happy christmas !
JANNE MURPHY tinha oito ou nove anos naquele natal de 1990. Ela era apenas uma garotinha curiosa e esperta, ansiosa para descobrir o mundo que se encontrava fora dos aposentos da casa de sua avó, Cora Jenkins. Cora era uma senhora viúva que prezava até demais sua única neta, a lembrança viva de sua filha Marylin, morta em um estranho acidente doméstico. Tudo o que lhe restara fora Janne, e o seu genro Oswald Murphy, um homem razoavelmente bom, mas sempre muito ocupado para cuidar da filha; isso piorou depois da morte de Marylin, porque ele passou a trabalhar desesperadamente mais do que já trabalhava, sem horários ou limites, como se isso pudesse aliviar a dor de seu luto.
[ mas só piorava. ]
O fato é que Janne Murphy crescia sozinha e presa na grande casa de sua avó ( que também tornara-se a sua casa e a de seu pai ), quase sempre entediada. Não presa no sentido literal, obviamente; mas os cuidados excessivos dedicados a ela pela avó a faziam sentir-se protegida demais. Ela queria sair, correr, saber como era ter um joelho ralado, mas não podia. "Não saia quando estiver chovendo", "hoje está muito quente!", "você pode pegar um resfriado", "vai acabar se machucando!" e tantas outras frases faziam Janne, com seu irremediável espírito aventureiro, revirar os olhos. Ela sentia tanta falta de sua mãe, mesmo tendo vivido tão pouco com ela. . . Um dia, Janne lera uma frase escrita por Marylin em seu diário que dizia que qualquer pessoa pode tocar as estrelas do céu e também as estrelas do mar. Basta apenas querer. Céus, como ela queria! Mas as únicas estrelas que podia tocar eram aquelas desenhadas nas paredes de seu quarto, grande e colorido.
De qualquer forma, Janne não odiava totalmente Cora. Ela era uma boa mulher, talvez assombrada pelo fantasma de sua filha em sua mente e pelo medo de também perder a cópia mirim dela. Como avó, ela era gentil e tradicional: estava sempre preparando quitutes para a neta, comprando-lhe roupas e brinquedos novos sempre que precisava e cuidando de sua saúde e educação como deveria.
[ exagerando no quesito saúde, infelizmente. ]
E Janne estava pensando nisso, naquela noite fria de natal de 1990, enquanto olhava o céu pela janela de seu quarto. Sua avó estava preparando algo para a ceia de natal na cozinha; alguns vizinhos e parentes iriam jantar em sua casa. Isso era ótimo, porque ela veria Nancy e Cristhian Keene, seus melhores amigos. Eles eram gêmeos e poderiam destruir o mundo com uma das suas bizarras invenções produzidas no quintal de casa. Às vezes, Janne os ajudava, quando escapulia para a casa deles sem que sua avó percebesse; ela era boa em fugas do estilo ninja.
Mas hoje, particularmente hoje, Janne sentia-se estranha. Ela não queria brincar com Nancy e Cristhian, nem ter que jantar com todas aquelas pessoas que iriam rir e conversar alto até tarde da noite. Janne queria um pouco de paz e silêncio, e por isso, ela esgueirou-se pela sala, abriu a porta e alcançou o ar frio e fresco das ruas, não antes de agasalhar-se com as roupas que sua avó lhe comprara no início do inverno e de roubar um belo pedaço de panetone que anteriormente encontrava-se na mesa da sala.
A rua Stone Grand estava um pouco mais vazia do que o comum: as pessoas estavam em suas casas, fugindo do frio e abrigando-se nas delícias natalinas que estavam sendo postas em suas mesas, rodeadas de parentes que elas não viam desde o ano passado e de vizinhos com os quais elas brigaram na semana anteriorㅡ mas, ah, era natal. Esqueça as intrigas no natal e volte a remoê-las no segundo dia de janeiro. O primeiro dia é confraternização mundial, então ature a falsidade mais um pouco.
O cheiro de pernil assado, panetone e chocolate misturavam-se e dançavam pelo nariz de Janne, fazendo cócegas nele. A garota caminhou até a praça St. Marie, observando as luzes coloridas e os enfeites natalinos que adornavam a praça e as casas ao redor com um sorriso admirador. Ela amava o natal.
Os bancos vazios pareciam convidativos para se sentar, e assim a garota o fez. Ela balançou as pernas para frente e para trás, os pés roçando e chutando delicadamente a neve do chão.
Janne voltou a olhar para o céu, que parecia imensamente maior agora, fora do retângulo que era sua janela. Apesar de estar nevando, as estrelas estavam miraculosamente visíveis, cintilando de forma pulsante como pisca piscas espaciais. Janne gostava de imaginar que sua mãe era a estrela mais brilhante do espaço, e procurá-la era sua distração. Depois, ela só precisava converter em palavras aquilo que sentia no momento, o que não era difícil, porque aquela era sua mãe.
ㅡ Oi mamãe ㅡ ela falou baixinho, hesitante no começo como sempre, mas logo as palavras começariam a fluir de sua boca. ㅡ Como você está? Eu acho que bem, você está mais brilhante do que nunca hoje.
A estrela cintilou, marota; talvez fruto da imaginação fértil da garota.
[ ou não. ]
Ela continuou.
ㅡ Bom, feliz Natal ㅡ ela disse, sorridente. ㅡ É uma bela noite de Natal. As pessoas estão ceiando agora, mas vovó se atrasou hoje, sabe? Ela teve um probleminha com o tempo do cozimento do bolo e teve que refazer tudo. Pelo menos ela colocou mais uvas passas na segunda massa, ela estava mais apressada.
Janne deu outro risinho enquanto mordia um pedaço do panetone. Na escola, em épocas de fim de ano, as briguinhas sobre as polêmicas uvas passas eram frequentes, e Janne estava no grupo dos que amavam as frutinhas secas. Eles eram minoria.
ㅡ Está bem frio hoje. Mas é normal, estamos no inverno, óbvio. Você consegue enxergar como os flocos de neve se formam daí, não pode mamãe? Os livros falam sobre água congelando nas nuvens por causa da baixa temperaturaㅡ ela repetiu o que lera no seu livro didático Tenha Ciência, página 93.
A estrela piscou novamente
[ ela sempre estava piscando ]
e Janne iria lhe falar mais alguma coisa quando foi interrompida por um choro de criança. Ela olhou ao seu redor, procurando a origem do som, e a encontrou em um bebê que choramingava nos braços de sua mãe, uma mulher que não deveria ter mais de vinte ou vinte e um anos e que tinha acabado de sair de dentro de uma das casas que ficavam em frente à praça.
A jovem mamãe ( possivelmente de primeira viagem ) não sabia muito bem como agir para fazer seu filhinho agitado parar de chorar, então fez o que seu instinto maternal dizia ser certo: começou a balançá-lo delicadamente enquanto cantava um canção de ninar. Sua voz não era lá tão bonitaㅡde acordo com ela mesma, mas era reconfortante o suficiente, ela acreditava. A mulher entendia que o bebê ainda não estava acostumado com todas aquelas gargalhadas altas que sua tia Marllene soltava por qualquer coisa, mas o que ela podia fazer? Às vezes, ela própria se assustava.
Janne não sabia que a mulher chamava-se Veronica Wilkins, nem que sua família era composta por um extenso grupo de pessoas animadas e solidárias; ela também não sabia que, anos mais tarde, teria um adorável relacionamento com Gregory Wilkins, irmão mais velho do bebê que ela observou acalmar-se e pegar no sono, com fascínio. Naquela época, ele também deveria ter uns oito ou nove anos de vida.
De todas as cenas que Janne tinha visto em sua curta vida até agora, aquela havia sido a mais doce e especial de todas. O bebê adormeceu nos braços de sua mãe, que, aliviada, esperou mais algum tempo e então girou sobre os calcanhares para entrar na casa número 10 da rua Stone Grand, voltando para aquele mundinho caloroso de diferentes cheiros, sabores e emoções que se tornava a sua casa em épocas natalinas.
Foi no exato momento em que viu a porta se fechar que Janne entendeu o que estava sentindo; aquela estranha sensação que apertava seu coração impiedosamente chamava-se tristeza. Chamava-se saudade.
ㅡ Ah, mamãe ㅡ disse ela, as estrelas refletindo-se em seus olhos brilhantes. ㅡ Sinto sua falta. Queria que estivesse aqui. Queria muito que estivesse aqui.
Lágrimas quentes deslizaram sobre o rosto da menina enquanto ela encarava tristemente o céu. Era natal, um dia feliz onde todas as pessoas se reuniam para confraternizar, rir e comer ( oh sim, a comida era um belo ponto principal ), mas ela não conseguia evitar sentir-se sozinha e triste.
Ela ficou por um bom tempo em silêncio, sem emitir nenhum som que não fosse um soluço sufocado, vez ou outra. O céu estrelado não deixou de ser o foco de seus olhos úmidos por nenhum segundo. A imensidão que definia o espaço trazia uma sensação de solidão e também de uma estranha empolgação para a garota, e ela não sabia dizer muito bem o porquê.
ㅡ Estou certo de que sua mãe não gostaria de te ver chorando ㅡ disse uma voz ao seu lado, de repente. Janne teve um sobressalto. ㅡ Mas chorar faz bem, e mães querem ver seus filhos sempre bem. Então desabafe, vai se sentir melhor.
Ao lado de Janne, havia um homem estranho de roupas estranhas e um sorriso solidário. Ela não fazia ideia de quem ele era nem de quando tinha chegado ali, mas fosse quem quer que fosse, sua presença não era incômoda; Janne não sabia explicar ao certo.
ㅡ Quem é você? Há quanto tempo você chegou? ㅡ perguntou ela, enxugando o nariz no casaco e fungando.
ㅡ Eu estou apenas de passagem. O que faz aqui sozinha? Não deveria estar em casa? Você se perdeu?
ㅡ Não, minha casa é aqui perto. Eu só vim tomar um ar, caminhar um pouco.
ㅡ Oh, sim. ㅡ ele disse simplesmente, e começou a olhar para as casas repletas de luzes e guirlandas. ㅡ Desculpe, em que ano estamos?
Janne fez uma expressão confusa enquanto sorria minimamente.
ㅡ Você está bem? Como é que não sabe do ano em que vivemos?
ㅡ Estou ótimo ㅡ ele também sorriu, e Janne notou que ele, intrigantemente, nunca respondia todas as perguntas.
ㅡ Então tá. . . Estamos em 1990. Vinte e quatro de dezembro de 1990.
ㅡ Então é noite de natal!ㅡ o homem exclamou. ㅡ Brilhante. É uma época adorável o natal, não?
ㅡ Eu gosto muito!ㅡ e era a mais pura verdade.ㅡ Bem, o que você tá fazendo aqui?
ㅡ Já disse, estou apenas de passagem. Olhando as estrelas, como você.
ㅡ Ah. . . Ei, você aceita?ㅡ ela ofereceu um pedaço do panetone que jazia temporariamente esquecido em suas mãos. Ele sorriu e aceitou.
ㅡ Adoro o de frutas secas.
ㅡ Eu também!ㅡ Janne exclamou e voltou a olhar para o céu enquanto degustava o maravilhoso sabor. Mais tarde, já crescida, ela se perguntaria como confiara naquele homem tão rapidamente. Ela não sabia sequer seu nome, e ao invés de sair dali discretamente ( uma decisão sensata ), ela simplesmente continuou agindo de forma normal. Ela tinha suas teorias para isso: 1. não haviam casos de sequestro frequentes em sua cidade para torná-la desconfiada de qualquer pessoa; 2. a estranha sensação de familiaridade ter passou-lhe confiança; 3. ela esteve sob influência do sentimento de gentileza, solidariedade e fraternidade que o natal a transmitia.
Ora, ela era só uma criança
[ triste e solitária ]
inocente que acreditava no lado bom das pessoas; isso foi algo que perdurou por toda a sua vida.
ㅡ É uma bela noite, não? ㅡ o homem disse, também olhando o céu. Seu rosto pareceu quase que melancólico. ㅡ As estrelas estão brilhantes hoje. Em ambos os sentidos.
ㅡ Ah, é verdade.
Alguns segundos se passaram antes de Janne falar algo que jamais tinha dito a ninguém. "É bom colocar em palavras o que sentimos", ela pensou depois de terminar.
ㅡ Sabe, eu gosto de pensar que as estrelas são as casas das boas almas que se vão ㅡ ela o confidenciou, e apontou para a estrela com quem conversava. ㅡ Minha mãe mora naquela dali, a mais brilhante. Sei disso porque ela sempre fala comigo, sabe? Eu falo e ela pisca. É assim que ela se comunica.
ㅡ É mesmo?ㅡ ele voltou-se para ela. ㅡ Quem era sua mãe?
ㅡ Marylin. Marylin Murphy. Mas ela gostava de ser chamada de Mary ㅡ ela disse, lembrando do que sua avó contava sobre sua mãe de vez em quando.
ㅡ Marylin. . . ㅡ ele ficou pensativo, e olhou para a esquerda, diretamente para a placa hasteada em um poste de metal que indicava o nome da rua; ele ficou um bom tempo a encarando, como se estivesse pensando em algo. A placa ficava perto da casa da Sra. Boe, uma mulher que amava chá e que dividia a casa com quinze gatos resgatados da rua. Ela era uma típica senhorinha bondosa a quem Janne dedicava tanta confiança quanto a sua avó.
ㅡ Você saberia me dizer se o nome de solteira de sua mãe era Marylin Jenkins?ㅡ ele indagou, por fim.
Janne tentou lembrar. Ela não tinha tanta certeza. . . Mas então um raio de luz clareou sua mente; a menina recordou-se de quando, duas semanas atrás, ela entrou sutilmente no antigo quarto de sua mãe ( algo estritamente proibido pela sua avó ) e mergulhou em um mundo de fotos antigas e objetos que pertenceram a Marylin em vida. Durante o precioso tempo que passou dentro do aposento, entre risos e olhos lacrimejantes, Janne encontrou um documento que continha o nome completo de sua mãe e uma fotografia de quando ela era adolescente. Ela era bem bonita.
ㅡ Sim, era isso mesmo. Marylin Anne Jenkins. Anne é um nome bonito, uma das minhas bonecas se chama assim.
ㅡ Marylin Jenkins. . . ㅡ ele repetiu, com uma expressão indecifrável, mas que Janne tomou como pesar. ㅡ Desculpe, ela faleceu a quanto tempo?
ㅡ Não sei muito bem. Eu era muito pequena. . . Na verdade ainda sou, infelizmente. ㅡ ela deu um pequenino sorriso.
O homem retribuiu o sorriso, mas ainda parecia triste.
ㅡ Você conhecia ela?
ㅡ Sim. Ela foi uma grande, grande amiga.
ㅡ Oh meu Deus, eu sinto muito. . . Sinto muito mesmo por você saber dessa forma. Eu não sabiaㅡ disse ela, consternada. Janne sentiu-se um tanto culpada por ter dado a notícia daquela forma.
ㅡ Olha, que tal falar um pouco sobre ela? Como ela era?ㅡ Janne pediu, metade para tentar confortar o amigo de sua mãe, metade para saber mais sobre ela. Sua voz, principalmente na última sentença, soou como a de uma criança empolgada para ouvir um instigante conto de fadas; os olhos brilhavam em genuína ansiedade por ouvir um pouco sobre a pessoa que fora, era e sempre iria ser a mais especial do mundo para a garota.
ㅡ Mary foi uma mulher simplesmente fantásticaㅡ ele disse, sorrindo para ela.ㅡ Fantástica mesmo. Mary era corajosa, inteligente e gentil. Ela quase nunca se amedrontava, e era uma pessoa incrível. O único problema é que às vezes, ela era um pouco sensível demais. E se irritava muito fácil.
ㅡ Ela era zangada?ㅡ Janne perguntou, e riu. O homem também riu.
ㅡ Sim, ela era bem zangada. Se você ousasse contrariar ela, ou lhe ditasse ordens demais, ou se tocasse em alguém que ela amava, ah, ela ficava muito brava.
ㅡ Poxa vida, eu sou um pouco assim.
ㅡ É, você parece bastante ela. Por fora e por dentro.
ㅡ Eu pareço?ㅡ Janne ficou encantada. Ela sempre ficaria assim quando lhe dissessem isso, não importava quantas vezes fossem. ㅡ Ela falava sobre mim?
ㅡ Não poderia, porque quando eu a conheci, você não era nascida ainda. Eu acho que ela nem conhecia. . . Espere, seu pai se chama Edward Kerkorian ?
ㅡ Edward? Não, o nome dele é Oswald Murphy. Por quê?
ㅡ Oswald Murphy. É, quando eu a conheci, ela provavelmente nem conhecia o seu pai ainda. Mas tenho certeza de que ela te amou muito.
Janne sorriu. Ela também a amava muito. Muito mesmo.
ㅡ Vem cá mocinha, não acha melhor ir pra casa? Sua avó deve estar preocupada. Ela sempre foi bem preocupadaㅡ ele murmurou a última sentença para si mesmo. Janne assentiu.
ㅡ Talvez seja melhor. Vovó nem me viu sair, quando ela notar que eu sumi vai ficar louquinhaㅡ ela deu um risinho e escorregou com destreza do banco para o chão. ㅡ Sou boa em fugas do estilo ninja.
Ambos passaram a caminhar pela rua vazia, em direção à casa de Janne. A garotinha percebeu que, estupidamente, ainda não sabia o nome daquele estranho que andava ao seu lado. Ela iria perguntá-lo novamente quando notou algo no céu.
Uma estrela cadente.
ㅡ Olhe!ㅡ Janne exclamou, apontando para o céu, completamente encantada. ㅡ Uma estrela de natal!
A estrela de natal era apenas um risco prateado atravessando o céu, "esbarrando nas outras estrelas", como Janne pensava que acontecia. Mas havia algo de mágico, de especial e de singular naquele pequeno risco prateado que Janne talvez jamais visse igual, nem soubesse explicar. Foi uma bonita cena aquela em que, em meio aos pequenos e delicados flocos de neve que caiam em Stone Grand ( e no resto da cidade e do estado ), podia-se ver um homem que já tinha vivido tanto e uma menina que havia vivido tão pouco olhando para o mesmo ponto no céu; uma estrela cadente que nada mais era do que detritos espaciais queimando ao entrar na atmosfera terrestre, mas que naquela noite de natal, tornavam-se um símbolo de que tudo podia ser melhor no próximo ano.
ㅡ Que linda!ㅡ disse Janne, depois de ter feito seu pedido, obviamente. ㅡ Eu queria tanto ver uma delas de perto!
ㅡ Esse era o mesmo sonho de sua mãe, ver as estrelas. Ela queria ver as estrelas e tudo o mais que seus olhos pudessem enxergar. Talvez, assim como ela, você consigaㅡ disse o homem, sempre sorrindo. Ele voltou a andar e Janne o seguiu, perplexa.
ㅡ Como assim? Ela viu as estrelas? Como!?
ㅡ Digamos que eu e ela éramos parceiros de viagem. . .
ㅡ Você é um astronauta? Mamãe também era!?ㅡ ela o interrompeu. Grandes pontos de exclamação e interrogação flutuavam sobre sua cabeça.
ㅡ Quase issoㅡ ele disse, ainda com um pequeno sorriso em seu rosto misterioso.
ㅡ Então me leve! Eu também quero ver as estrelas de perto! Por favor!
Janne estava prestes a pular de empolgação. Ver as estrelas de perto, oh céus, apenas imagine isto! O homem continuou caminhando, sem mudar sua expressão, as mãos no bolso do casaco. Ele parou a poucos metros da casa da garota.
ㅡ Ah, vamos, me leve, por favor!ㅡ Janne repetiu, achando necessário usar de mais eloquência dessa vez. Se este fato tivesse acontecido quando Janne tivesse mais idade, ela com certeza teria se perguntando como aquele homem sabia onde era a sua casa sem que o ela dissesse exatamente; mas a garotinha não a tinha, portanto, sua inocência infantil e empolgação naquele momento a tornaram displicente sobre aquele fato.
ㅡ Desculpe pela falta de modos!ㅡ o homem exclamou.ㅡ Eu nem me apresentei. Eu sou o Doutor. E você, como se chama?
Ao contrário da maioria das pessoas que ouviam a frase "eu sou o Doutor. ", Janne não perguntou "Doutor? Doutor quem? ". Ela apenas acreditou, e sorriu quando pronunciou seu nome.
Janne amava seu nome e a forma como ele soava. Janne Murphy.
ㅡ Meu nome é Janne. Janne Murphy.
ㅡ É um nome muito bonito, Janne! Bom, você já está entregueㅡ o Doutor disse, aproximando de uma cabine de polícia azul.
Espere um pouco aí. O que aquela cabine estava fazendo ali? De onde viera? Janne nunca tinha visto nenhuma cabine de polícia daquelas perto de sua casa, nem em lugar nenhum.
ㅡ De onde veio isso?ㅡ ela verbalizou seus pensamentos, olhando com estranheza para a cabine. Sua expressão confusa tornou-se ainda maior quando o Doutor a abriu tranquilamente e entrou nela, parando na entrada e olhando para a garota. Atrás dele, haviam coisas que certamente não existiam em cabines de polícia comuns.
ㅡ Isso é a sua nave espacial, Doutor?ㅡ indagou Janne, olhando com curiosidade o interior visível da cabine. Ela era boa em especulações e muito rápida em analisar coisas que despertavam seu interesse; sua mente funcionava incrivelmente depressa. Ele dissera que era algo parecido com astronauta, não? Astronautas tem naves. E aquelas coisas que ficaram visíveis por alguns instantes a remetiam imediatamente a uma nave.
ㅡ Ah sim. É com ela que eu vejo as estrelas , e muitas outras coisasㅡ ele piscou. "Como espaço, e tempo", ele pensou. ㅡ Gosta dela?
ㅡ É bem peculiar ㅡ ela respondeu, lembrando da palavra que vira em um livro, algum tempo atrás.ㅡ Mas por que ela é uma cabine de polícia?
ㅡ Ela não é uma graça? Eu gosto assim. Bom, desculpe eu não poder ficar mais tempo, Janne. Eu realmente preciso ir agora. Mas vou muito bom te conhecer, mesmo.
ㅡ Eu também gostei muito de conhecer, Doutor. ㅡ Janne fez uma pequena pausa. ㅡ Você vai voltar algum dia, não vai?
O Doutor sorriu. Ele poderia ter dito " sinto muito criança, isso não é muito provável "? Poderia. Mas não disse. Ao invés disso, ele disse simplesmente:
ㅡ Talvez.
ㅡ E vai me mostrar as estrelas, como fez com mamãe?
Janne recebeu como resposta um olhar indecifrável, mas gentil. Ela interpretou-o como um sim.
ㅡ Nos vemos por aí, pequena Janneㅡ o Doutor disse, e acenou antes de entrar dentro da cabine-nave, que chamava-se TARDIS, embora Janne não soubesse disso. Antes, porém, que ele tivesse entrado completamente, Janne o chamou.
ㅡ Ei, Doutor!
ㅡ Sim?
Janne sorriu amigavelmente.
ㅡ Feliz Natal!
ㅡ Feliz Natal, Janne Murphyㅡ o Doutor disse. O sorriso em seu rosto agora era doce e contagiante, um daqueles os quais você não consegue olhar sem acabar sorrindo também. Ele entrou finalmente dentro da cabine, depois de acenar novamente.
O que aconteceu em seguida fez a expressão adorável de Janne transformar-se em assombro: a cabine começou a tremeluzir, desvanecendo-se perante os olhos da garota até desaparecer completamente, como se nunca estivesse estado ali. Janne nunca esqueceria o som que ela fezㅡ e nem a forma como estava sempre a procura do mesmo som a partir daquele dia, mesmo que inconscientemente. Janne também jamais esqueceria de, apesar da grande bronca que levara de sua avó, o quanto ficara feliz naquela noite, depois de voltar para casa. Ela estava se sentindo infinitamente melhor do que quando saira.
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Os anos se passaram e Janne cresceu. Ela tornou-se uma jovem sonhadora e gentil, cheia de ideias e ideais, paixões repentinas e uma faculdade de astronomia para pagar. Sua avó viera a morrer alguns anos depois daquele natal e ela foi obrigada a morar com um pai descuidado e uma madrasta indiferente, mas aceitável em geral ( uma mulher chamada Angeline Mark ), mas Janne nunca reclamou da falta de atenção que lhe era dedicada.
Ela amava livros clichês ( o que era provado pela extensa estante de livros em seu quarto, que ainda tinha desenhos estrelados ), mas ter uma vida clichê estava fora de seus planos: Janne queria algo nada convencional, ela queria uma aventura. No entanto, clichês pareciam a perseguir; todas as pessoas pelas quais seu coração batia mais rápido acabavam encontrando-a de forma incrivelmente tradicional: era um esbarrão no corredor da escola, um guarda chuva emprestado em um dia chuvoso, um suco derramado na roupa, um número anotado na última página do caderno com um "me liga :) " acompanhado.
Janne não estava reclamando, claro; ela via amigos de sua idade frustrados por não conseguir ter sequer uma paquera rápida, nem que fosse apenas para ter com que passar o dia dos namorados. Mas ela não queria que sua vida transformasse-se em livro previsível com aqueles de sua estante.
E de fato, ela não se tornaria.
Janne, afinal, encontrou a pessoa de seus sonhos em uma ceia de natal entre amigos e vizinhos ( novamente, o natal ). Na outra ponta da mesa onde diversas famílias se reuniram, estava o doce e meio lunático Gregory Wilkins, agora tão crescido quanto Janne. Ele sorriu pra ela, ela sorriu para ele e ele a convidou para ver as estrelas. E esse convite acariciou de tal forma o coração da jovem Murphy que meses depois ambos estavam namorando.
Janne amou Gregory com todo o seu coração, de tal forma que foi a ele a quem ela confiou seu segredo mais precioso: a sua espera por ele. Por aquele misterioso homem e sua cabine de polícia azul dos anos 60 que era apenas um disfarce para algo que Janne sempre quis adentrar. Porque ela esperou, e como esperou. Em todos os natais, ela ia para aquela mesma praça, apenas para olhar o céu e esperar que aquela voz amigável soasse perto dela novamente, mesmo que isso soasse infantil e imaturo. Ela esperou, esperou mais e depois esperou mais um pouco, porque tinha certeza de que aquilo tinha sido real e de que ele iria voltar; até que um dia. . .
Janne ouviu.
Ela ouviu aquele mesmo inesquecível barulho, e eu lhe juro, ninguém nunca correu tão rápido quanto ela até a praça St. Marie, onde um sorriso estonteante abriu-se em seu rosto quando ela viu o Doutor, aquele mesmo Doutor, abrir a porta de sua peculiar cabine azul e sorrir para ela.
Há rumores de que eles estão viajando até hoje pelo espaço e pelo tempo: Janne, Gregory e o Doutor. Janne descobriu que as estrelas não eram as únicas coisas que ela queria e podia ver, mas eram as únicas que podiam contar sua história, que era, modéstia a parte, brilhante.
💭bom, foi isso. obrigada por ter lido até aqui, sinceramente eu estou morrendo de vergonha e continuo achando que está horrível KKKKKK mas o que acharam? um feedback me ajudaria MUITO.
( lembrando que esta oneshot é meio que uma introdução para minha futura fanfic, então se algo ficar vago, provalmente será esclarecido nela. )
💭amo vocês, demais. feliz natal <3
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