I
A Shadow-989 estava se aproximando da órbita de Rodsu quando Mazu cobriu todo seu corpo com uma capa escura. Mesmo sob a penumbra, a pele dourada do príncipe destacava-se. No entanto, ainda era um bom disfarce. Não iriam reparar nele.
Alpha, por sua vez, apenas encaixou o capacete na cabeça e ordenou que Zya tomasse o controle da nave. Em questão de minutos, ultrapassaram em segurança a atmosfera de Rodsu. Mazu estava na cabine de piloto, observando através do visor a paisagem. Nuvens espessas ocultavam a paisagem abaixo. Quando a nave baixou de altitude, atravessando as nuvens, uma explosão de luzes atingiu os olhos curiosos do príncipe.
— É como o planeta em que estive antes, porém com mais luzes para deixar atrativo — comentou Mazu.
— Bem-vindo ao lado beta de Aurora — Alpha falou, enquanto carregava suas pistolas de plasma. — Aqui, não há paisagens bonitas. Apenas pobreza. E muitos criminosos.
— Lado beta? — Indagou.
— Há dois lados na galáxia: Beta e alpha. O beta é a parte mais pobre, como deve ter percebido. Alpha é onde se encontram os planetas mais ricos.
— É de onde veio seu nome? — Mazu o encarou.
— Meu pai nunca me contou sobre a origem de meu nome.
Enquanto mais a nave descia, mais era evidente o fervor das ruas logo abaixo. Diferente do que vira antes, os prédios não eram vidrados, porém suas laterais eram preenchidas por lâmpadas tubulares que trocavam de cor a cada segundo. As ruas também eram iluminadas por diversas cores, e eram divididas em plataformas. Eram três áreas onde as pequenas naves podiam transitar normalmente, uma abaixo da outra; flutuavam através de um dispositivo semelhante a um motor de foguete, que as mantinham suspensas no ar, contrariando a gravidade. O material daquelas ruas parecia ter sido feito de vidro, pois era transparente. Suas laterais eram cobertas parcialmente por uma barreira, também transparente; globos brilhantes presos a barras de ferro iluminavam as ruas.
A Shadow-989 passou longe das ruas.
— Não quer chamar atenção?
— Uma nave como essa não pode vagar pelas ruas, é proibido — Alpha o respondeu. — Apenas é permitido transitar pelas ruas com naves de pequeno porte.
— Tantas leis e regras — Mazu refletiu —, quais delas garantem direitos aos povos que vivem neste lado da galáxia?
Alpha não o respondeu. O príncipe estava certo, e isso custou muito ao agente para admitir isso. Trabalhou para a L.D.A por anos, sabia muito bem da realidade diante de seus olhos. Antigamente, sua motivação era acabar com as raízes criminosas de Aurora, afinal elas eram o verdadeiro problema. Elas causavam pobreza, miséria e guerra. Varod sempre lhe dizia como a galáxia era recheada de peças podres que culpavam o governo por tudo. Alpha acreditara. Agora, toda a crença construída a partir do sentimento de vingança estava se desfazendo lentamente. Ele sentia isso. Pela primeira vez, estava enxergando o real problema. E a parte mais dolorosa de tudo isso foi ter admitido para si mesmo que, apesar de serem treinados para protegerem a galáxia, a L.D.A não estava cumprindo suas funções. Haviam agentes corrompidos. Isto deixava Alpha furioso. Pensou estar seguindo o caminho certo, mas a vingança o cegou. Agora, estava renunciando a uma vida de herói. Ele não se importava. Iria escavar essa situação até achar os culpados. E quando os achassem, todos iriam pagar.
Seguiram o trajeto longe das ruas abaixo.
Ainda com sua atenção na paisagem brilhante em frente, Mazu notou outdoors gigantes em prédios comerciais. Comerciais de diversos ítens e empresas estavam sendo transmitidos nesses outdoors digitais. Em um deles, estava sendo transmitida a imagem de trabalhadores com a logo de uma empresa chamada "Indústrias Laval", enquanto um apresentador comentava sobre os benefícios de ser um operário.
No prédio ao lado, um outdoor exibia uma bela mulher da raça trampox divulgando o programa "Armas para todos".
A nave de Alpha se camuflou na escuridão de um beco. Estavam abaixo de todas as luzes e animação da parte de cima daquela cidade. Lá embaixo, ao invés das naves de pequeno porte, as ruas eram preenchidas por seres das mais variadas espécies caminhando apressadamente, desconfiados. Mazu não precisou pensar muito para chegar a conclusão de que ali era o pior lugar para se estar. O fedor do perigo exalava dos bueiros abertos nas ruas.
A plataforma da Shadow-989 abriu e ambos fugitivos desceram. A música e animação acima de suas cabeças ecoavam por cada canto do beco juntamente com a sirene de alguma nave da L.D.A nas proximidades. Mazu ajeitou a capa de forma que cobrisse melhor seu corpo. Alpha carregava uma mochila nas costas.
— Para onde vamos agora? — Questionou.
— Não podemos ser vistos na rua, Syella têm olhos em todos os cantos.
Alpha saiu do beco com Mazu andando apressadamente logo atrás dele. Andavam á passos largos pela calçada recheada de seres. Até mesmo alguns robôs estavam entre a multidão.
O príncipe observava tudo com extrema curiosidade, nunca havia visto nada daquilo em toda sua vida. Do outro lado da rua, as vitrines das lojas chamavam sua atenção: uma em especial exibia atrás do vidro um salão extenso onde seres deixavam que robôs arrumassem seus cabelos; logo do lado do salão de beleza, um restaurante com mesas instaladas acima da calçada.
Acima daquela extensa e barulhenta rua, outra estrada se estendia pelos quarteirões. Naves iam e vinham freneticamente.
"Olha pra onde anda, cara!", exclamou um ser após Mazu atingi-lo sem querer com seu ombro.
— Preste atenção — Alpha falou, agarrando o punho do príncipe.
Com rosto escondido abaixo do manto, o estelar observava os rostos de todos os seres que caminhavam em sentido contrário.
Chegaram em uma esquina. Uma faixa de pedestre reluzente guiava todos até o outro lado da rua. Várias naves estavam paradas próximas da faixa, esperando que o visor do sinaleiro flutuante alternasse de vermelho para verde. Mazu e Alpha atravessaram, apressados.
Na parede de um prédio do outro lado da rua, um outdoor gigantesco exibia as imagens de dois seres desconhecidos para Mazu. Abaixo de suas fotos, estavam os nomes Qui-va e Gahro.
— Quem são eles? — Mazu apontou para o telão brilhante.
— Procurados da L.D.A — Alpha respondeu.
Finalmente chegaram. Passaram pela porta de vidro, deixando para trás as ruas turbulentas. A recepção do local era simples, para não dizer cafona. O papel de parede descascado fora pintado em vários tons de vermelho, assim como o chão e os sofás, onde tinham alguns seres sentados, lendo coisas que Mazu não conseguiu identificar. O balcão também tinha o formato de um coração. Aquele local, que na verdade era a base de um gigantesco prédio que estendia-se para cima, além das nuvens. Outros estabelecimentos estavam ativos a alguns andares acima, próximos das outras plataformas onde passavam diversas naves.
— Como posso ajudá-los? — Um ser com dois olhos negros, braços e pernas finos e longos cabelos pretos se dirigiu até os recém chegados. Mazu notou que era uma yezoniana, assim como o pirata que o capturara.
— Um quarto com duas camas, por favor — pediu Alpha.
— Hm… Briga de casal, não é? — A voz da yezoniana era fina. — Vieram resolver as diferenças. Já vi muito disso.
Definir ele e Mazu como um casal lhe fez embrulhar o estômago, no entanto apenas concordou com um balançar rápido de cabeça.
— Tão jovens — ela apertou a bochecha de Alpha, que se manteve ereto —, ainda vão brigar muito, acreditem. Eu e meu marido sempre brigamos. Às vezes ele me irrita ao ponto de fazer eu pegar minha bazuca de plasma e correr atrás dele pelo nosso apartamento. Sabe como os ruzilianos são mesquinhos. Mas o que importa é que, no final do dia, continuamos juntos — a mulher olhou para Mazu.
O príncipe manteve-se escondido por baixo do manto, sua face não estava muito visível. Mesmo assim, ele sorriu timidamente, torcendo para que aquela tortura terminasse logo.
— Tome aqui — ela levou sua mão para baixo do balcão e entregou nas mãos de Alpha um cartão (e adivinhem só, também era vermelho com corações desenhados por todo lado) —, esta é a chave de um dos melhores quartos, terceiro andar, com vista para a rua. Vá salvar seu casamento.
O agente pegou a chave e se dirigiu a passos rápidos até o elevador. Mazu foi logo atrás, cuidando para não pisar no manto que se arrastava pelo chão.
Quando chegaram no quarto, as luzes se acenderam automaticamente; a cama era esférica e começou a girar quando todos os cômodos foram iluminados ao Alpha abrir a porta. A varanda dava vista para uma paisagem iluminada. Para alguns, poderia ser belo. Mas para Mazu, tudo aquilo não passava de um conjunto de prédios. Vozes e sirenes podiam ser escutadas. Alpha fechou a porta da varanda.
Apenas uma cama. Alpha bufou. Sem dúvidas isso foi obra da yezoniana da recepção.
— Isto é um local para amantes? — Mazu indagou, observando o quarto decorado para casais apaixonados.
— Teoricamente sim.
O príncipe sentou-se na beirada da cama.
— É bem decorado.
Alpha desatou a mochila de suas costas e a jogou em cima da cama. Tirou de seu interior um objeto estranho aos olhos de Mazu. Sem querer, algo esférico rolou de dentro da mochila do agente e parou em pé, ativando-se sozinho. Aquele pequeno objeto transmitiu o holograma de um garoto sentado sobre os ombros de um ser de pele verde, cabelo escuro e escamas na região da bochecha. Ele era alto e forte e estava uniformizado. Ambos sorriam, como se estivessem vivendo o melhor dia de suas vidas. O holograma repetia diversas vezes aquele frame. Alpha agarrou o objeto e jogou de volta em sua mochila. Ao olhar para o rosto de Alpha, Mazu notou tristeza em seu semblante. Vira uma memória que não queria. Uma memória dolorosa.
— Era seu pai? — Mazu perguntou, ainda sentado na cama.
O homem continuou quieto. Pegou o objeto que tirara antes de sua mochila e o levou diante do rosto. Tirou o capacete.
— Zya, disfarce — ordenou.
O objeto, que na verdade era um scanner, analisou o rosto de Alpha preenchendo-o com linhas quadriculadas. Apitou quando o processo estava pronto. A face clara e séria do agente lentamente se tornou algo irreconhecível — um ser com uma papada grande, nariz grande, olhos pequenos e longos cabelos verdes.
— Disfarce completo — anunciou Zya, comunicando-se com seu criador através do bracelete de Alpha.
Apenas o rosto de Alpha fora alterado, do pescoço para baixo tudo continuou como era antes. O agente já estava acostumado a usar diferentes rostos feitos através de máscaras de hologramas para se infiltrar no território inimigo.
Guardou o scanner na bolsa e dirigiu-se até Mazu.
— Ficará aqui enquanto tento me infiltrar em uma das locações de Syella.
— O quê? Não! — Mazu se levantou. — Eu vou junto.
— Não, você vai continuar aqui. Preciso fazer isso sozinho.
— Pensei que estávamos trabalhando juntos! — Mazu exclamou, bravo.
— Nesse momento a L.D.A deve estar ligando os pontos. Logo vão me conectar com seu desaparecimento. Isto precisa ser rápido, e sou rápido quando estou agindo sozinho. Além disso, você chama muita atenção. E seria burrice levá-lo para aqueles que querem sua cabeça!
— Eu não sou indefeso, Alpha. Sei me cuidar muito bem sozinho.
— Deu pra perceber — disse, ironicamente —, agora fique aqui. Não saia desse quarto.
Mazu o observou partir.
Poderia permanecer no quarto esperando que Alpha resolvesse tudo. Mas, uma chama se acendeu em seu peito. Talvez fosse orgulho, ele não se importava. Não iria ficar parado esperando que toda sua vida se resolvesse magicamente, ou através de um ser que ele mal conhecia — e já odiava.
Nunca foi bom em obedecer ordens. Dakris estava certo quando dissera para Kazon que Mazu jamais o obedeceria. Se a tragédia não tivesse acontecido, se Mazu jamais tivesse machucado seu irmão, ele provavelmente seria banido do torneio. No entanto, isso não o impediria de continuar tentando. Tentaria até a hora de sua morte. Esta era sua vida: tentar até perder suas forças. E naquele momento, o príncipe não estava se importando com as consequências, iria seguir em frente, dessa vez direto para um problema maior do que imaginara.
Que todos eles venham atrás de mim, pensou Mazu.
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