V
A escuridão foi iluminada pela luz do dia que vinha acima. Sentado no chão, Mazu conseguia enxergar nitidamente o céu azul. As milhares de vozes ansiosas ecoavam em seus ouvidos.
Tudo estava perdido. Dakris descobrira a verdade e agora nada poderia impedi-lo de contar para todos. Mazu fora bem no torneio, porém de nada adiantaria caso seu pai o banisse para sempre dos próximos torneios. E Mellak, depois de depositar tanta fé, agora poderia ser surpreendido pela derrota do irmão.
Após alguns minutos, aquele piso, que na verdade era uma grande plataforma móvel, chegou a arena, cessando seu giro e revelando para todos os dois estelares sentados no chão. Os gritos de entusiasmo foram substituídos por exclamações de surpresa.
Todos olhavam para Mazu. No camarote real, os rostos aturdidos de Kazon e Stellae avistaram aquele que não deveria estar no torneio. Mazu os olhou, assustado.
A general Hella, acompanhada dos competidores que não conseguiriam ultrapassar os obstáculos, olhava seriamente para Mazu. Ela correu até a plataforma onde os dois príncipes estavam sentados.
— Mazu! — Ela exclamou — O que você fez?
— Hella, eu… — Mazu não conseguia encontrar as palavras certas para explicar o que fez — Me perdoe.
— Sabe o que virá agora, não sabe? — Ela falou antes de virar as costas e retornar para o local onde estavam aqueles que perderam o torneio.
— Como pode… — O rei Kazon olhava descrente para seu filho — Descumpriu minhas ordens, tirou a chance de seu irmão de estar no torneio!
Mazu se levantou com dificuldade.
— Eu não… Eu não… — Gaguejou.
— Como ousa! — Kazon exclamou — Esta será a última vez que você descumprirá uma ordem minha, Mazu. Não serei mediano com nenhum filho meu.
Mellak desceu das arquibancadas e correu até o centro da arena, onde estavam Mazu e Dakris.
— Meu pai, não! — Ele gritou — Eu tive a ideia, foi tudo minha culpa.
— Por que defende tanto esse mestiço? — Dakris se levantou do chão — O que me enoja mais é saber que você fez parte disso!
— Você não sabe o que está falando, Dakris! — Mellak ficou cara-a-cara com seu irmão.
— Você é tolo! Deu sua chance para alguém que nem ao menos tem algum parentesco com você!
— Mazu é nosso irmão!
— Ele pode ser seu, mas não é meu.
— Parem! — Kazon gritou. — Mazu e Mellak serão banidos dos próximos torneios até segunda ordem.
— Segunda ordem? Eles devem ser banidos do torneio para sempre, meu pai! Você não vê? Mazu nunca vai obedecer você! — Dakris parou diante do camarote real e gritou, cheio de raiva.
Mazu permaneceu parado. Não estava prestando atenção no olhar raivoso do pai ou nos gritos do irmão; ele olhava diretamente para sua mãe, Stellae, que não parecia estar decepcionada — estava com medo encravado no olhar.
— Já chega, Dakris!
Mellak agarrou o braço de Dakris, mas foi surpreendido pelo punho brilhante do irmão, que o atingiu no estômago e o empurrou a alguns metros de distância. Furioso, Dakris tirou da bainha de sua armadura a starshine e partiu para cima de Mazu.
Sem hesitar, Mazu usou sua espada para bloquear os golpes do irmão. Dakris desferiu os mais variados golpes, e todos tinham a intenção de machucar Mazu. Não era treinamento, era uma batalha pela vida.
Mazu
Mesmo com os ruídos das starshines, a voz pôde ser escutada por Mazu.
— Não! Já chega!
Mazu acabou perdendo as forças, e Dakris aproveitou a chance para desarma-lo, lançando a starshine do irmão para longe. Mazu caiu de joelhos, afetado pelas vozes distantes.
Mazu
— Chega…
— Já chega? Mal começamos!
Hella corria em direção aos dois jovens acompanhada de guardas reais. Mellak se levantou do chão, pegou a starshine de Mazu e mancou até Dakris. Ele estava disposto a proteger seu irmão caçula a todo custo.
Mazu
— JÁ CHEGA! — Mazu gritou.
Tudo ocorreu muito rápido.
Os olhos de Mazu brilharam, assim como seus punhos e as linhas de nascença em seu rosto. Sua cabeça doía, como se algo estivesse perfurando seu cérebro. As vozes não paravam, continuavam a sussurrar, chamando Mazu de muito longe. Mazu pôs suas mãos na cabeça e se abaixou, colocando-se em posição fetal.
Antes mesmo de Dakris poder atingi-lo com a starshine, uma explosão energética despontou do corpo de Mazu, atingindo todos que estavam próximos e abalando as estruturas da arena. As estátuas de Yebek e Lux caíram em pedaços. Os estelares nas arquibancadas deixaram o local às pressas, guiados pelos soldados. O rei e a rainha olhavam horrorizados para a situação.
Quando tirou suas mãos da cabeça e olhou em sua volta, acabou sendo surpreendido pelo inimaginável. Dakris havia sido arremessado para longe, assim como Hella e os guardas reais. Ao olhar mais atentamente para os escombros das estátuas, conseguiu vislumbrar o corpo desacordado de Mellak.
— Mazu!
Mazu correu em direção ao irmão, mas parou quando notou quando sua mãe estava o olhando do camarote real. Lágrimas escorriam pela face da rainha. Mazu lembrou o dia em que sua mãe contara sobre o porquê nunca mais pegou em uma starshine. ‘’Guerras nos deixam cicatrizes, e elas nunca se curam’’, dissera ela.
‘’Estaria eu fazendo minha mãe reviver todo o horror da guerra? Seria eu parte desse horror?’’, pensou consigo mesmo.
Alguns estelares desceram das arquibancadas às pressas e correram para tirar os escombros do corpo de Mellak.
— Me desculpa… — Mazu disse, em pânico — Me desculpa!
Ele correu para a saída da arena, onde se deparou com um aglomerado de outros estelares. Eles o encaravam, com medo. Abriam passagem para Mazu passar. O príncipe continuou a correr, agora com lágrimas fugindo de seus olhos.
A nave que os trouxeram até a lua de Kohr estava pousada em cima de uma pista de decolagem próxima da arena. Mazu adentrou na aeronave e sentou-se na cabine do piloto, ativando apressadamente todas as funções da nave antes de decolar. Quem lhe ensinara a pilotar fora Mellak; ainda eram crianças quando Mazu pilotara pela primeira vez.
O príncipe decolou com a nave e partiu em direção ao vácuo do espaço. Desta vez, não retornaria para Volair-C. A escuridão logo à frente o encarava, infinita.
O holograma da rainha Stellae se materializou no painel de comunicações da nave.
— Mazu, não faça isso, volte para mim.
Mazu permaneceu em silêncio.
— Não tente atravessar o paredão tempestuoso, é perigoso. Você não irá suportar. Volte para nós.
Percebendo que Mazu não responderia, Stellae suspirou, magoada.
— Há muito o que você não sabe sobre si mesmo, o universo lá fora pode ser perigoso. Não faça isso, por favor. Volte para que eu possa te contar tudo… Tudo o que você não sabe.
Mazu olhou para o holograma da rainha. Por um momento, se interessou pelo o que sua mãe tinha a dizer. Sua vida sempre fora uma incógnita, estava na hora da verdade ser revelada, para que assim suas dúvidas acerca de tudo fossem respondidas.
Mas, e se a verdade fosse dura demais para suportar? E se a resposta que Stellae prometera não fosse o que Mazu esperava? E se toda sua vida fosse uma mentira?
— Volte, meu filh… — Mazu desligou o holograma.
Mazu
A voz sussurrou.
Ele aumentou a velocidade da nave no vácuo. O paredão tempestuoso estava próximo. Nuvens escuras iluminadas temporariamente por relâmpagos azuis formavam a barreira que escondia os estelares do restante do universo.
Uma memória muito antiga se acendeu em sua mente: ainda era criança quando estava aprendendo nado com o restante da turma de treinamento. Mellak estava ao seu lado, no topo da cachoeira. Abaixo deles, um rio se estendia para o interior de uma floresta. Toda a turma já estava nadando no rio, com exceção de Mazu e Mellak.
— Com medo? — dissera Mellak.
— Muito.
— Uma coisa: quando estiver com medo, não pense duas vezes antes de enfrentá-lo.
— E se eu não conseguir?
— Se você não conseguir, estarei ao seu lado para te relembrar o quanto você pode ser forte, não importa o que os outros digam.
— Formamos uma boa dupla de irmãos.
— Os irmãos mais fodas do universo.
Mazu sorriu.
A nave mergulhou no interior tempestuoso do paredão, deixando para trás Volair-C.
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