29
Karina's pov:
"Vi seus olhos brilharem. Você desviou o olhar, e quando me olhou novamente, senti que podia vencer uma guerra."
Não sei por quanto tempo adormeço, mas quando acordo os raios de sol desbravam fortes pela janela. Minjeong está sentada ao meu lado na cama, concentrada, lendo um dos livros que eu havia lhe recomendado. Então me lembro do que aconteceu mais cedo e isso explica por que meu corpo está tão dolorido.
— Está gostando da leitura? — Pergunto. Minha voz ainda está meio sonolenta.
Minjeong desvia a atenção do livro e me encara, surpresa.
— Ei, está se sentindo melhor?
— Tirando o fato de que sinto como se tivesse sido atropelada, estou muito bem. — Brinco.
Ela dá uma risadinha leve, como se achasse isso encantador.
— Que horas são? — Pergunto, me ajeitando de modo a me deitar com a cabeça pousada em cima do seu colo.
Minjeong coloca o livro de lado antes de afastar uma mecha de cabelo do meu rosto.
— Por volta de uma hora da tarde — Ela diz, se inclinando para beijar minha testa. — Achei que seria bom você descansar um pouco mais.
— Obrigada. — Estico a mão, tocando seu rosto com delicadeza. — E mais uma vez me desculpe pelo que aconteceu. Eu não queria causar problemas para você e a sua família.
Ela balança a cabeça, olhando para mim.
— Pare de se desculpar. — Diz, segurando minha mão e depositando um beijo em minha palma. — Não existe necessidade para que faça isso, Jimin.
Fico em silêncio e fecho os olhos quando ela começa a acariciar meus cabelos com os dedos. Este momento e tão perfeito que a sensação que tenho é de estar sonhando. Quando paro para pensar, percebo o quão solitária e medíocre era minha vida antes dela. Mas, agora ela está aqui e tudo parece ter encontrado o seu devido lugar.
— Vai dormir de novo? — Minjeong pergunta em tom gentil.
— Se você continuar fazendo isso, vou. — Repondo, sorrindo. Então abro os olhos e a encontro me observando com um olhar tão cauteloso que sinto meu coração recobrar sua inquietação. — No que você está pensando? — Pergunto.
— Você se machucou por minha causa... — Ela diz, tocando minha mão enfaixada.
Respiro fundo e me sento ao seu lado.
— Eu não quero que você se culpe por isso, ok? Quando Sunghoon me atingiu pela primeira vez, eu estava com a guarda baixa. Mas eu sabia que se não lutasse ele iria me espancar. Isso soa dramático para eu dizer agora...
Minjeong interrompe.
— Não há nada de dramático sobre isso.
— Agora, eu tenho esses machucados no corpo que são bem doloridos, mas que não vão atrapalhar minha vida em nada. Sequer vão deixar cicatrizes.
Seus olhos ficam pesados.
— Isso me deixa mais aliviada — Ela abaixa a cabeça e morde seu lábio inferior. — Tudo bem se eu falar sobre minhas cicatrizes também?
— Tem certeza? — Pergunto, cautelosa. — Você não precisa fazer isso só porque eu disse que precisávamos conversar. Tem algumas coisas que eu não entendo, mas posso...
— Eu quero fazer isso.
— Então tudo bem.
A voz de Minjeong é tímida. Eu vejo o medo nos olhos dela a partir da ideia de falar sobre o que aconteceu no parque ambiental um ano atrás. Eu sei o quão difícil vai ser para ela, mas mesmo com a voz tremendo, ela ainda fala.
— Seu nome era Seoyun. Às vezes, minha memória tentava me convencer de que eu poderia ter me enganado, mas não. Era definitivamente Seoyun. — Ela diz.
— Quem?
— A garota que morreu no parque ambiental.
Eu me sento mais reta, e mais alerta.
— Seu nome era Seoyun, e ela estava deixando seu namorado. — Ela me conta cada detalhe do que aconteceu. Ela me conta que ele era o irmão mais velho de Sunghoon, ela me conta como Seoyun se sentiu, seu pânico, seus gritos.
Por mais de um ano, Minjeong revive seu horror uma e outra vez, nunca esquecendo um pedaço dele. Enquanto ela continua, seu corpo começa a tremer, mas ela não para. Ela continua me contando a história do dia que mudou sua vida. Eu escuto, ficando com raiva, com medo, e triste por ela. Eu não posso imaginar ver as coisas que ela viu. Eu não posso imaginar o que ela passou assistindo alguém ser assassinado diante dos meus olhos.
— Eu pensei que eu ia morrer, também, Jimin. Da mesma forma que vi a vida dela acabando... era isso que eu sentia. Poderia ter ido facilmente dessa forma, também. Se eu não me afastasse dele, ele teria me matado.
— Como você se afastou? — Pergunto, colocando uma mecha do cabelo dela para trás da orelha.
Ela respira fundo, e seus olhos brilham.
— Um casal apareceu na trilha, assustando-o. Eles salvaram a minha vida.
— Ah, Minjeong. Sinto muito. — Eu me sinto péssima por ela.
— Não. Está tudo bem. Na verdade, não está, mas está, sabe? É por isso que eu quis me fechar, para esquecer. Mas não vou mentir: ver o irmão de Sunghoon, alguém em quem eu confiava, fazendo aquilo me atingiu em cheio.
— Não consigo imaginar como você se sentiu — sussurro. — Eu não consigo compreender como ele e Sunghoon tiveram a coragem de fazer aquilo com você.
— Sunghoon me culpa pela condenação do irmão — comenta Minjeong. — Essa reação era a única que eu não esperava dele, sabe? Tudo o que eu queria era que ele me apoiasse, mas, por algum motivo, ele não conseguiu fazer isso... — Ela respira fundo e fecha os olhos. — Tudo que eu queria era ficar perto das pessoas que amava e, em vez disso, ele terminou comigo e começou a me ver como inimiga.
— Sinto muito, Minjeong.
Ela abre o sorriso mais triste e dá de ombros.
— Às vezes, a vida é tão injusta, mas acho que as coisas são como são. E eu ainda tinha coisas piores com as quais lidar, sabe?
— Como assim?
— É só que... — Ela respira fundo. — Eu tive que sentar em frente a ele no tribunal. Eu tive que sentar sabendo o que ele fez e tentar o meu melhor para não reagir. Quando eu o vi antes, tudo aconteceu tão rápido. Foi tudo um flash, mas no dia do julgamento eu realmente tive que enfrentá-lo. Ele foi quem mudou tudo; Ele foi quem roubou minha liberdade de mim. Como faço para lidar com isso? Como eu vou pedir para ele devolver?
— Você não pode pedir — falo para ela, pegando sua mão. — Você somente pega. Você pega de volta o que ele roubou de você sem permissão. Sem culpa. Isso é seu. A única maneira de recuperá-la é encarar o seu passado. Você tem essa força, Minjeong. Você sempre a teve. Agora é só tempo para o resto do mundo saber isso.
O corpo dela começa a tremer, e eu a puxo para mim, esforçando-me ao máximo para que ela saiba que não está sozinha nesse momento.
— Às vezes, eu sentia que estava enlouquecendo — ela confessa. — Eu não tive tempo de lidar com nada antes de ter que enfrentar os processos judiciários. Minha mente estava tão frágil. Meu coração, partido. Eu só queria fugir e me esconder de tudo.
Não há palavras que possam consolá-la. Nada que eu fizer vai apagar essa dor, então, faço a única coisa que posso fazer — eu a abraço.
Eu a abraço tão forte, por tanto tempo que, quando chega a hora de seus olhos se fecharem, ela adormece no meu peito. Parte meu coração ver que, mesmo durante o sono, as lágrimas continuam escorrendo de seus olhos.
Até mesmo no sono, onde deveria encontrar um pouco de paz, ela ainda sofre.
Minjeong merece mais, muito mais do que o mundo lhe deu. Ela merece a felicidade mais do que qualquer um. Eu odeio o fato de a vida ter sido tão dura para alguém tão bom. Eu odeio que coisas ruins engulam o coração da garota mais adorável que eu já conheci.
\[...]
Ficamos mais na cama do que deveríamos, e eu a abraço por mais tempo do que planejei. Ela ainda está dormindo, a respiração suave enquanto seu peito sobe e desce contra o meu corpo. Eu nem noto quando acontece, meus lábios tocando sua testa. Ela sofreu tanto me contando sobre os seus dias mais sombrios, e, enquanto ela falava, eu sabia que estava revivendo cada um dos momentos.
Eu não consigo imaginar seu sofrimento. Eu não consigo imaginar sua dor.
Tudo que eu posso fazer é abraçá-la e esperar que meu toque seja o suficiente para ajudá-la a passar por essas lembranças.
Minjeong se vira um pouco e se aconchega mais a mim, enquanto um bocejo escapa pelos seus lábios.
— Eu dormi — ela sussurra.
— Dormiu — respondo.
— Desculpe. — Ela se senta e se espreguiça. — É melhor eu ir.
— Ou...
— O quê? — Ela pergunta, olhando para mim.
Seu cabelo está despenteado e eu não sabia como ela conseguia parecer ainda mais linda.
— Você está bem? Depois de tudo o que me contou?
Ela me dá um sorriso cansado.
— Eu vou ficar bem.
— É, eu sei... Mas se você precisar de alguém com quem conversar, estou aqui.
O olhar dela se suaviza e desvia de mim.
— Cuidado, Jimin — ela sussurra, passando os dedos pelo cabelo. — Uma garota inconsequente como você não deveria fazer meu coração acelerar dessa maneira.
— Bem, talvez não tenha problema, sabe? Às vezes o coração precisa dar uma acelerada para continuar batendo.
Ela fica em silêncio, e eu me pego observando cada detalhe do seu rosto atentamente.
— Eu sei que você acabou de acordar, mas acabei me lembrando de uma coisa.
Ela arqueia uma sobrancelha, intrigada.
— O que?
— Um dos primeiros itens da sua lista de afazeres. Assistir a um nascer do sol ou pôr-do-sol no lago.
Um pequeno suspiro escapa de seus lábios, e ela olha para o céu claro que está lentamente começando a entardecer.
— Você entende a importância desse item, certo? — Pergunta ela.
— Sim. Eu entendo.
— E mesmo assim acha que sou capaz de realizá-lo? — Pergunta ela com voz trêmula e insegura.
— Claro que pode. — Seguro seu queixo com a mão, obrigando-a a olhar nos meus olhos. — Vai ser doloroso, difícil, mas isso meio que faz parte do processo de recuperação, no entanto.
— Como assim?
— A força que você vai encontrar para enfrentar essa barreira. Mesmo você achando que não vai conseguir, eu estou aqui para fazer você perceber que pode. Eu te prometi isso, lembra? Que seria a pessoa a te ajudar a riscar as coisas fora da sua lista de afazeres.
Minjeong se aconchega mais e encosta a testa na minha.
— Jimin? — Ela fecha os olhos.
— O quê? — Eu fecho os meus.
— Meu coração está acelerado de novo.
— Bem, acho que você vai precisar aprender a lidar com isso. — Digo, beijando seus lábios antes de me afastar — Então, vamos enfrentar mais esse desafio juntas?
Ela assente com a cabeça, e eu me pergunto se estou imaginando isso.
Dez minutos depois, estamos cobertas dos pés à cabeça — Minjeong com o moletom que roubou de mim, eu com um casaco xadrez e boné. Percorremos a curta distância até o parque ambiental. Não está tão frio quanto eu esperava, mas essa não é a coisa mais importante aqui. Pois isso se dá ao fato de Minjeong finalmente estar dando esse passo em sua vida. E eu não poderia estar mais orgulhosa.
Eu a acompanho, e por um momento nos fazemos companhia em silêncio. Conforme avançamos pela entrada do parque, sinto suas mãos apertarem meu braço. Não falo nada, porque o pesar de sua linguagem corporal está dizendo tudo o que precisa ser dito.
Seguimos por entre as árvores, chegamos a uma clareira. Há um lago aberto e o sol se pondo toca cada canto do espaço. Minha mão descansa ao lado do corpo, e quando os dedos dela encontram seu caminho para mim, nós fechamos nossas mãos juntas e olhamos para cima no céu alaranjado de entardecer.
— Foi aqui que aconteceu — revela Minjeong com um olhar melancólico. — Eu vinha correr pela trilha sempre que estava livre porque esse era o meu lugar de paz. — Ela engole em seco, e sua voz falha. — Achei que nunca mais seria capaz de vir a esse lugar.
Meu coração não para de se partir diante do sofrimento de Minjeong. Seguro a mão dela por mais um tempo, mas não digo nada. Não há o que dizer ao se ouvir uma história como essa. Eu só agradeço por ela ainda estar viva e bem.
— Não sei como me sentir — ela declara suavemente, olhando para o lago a nossa frente
— Então não sinta nada. Só se permita apreciar o momento.
Minjeong fecha os olhos e respira fundo enquanto a envolvo em meus braços. Quero que ela sinta a minha presença. Quero que saiba que não está sozinha.
— Eu sinto muito. — sussurro. — Eu sinto muito por tudo o que você teve que passar, Minjeong. Você não merecia nada disso. Eu sempre soube o quão difícil era para você lidar com tudo isso, mas não conseguia ficar apenas olhando. Eu precisava empurrá-la para suas conquistas. Eu não queria que você ficasse presa no passado para sempre.
— Você ficou do meu lado durante todo esse tempo, Jimin. Suas atitudes me puxaram para fora do meu casulo. Sua presença me salvou. — Ela se afasta e olha para mim com o olhar mais sincero que já vi. — Eu ainda me sinto quebrada. Não posso jurar que não terei dias ruins, mas prometo que vou lutar pelos bons. Eu lutarei por você, Jimin. Da mesma forma que você luta por mim.
Chama minha atenção ouvir cada uma das palavras sair da boca de Minjeong. Ela não sabe o quanto isso significa para mim. Sem dizer nada, eu volto a abraçá-la.
O jeito como ela relaxa contra o meu corpo faz minha mente se anuviar, mas eu não me importo. Eu não me sentia desse jeito há tanto tempo — um sentimento de intimidade e proteção. Eu quero protegê-la do resto do mundo, de todas as mágoas e sofrimentos, mesmo assim, egoistamente, eu quero mantê-la perto de mim.
Ela apoia a testa contra a minha e respira fundo.
— Jimin?
— Hã?
Ela roça os lábios nos meus e fecha os olhos.
— Estou muito feliz por você existir.
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