I
Do outro lado do salão, havia uma porta. Ela se abriu quando Qui-va aproximou o rosto em um scanner de íris. Diferentemente do salão repleto de caixotes com munições e armas, o cômodo que se revelou para os olhos de Mazu era organizado e haviam vários computadores de aparência antiga sendo manuseados por norinianos focados. Os aparelhos formavam um círculo em volta de uma plataforma onde um noriano se mantinha em cima analisando um mapa em holograma — que estava sendo projetado por uma máquina acoplada ao teto.
Qui-va se aproximou da plataforma onde estava aquele misterioso ser. Enquanto Alpha e Mazu avançavam pela sala, olhos curiosos repousaram sobre os dois. Alguns eram de total curiosidade, afinal estavam vendo pela primeira vez um estelar; outros olhares eram de ódio, e todos estes estavam direcionados ao agente.
— Pai, temos visita — anunciou Qui-va.
Quando o ser tirou sua atenção do mapa e virou sua face em direção a Alpha e Mazu, o príncipe o reconheceu. Era Gahro, o fugitivo no qual ele vira uma foto na cidade do planeta Rodsu. Procurado da L.D.A. Não apenas membro do círculo da revolução: o próprio líder.
Assim como Qui-va, a pele de Gahro se assemelhava com areia, porém diferente de sua filha, haviam várias cicatrizes por seus braços e rosto. Seu cabelo negro se estendia em tranças bem atadas. Era um ser robusto com aparência cansada, porém com coragem e rebeldia estampados em seu olhar.
— Finalmente… — Sua voz era falha, mas potente. — O estelar!
Gahro desceu as escadas da plataforma e se aproximou de Mazu. Alpha pousou sua mão no cabo de sua pistola. Qui-va tirou rapidamente a arma do coldre de suas vestes e mirou no agente.
— Largue — ela falou.
— Está tudo bem — Mazu o olhou; Alpha tirou sua mão do cabo da pistola, no entanto manteve-se atento.
— E claro, o agente. Alpha. Soube que agora está sendo caçado — Gahro meneou com a cabeça, indicando a tela de um dos computadores. As fotos de Alpha e Mazu estavam sendo transmitidas em um canal de transmissão do governo de Aurora.
— Eu vim ajudar — Mazu falou.
— Conhece o Círculo da Revolução? — Perguntou Gahro.
— Não completamente.
— Venha, quero lhe mostrar algo.
Alpha abriu a boca para se opor à decisão do príncipe, porém se conteve; observou em silêncio Gahro subir os degraus da plataforma ao lado de Mazu. Qui-va, ainda ao lado do agente, falou:
— Relaxa, agente. Nós não mordemos.
Ignorou o sarcasmo da moça. Alpha continuou acompanhando os passos de Gahro e Mazu.
A máquina transmissora acima de suas cabeças exibia vários hologramas. Mapas, documentos oficiais da L.D.A, canais televisivos, nomes de desaparecidos. Gahro fez movimentos no ar com os dedos da mão esquerda, fazendo surgir um outro holograma em sua frente. Através do holograma, um vídeo propaganda do círculo da revolução estava sendo transmitido. Mazu assistiu atentamente.
Os rostos de vários seres operários, fábricas em chamas, várias mãos de diferentes formas erguidas para cima e com punhos fechados. No final, o símbolo do círculo.
— Há muito tempo, os seres de Aurora viviam isolados em seus planetas. Os mais desenvolvidos, fartos de explorarem o próprio solo, decidiram expandir os horizontes e iniciar uma série de navegações pelo espaço em busca de novos planetas. Esta busca não tinha como objetivo paz ou parcerias.
— O lucro — Mazu respondeu, imerso nas palavras de Gahro. Por um momento, relembrou-se da fala de Syella, quando ela lhe contara sobre as grandes navegações.
— Quando estes seres conseguiram alcançar outros planetas, muitas raças foram escravizadas. Tiveram suas culturas e costumes esquecidos na história. Os dominantes eram as doze raças, que conseguiram se desenvolver melhor do que todos os outros. Estavam no topo da cadeia alimentar. Cada uma destas doze raças dominava uma série de sistemas solares inteiros. E como consequência, uma guerra se instalou entre os doze, afinal todos queriam mais do que poderiam ter. A guerra dos dez ciclos.
O vídeo propaganda do Círculo da Revolução foi trocado por uma imagem em baixa resolução de seres, provavelmente dakilianos, perfurando os corpos de trompoxianos com lanças energéticas.
— A guerra acabou quando os doze líderes se aliaram para dominar Aurora. Então, separaram a galáxia em lado beta e alpha. O beta é onde vivem os planetas mais pobres e usados pelas indústrias; o alpha é recheado de planetas ricos das raças mais poderosas da galáxia. Naquela época, se tornou prática comercial escravizar as mais variadas raças. A raça do líder da cúpula da união, Kondrak, foi exterminada da galáxia há muito tempo.
— Como?
— Doença, auto-extermínio, explosão solar. Isto é o que eles dizem para esconderem a sujeira embaixo do tapete. Muitas raças sofreram com essa opressão. Mas uma luz de esperança se acendeu nos corações dos dominados quando tudo parecia ser o fim. Seres da escuridão começaram a atacar vários planetas. Ninguém sabia o que eram.
Imagens de monstros com aparência horripilante foram transmitidas no holograma. Eram escuros, como um grande urso de pelagem negra, e os dentes eram ameaçadores.
— Os torturadores de Tenebris.
— E então, do céu, surgiram vocês, os estelares. Com suas espadas brilhantes, vocês deterem estes monstros e salvaram as raças mais pobres da opressão dos poderosos. Mas…
— Fomos caçados.
Propagandas antigas contra os estelares foram exibidas. ‘’Monstros’’, ‘’aberrações’’, ‘’assassinos’’, ‘’falsos deuses’’, demônios’’. Mazu espantou-se com as mentiras que diziam sobre seu povo naquela época.
— Depois da Grande Guerra, as doze raças manipularam a imagem de vocês para que parecessem os vilões da história. Ocorreram várias perseguições, como deve saber. E infelizmente, tiveram que nos deixar para se exilaram em um lugar onde nenhuma alma viva sequer chegou a encontrar. Mas agora você está aqui, e precisamos de sua ajuda.
— Ajudarei vocês no que for preciso — Mazu fixou seu olhar em Gahro, reparando em como aquele ser de pele arenosa o olhava com esperança. — Mas devo avisar que não sou tão poderoso quanto os outros de meu povo.
— Não o conheço, Mazu, mas devo dizer que está enganado — Gahro falou.
— O que quer dizer?
— Não soubemos de sua presença em Aurora pela mídia, príncipe. Quando os caçadores de recompensa e piratas de toda a galáxia colocaram como prioridade um príncipe estelar, eu soube que o culto de Tenebris estava atrás de você. E eles não caçam um ser por qualquer motivo. Há muito o que você não sabe.
— Me encontrei recentemente com a líder do culto, Morgana. Ela revelou que eu era a chave. Mas não entendo… — Mazu refletiu, confuso. — Eu não vivi a Grande Guerra dos estelares, não tenho ligações com os estelares que ficaram à deriva pelo universo.
— Me siga, tenho que te mostrar algo.
Do outro lado da plataforma a qual ambos estavam, havia uma escada que descia em direção a uma porta. Quando se aproximaram, a porta se abriu automaticamente, revelando um túnel com paredes rochosas cor-de-areia. Mazu e Gahro seguiram em frente até chegarem em uma abertura que dava acesso a um cômodo iluminado por tochas e sustentado por colunas douradas. Típica arquitetura estelar. Nos fundos do cômodo, sete armaduras douradas, com exceção de uma, acima de sete altares protegidos por cúpulas de vidro reforçadas. Quando aproximou-se, identificou de quem pertenciam aquelas armaduras. Aquelas eram as armaduras dos guardiões das estrelas. Em destaque entre todas aquelas belas armaduras, havia uma em especial que se destacava. Era branca e tinha traços dourados que formavam o símbolo estelar no peito. A armadura, que um dia fora usada por Thargar, a maior guerreira estelar existente.
— Como? — Indagou, surpreso.
— Thargar foi quem fundou o círculo da revolução quando todos os estelares se exilaram do universo. Quando ela desapareceu sem deixar rastros, decidimos preservar estas relíquias para caso um dia os guardiões retornassem, pudessem usá-las novamente para salvar a galáxia — Gahro explicou.
Ao observar as outras armaduras, Mazu se deparou com as armaduras de guerra de seu pai e mãe; também notou a armadura de Hella, a general dos estelares. A nostalgia de um tempo que ele não viveu aqueceu seu coração. Enquanto as outras pertenciam a Kohr e Rys, nomes que passaram a pertencer às duas luas de Volair-C em homenagem aos dois falecidos estelares que morreram na guerra. Por último, havia uma outra armadura diferente das outras. Os detalhes dourados dourados, característicos de qualquer armadura estelar, dividiam espaço com a cor preta. Mazu nunca vira uma armadura estelar como aquela.
— Mesmo após o fim de tudo, Thargar não deixou de continuar lutando — Mazu comentou, orgulhoso de sua heroína de guerra.
— Ela era uma grande estelar.
— Como a conheceu? — Seus olhos ainda estavam fixos na armadura dourada da antiga guerreira lendária.
— Thargar foi uma grande amiga para mim. Quando seres bestiais surgiram — Mazu sabia que Gahro estava falando de Tenebris e seu exército de bestas sombrias —, Thargar salvou nós, povo do deserto, e lutou ao nosso lado até o fim; até mesmo antes da Grande Guerra, quando as doze raças detiveram o poder.
Mazu escutou as palavras de Gahro com atenção. A partir daquele momento, ele sabia que tinha uma grande responsabilidade em mãos. Mas será que ele teria forças para arcar com esta situação? Mazu sentia-se incapaz, porém corajoso o suficiente para tentar. Não queria decepcionar aquelas pessoas. Queria salvá-las.
Passos apressados chamaram as atenções de Gahro e Mazu, que olharam em direção a entrada do cômodo. Alpha surgiu, segurando sua pistola de plasma; logo atrás, Qui-va, ofegante.
— Ele não quis esperar, pai — Qui-va falou, olhando com desgosto para o agente.
Mazu não precisava esperar ele perguntar em voz alta para entender que Alpha estava ali o olhando fixamente para certificar-se de que Mazu estava bem.
— Está tudo bem — Mazu falou.
Alpha abandonou sua postura rígida, no entanto manteve a pistola de plasma em sua mão.
— Filha, tudo bem — Qui-va abaixou a arma relutantemente. — Deixe-me falar com ele.
Gahro aproximou-se do agente desconfiado. Alpha olhava fixamente para o líder.
— Alpha, filho de Ankor, a criança perdida do espaço. Já se perguntou o porquê seu pai havia iniciado uma investigação contra a L.D.A? — Os olhos claros de Gahro fitavam Alpha, como se tentassem procurar por algo.
Como humano, Alpha sentiu raiva. Não queria confiar nas palavras do líder do círculo da revolução. Porém, como detetive, ele sabia que os fatos, dependendo do que Gahro dissesse, poderiam se encaixar e fazer sentido. E quando se encaixassem, finalmente ele chegaria à resposta, que sempre esteve bem diante de seu nariz.
— Ankor era aliado do círculo. Diferente do que a L.D.A pregava, ele sabia que nossa luta não era uma luta terrorista, e que todos e quaisquer danos causados foram consequências do governo. Ele também sabia que lutamos contra o culto de tenebris — o agente fixou seu olhar no chão, sentindo um misto de emoções ao mesmo tempo. — Ele foi o primeiro de nós a descobrir que o culto estava construindo uma arma poderosa o suficiente para subjugar raças inteiras. Ankor era um herói.
Então, Gahro virou-se em direção às armaduras, e olhou para uma específico: a misteriosa armadura preta.
— Ankor era membro dos Guardiões das Estrelas.
Alpha aproximou-se do vidro que protegia a armadura. Ao erguer seu olhar, pôde enxergar o próprio reflexo junto à armadura, como se o futuro estivesse lhe dando um pequeno vislumbre do que poderia acontecer. Do que seu pai poderia querer.
— A ignorância pode cegar qualquer um de nós — Gahro falou. — Apenas os corajosos se livram dela para enxergar a verdade. Seja ela boa ou ruim.
— Como? — Alpha perguntou, finalmente.
— Não como, mas porque. Ankor havia descoberto toda a corrupção presente na L.D.A. Ele sabia que pessoas ligadas ao culto estavam sendo favorecidas por membros do governo. Ankor honrava os juramentos que fez antes de se tornar um agente. Ele jurou defender Aurora. E ele sabia que, um dia, seu filho faria o mesmo.
A raiva se dissipou completamente, como se nunca tivesse existido. Pontos brilhantes surgiram em seus olhos. Lágrimas.
— Venho acompanhando seus passos há muito tempo, Alpha — Gahro colocou a mão no ombro de Alpha; o agente não recuou. — O desejo de vingança o fez trilhar o caminho oposto de seu pai. Antes de morrer, Ankor me fez prometer que um dia eu lhe contaria toda a verdade. Peço perdão por estar dizendo tudo isto a você tão tarde. Mas agora é o momento para você fazer sua escolha.
Alpha se manteve em silêncio enquanto sentia um turbilhão de pensamentos fluir por sua mente conturbada. Era como uma grande onda de sentimentos e pensamentos avulsos prontos para o engolir e afogá-lo em raiva. No entanto, diferente dos momentos solitários de sua vida quando esta sensação o alcançou, ele tinha um porto-seguro. Ele tinha um lugar para descansar e organizar seus pensamentos e rever suas ações. Ele tinha alguém. Um amigo. O agente encontrou seu olhar ao de Mazu.
Não falou, pois não tinha nada a dizer. Alpha fitou Gahro e estendeu sua mão para o noriniano. O líder apertou-a prontamente, orgulhoso. Depois, abraçou o agente. Alpha não era fã de abraços, mas manteve-se parado. Qui-va sorriu.
— Desculpa por isso, meu pai pode ser um pouco… Emocional além da conta.
— Conheço ele o suficiente para saber que está odiando — Mazu referiu-se ao agente. — Mas ele não deu um soco na cara de seu pai, então é um grande avanço.
— Uma grande parceria — Qui-va cruzou os braços, ainda sorridente. — Teremos sua ajuda, não é?
— Sinceramente, não estou preparado. Na verdade, nunca estive. Tudo o que fiz foi fugir daquilo que me assustava. Mas agora, tenho a chance de usar minhas habilidades para um bem maior. Não irei desperdiçar.
— Não faz muito tempo desde que me juntei ao círculo. Meu pai nunca me obrigou a seguir essa vida perigosa. Eu escolhi esse caminho porque me sinto conectada com o que faço — a noriniana de pele amarela olhou para Mazu. — Quando eu era pequena, eu queria ser uma empresária de sucesso. Papai me deixou livre para seguir meu caminho quando chegasse o dia. Ele sempre me disse que a vida é baseada em escolhas. Nossas escolhas. E eu escolhi agir pelo povo. No começo, eu também não estava preparada. Confesso que ainda não estou completamente. Mas estou agindo pelo povo. Se um dia eu tiver que morrer, que seja fazendo a coisa certa.
Mazu reconheceu a coragem e bondade em Qui-va. Ela era jovem, um pouco mais velha que Mazu, mas tinha o coração e a alma de uma guerreira estelar. O príncipe a admirou por isso.
Gahro e Alpha se aproximaram de Mazu e Qui-va.
— Está na hora de agir — anunciou Gahro.
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