuro, que eram ressaltados pelo roxo e o azul de seu cabelo. Mas o que a mais intrigava eram seus modos, completamente despojados, ainda que confiantes. Ele se mexia dentro do salão como se fosse seu reino. Tinha tamanha consciência de onde ficava cada coisa, que andava de costas sem tropeçar em nada, comandava os outros humanos ali dentro, decidia as posições das cadeiras estranhas na frente de cada retângulo refletivo. Se mexia como se dançasse.

Se antes ela queria questionar e vivenciar tudo, agora Ariella se deixava ser guiada. Deixava que Thea contasse a mentira de onde ela vinha, enquanto o cabeleireiro a fazia cambalear até uma das cadeiras e empurrava seus ombros para que sentasse.

"Esses seus hóspedes são sempre tão assustados, né?" Ele perguntou à humana, depois encontrou os olhos violetas da sereia no espelho. "Como vai ser?"

"Vermelho," ela disse, respirando fundo e encarando seu reflexo no espelho e hipnotizante enorme à sua frente. "Como morango."


Nota da autora: alguns de vocês vão se lembrar que eu coloquei este livro em hiatus no final do ano passado. Teoricamente, ele continua em pausa, porque quero terminar de escrever todos os capítulos para voltar a postar.Mas resolvi abrir uma exceção para os capítulos 3 e 4, porque eles teoricamente deveriam fazer parte dos primeiros cinco que nós, participantes do Projeto RED, combinamos de postar em dezembro de 2016. Como eu estava em falta e já escrevi esses dois, decidi postar agora. Mas os próximos vão demorar mais.Para vocês terem uma ideia, a história inteira vai ter aproximadamente onze capítulos + prólogo e epílogo. Minha meta é de terminar de escrever e postar até final de fevereiro, mas nem sempre isso funciona. Espero que vocês não abandonem a história até lá e estejam gostando!

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