IV
Naquela noite, Mazu deitou-se, mas não adormeceu. Sua mente recapitulava o momento em que, pela primeira vez, usara seu estímulo em uma escala maior do que estava acostumado.
Ele se sentou na beirada da cama e observou em sua volta: o quarto estava escuro e seus irmãos dormiam em suas respectivas camas.
Os príncipes dormiam em um mesmo quarto. Mazu não sentia-se incomodado, nem mesmo Mellak, porém Dakris mostrava descontentamento com isto. Não era atoa que ele cobriu sua cama com uma tenda.
De qualquer forma, Mazu não se importava. Já estava acostumado com as importunações do irmão.
Mazu
Junto com o vento que balançava as cortinas da janela do quarto, chegaram os sussurros, o chamando de um lugar desconhecido. Mas, desta vez, Mazu não sentiu-se desorientado, tão pouco com medo.
— Vocês não me assustam mais — ele sussurrou.
O príncipe se levantou da cama sem provocar nenhum barulho e se vestiu com suas vestes para treinamento.
Quando chegou ao templo de treinamento, localizado no alto do monte que circulava o reino, se apressou em ir até o depósito de starshines e pegar uma que pudesse treinar. Aquelas eram provisórias, as verdadeiras starshines eram recebidas depois do Torneio Solar, uma tradição dos estelares para tornar os jovens em guerreiros.
Ele sentiu a leveza da espada. Starshines eram precisas por serem extremamente leves, como uma pena. O príncipe fechou os olhos e repetiu o ensinamento de sua mãe. Quando abriu, a starshine estava brilhando, energizada por seu estímulo. Mazu sorriu.
Starshines eram espadas revestidas por um minério apenas encontrado em Volair-C chamado de pry. Uma starshine pode parecer inofensiva, mas quando energizada com o estímulo de um estelar, acaba se tornando a arma mais letal do universo, capaz de ferir qualquer ser vivo.
Mazu girou a espada no ar, observando o rastro de luz que ela causara ao fazer tal movimento. O príncipe estava agora no pátio do templo de treinamento; estátuas postas em volta do pátio o observavam silenciosamente. Uma delas era Thargar, a maior guerreira estelar, uma das únicas a não se exilar em Volair-C. Mazu se inspirava em Thargar.
— Um dia serei como você — ele olhou para a estátua, com admiração no olhar —, um grande guerreiro.
O bradar de um animal lhe chamou a atenção. Eram torkos, animais grandes, peludos e de quatro patas. Os bichos estavam atrás de uma cerca, no meio do pátio; todos olhavam para Mazu, curiosos.
Mazu tentara montar em um torko certa vez, porém não acabara muito bem. Torkos eram dóceis quando conectados a um estelar, mas se não houvesse conexão, eles podiam ser perigosos. Domar um torko era uma das etapas do treinamento para o Torneio Solar.
O príncipe se aproximou da cerca. Um torko o observava fixamante com seus olhos negros no meio de uma face coberta por pelos brancos.
— Oi, amigo — Mazu guardou sua starshine na bainha do uniforme e pousou as mãos na cerca. — Como está sendo sua noite?
O torko ousou se aproximar mais, cheirando as mãos de Mazu.
— Bom garoto — Mazu acariciou os pelos do animal.
Mazu
As vozes sussurrantes chegaram aos ouvidos de Mazu como uma onda imprevista, o tirando da curva, arrastando-o para longe da realidade. O rugido repentino do torko despertou Mazu daquele transe. O príncipe caiu para trás, assustado.
O torko batia sua cabeça na cerca várias vezes, deixando todos os seus companheiros tensos. O pânico daquele torko acabou sendo disseminado para todos os outros. Os rugidos dos animais ofuscaram os sussurros na mente de Mazu.
— Ei, ei, acalmem-se! — Exclamou, levantando-se do chão.
Os ruídos assustados ecoavam pelo templo deserto como fantasmas pedindo por socorro.
Uma, duas, três. A cerca acabou cedendo às cabeçadas do torko, abrindo passagem para todos os outros, que imediatamente se puseram a correr em direção ao príncipe. Raiva podia ser notada no olhar de cada um daqueles animais.
Mazu correu, como nunca havia corrido antes em toda sua vida. Uma manada de animais fortes contra um garoto. Ele virou-se até a saída do templo que levava às escadarias em direção ao reino, porém desistiu; os torkos raivosos poderiam causar desordem no reino, Mazu não estava disposto a arriscar a segurança de seu povo.
O príncipe deu meia-volta e correu em direção à uma saída alternativa, a qual o levaria até a floresta. Enquanto corria, ele tirou a starshine da bainha do uniforme e mergulhou floresta adentro. A espada iluminava todo o caminho. As patas de vários torkos pisavam agressivamente nas folhas caídas no chão.
Um torko da manada conseguiu alcançar Mazu, atingindo-o nas costas. O garoto caiu no chão, mas logo endireitou-se de forma que ficasse frente a frente com o animal. Sua mão direita alcançou a starshine jogada no chão. O pensamento de machucar aquele animal não agradou Mazu.
‘’Devo arranjar outra forma’’, pensou ele, notando o restante dos animais raivosos se aproximando, ‘’ imediatamente’’.
O torko diante de Mazu exibiu as unhas de suas patas frontais e partiu para cima do garoto, que esquivou-se jogando o corpo para o lado. O animal acabou atingindo sua pata no chão, deixando cinco buracos profundos na terra.
Então, ele se levantou e continuou a corrida pela sua vida; seus pés doíam e sua respiração estava ofegante. Sem ver o que estava em sua frente, ele corria incessavelmente. Se não fosse pela luz de sua starshine, Mazu cairia no abismo que surgiu logo em sua frente.
Ele parou na beirada, observando a profundidade daquele abismo. A escuridão lá embaixo era semelhante ao céu da noite. Infinita, amedrontadora. Do outro lado do abismo, a floresta continuava. Era o fim da linha.
Os torkos se aproximavam. Apenas alguns metros e aqueles animais iriam empurrar Mazu de cima do precipício. No entanto, uma voz estridente chamou a atenção dos torkos:
— HAIA!
Cavaleiros montados em torkos trajados com vestimentas especiais para animais se puseram em frente a Mazu, formando uma muralha viva. Os torkos raivosos cessaram a corrida e deram meia-volta, enquanto os cavaleiros corriam atrás deles, os guiando até o templo. Apenas três dos guerreiros ficaram próximos do abismo. Quando tiraram os capacetes, a espinha de Mazu gelou.
— O que você tinha na cabeça?! — O rei Kazon desceu do torko e andou apressadamente até Mazu. — Me diga, o que você estava pensando ao fazer isso? Poderia ter morrido!
— Pai, eu juro, não foi a minha culpa — enquanto falava, sua voz mostrava sinais de choro.
— Foram as vozes? — Dakris se aproximou de seu irmão. — Você realmente não tem jeito.
— Aquele torko estava se aproximando de mim, eu pude sentir, ele não queria me machucar. Quando as vozes começaram a sussurrar, ele se assustou, de alguma forma ele pode ter escutado!
— Isso é idiotice! Você está enlouquecido. Sempre foi desmiolado, mas isso não é explicação para ser um tremendo idiota ao ponto de quebrar as regras! — Dakris exclamou, cheio de ódio.
— Eu já disse, não foi a minha intenção!
— Admita seus erros, seja um estelar digno!
Dakris agarrou o braço direito de Mazu, mas antes que pudesse agarrar o outro, o príncipe se apressou em usar seu punho esquerdo para atingir o rosto de Dakris, que caiu de bunda no chão. O rei segurou Mazu. Mellak, que estava sentado em seu torko, desceu até o chão e correu até seus irmãos.
— Já chega! Vocês dois, parem! — Mellak gritou.
— Me escute! Me escute! — Kazon gritou, ainda segurando Mazu, deixando-o face a face com o filho. — Esta noite você me decepcionou. Indisciplinado e rebelde. Eu não te criei assim!
— Não, não. Você me criou para esconder meus próprios sentimentos. Nunca acreditou em nenhuma palavra minha! — Mazu gritou para seu pai; seus olhos estavam marejados.
— A partir desta noite, você está fora do Torneio Solar até provar ser digno de estar competindo com os outros estelares de sua idade!
Kazon soltou Mazu e deu às costas para o filho.
— Você não pode fazer isso comigo!
O rei não deu ouvidos e seguiu o caminho de volta para o reino montado em seu torko; Dakris foi logo atrás.
Mazu ajoelhou-se no chão e gritou — sua dor e raiva ecoaram pelo abismo obscuro.
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