O CEMITÉRIO
C A S S I E A N D R A D E
Cheguei em casa ofegante às 03h33 da manhã.
Só pensava no meu atraso e na reação da Rainha da vara de família.
Entrei na sala, na ponta do pé encontrando Verônica que estava sentada no sofá à minha espera.
— Até que enfim! — exclamou levantando com as mãos na cintura — Acredita que os meninos ainda não chegaram?
— Mesmo? — respondi me fingindo desinteressada — Aposto que estão se divertindo...
Verônica espalmou as mãos com um grande sorriso, parecendo animada — Então vamos à noite das meninas?
— Festa do pijama no cemitério, UHUL! — Fui irônica, sem conseguir me conter, e me arrependi na mesma hora. Ela era a última pessoa que merecia o meu mau humor.
— Foi a festa e voltou de mau humor? — a rainha perguntou erguendo as sobrancelhas.
— Desculpa. — me desculpei com sinceridade e esfreguei o rosto suspirando. Eu ainda estava pensando em como fui me deixar ser enganada tão facilmente. Realmente eu era uma boba. — É que eu não sei escolher namorados. — eu admiti soltando o cabelo e me deixando cair no sofá.
— Namorado? — Veronica perguntou super interessada se sentando ao meu lado.
— Um cara que eu estava conhecendo na... — eu parei de falar na hora e Verônica continuou me encarando, com expectativa — Na faculdade. — tive que mentir — Fiquei sabendo umas tretas sobre ele, mas preciso confirmar, para ter certeza se fui uma grande otária ou não.
— Umas tretas? — repetiu ela com a testa franzida, tentando entender. — Que tretas? Ele tem outras namoradas?
— Tipo isso. E outras coisas loucas a mais... — respondi dando os ombros, e me levantei para cortar esse assunto, antes que eu falei demais — Vamos sair antes que eles cheguem, né?
— É a ideia. — Verônica estava se levantando e pegando a sua bolsa e deu uma corridinha para o meu lado, animada — Vai me contar mais do seu namorado?
— Não, e não é namorado... — respondi revirando os olhos e abrindo a porta da casa. Fechamos a porta de entrada e caminhamos até seu carro, estacionado na frente de casa.
— Ele é bonito?— perguntou com um sorrisinho me seguindo após destravar a porta do carro e ligar o motor com a chave.
— É lindo... — respondi automaticamente com um sorriso e logo auto me repreendi por isso. — Que droga, Cassie! — resmunguei.
Verônica estava sorrindo feito boba enquanto me olhava — Que gracinha, você tá se apaixonando...
— Verônica, menos. — disse entrando no carro. — Bem menos. Eu nem o conheço direito.
— Não é crime se apaixonar, Cassie. — ela se sentou no banco do motorista ainda com um sorriso no rosto.
— Mas é perigoso... — disse entrando no carro. — Muito perigoso.
— Que dramática. — riu dirigindo — Você é igualzinha o seu pai, no começo se faz de durona, mas logo amolece.
• • •
Quando chegamos ao cemitério já encontramos um carro preto estacionado. Era um Cadenza preto da Kia e do lado de fora falando com um senhor engravatado estava a Renata. Fala sério, quem veste um terno em plena madrugada, para ir a um cemitério?
Verônica estacionou ao lado e saiu do carro, eu a acompanhei, mas com os olhos grudados no cemitério que tinha um portão duplo, velho de grades que só faltava duas gárgulas guardando o lugar para completar o clima de filme de terror. O homem engravatado era velho e esguio, mãos enrugadas, cabelo lambido para trás e sem expressões.
Ele me olhou de cima a baixo e depois olhou para Verônica.
— Ela está conosco... — informou.
— Hum... — disse o engravatado me encarando de novo e depois empurrou o portão do cemitério que rangeu como um uivo de algum animal sofrendo.
Nesse momento eu senti vontade de voltar e ficar esperando no carro, mas não disse nada. Verônica, Renata e eu seguimos o velho engravatado até o topo do cemitério onde se encontrava um mausoléu.
Caminhei até ficar ao lado de Verônica, percebi que estávamos nos aproximando do mausoléu. Respirei fundo e segurei o braço dela.
— Diga que nós não vamos entrar lá. — pedi com esperanças.
— Vamos. — respondeu ela como se fosse óbvio — O corpo da mãe já se encontra lá para examinarmos.
Eu senti um calafrio só de pensar que um corpo fora de um caixão se encontra ali, é extremamente bizarro. E mais bizarro ainda é a naturalidade que a rainha da vara de família lidava com isso.
De madame fresca, ela não tinha nada. Meu primeiro julgamento sobre ela estava totalmente errado. Entramos no mausoléu e encontramos dois coveiros ajeitando o corpo de Célia Lima numa mesa de pedra, eu me esforcei para manter os olhos distantes, mas a curiosidade matou o gato e deixou a Cassie traumatizada. Não consegui resistir e olhei.
Eu fiquei assustada com a semelhança de Célia com a filha Helena.
Não semelhança genética, mas a semelhança da fisionomia. Era exatamente a mesma apesar de Célia estar morta há alguns dias.
Nas fotos Helena tinha estampada a cara de morte da mãe no próprio rosto, naquele mesmo segundo eu percebi que se não fizéssemos nada, aquela adolescente estaria dentro de um caixão nesse mesmo cemitério, em pouco tempo.
— Cassie, está tudo bem? — perguntou Verônica aparentemente preocupada, tocando nos meus ombros. — Parece pálida.
Quando ela me chamou eu percebi que estava prendendo a respiração e soltei o ar tentando relaxar.
— Temos que nos apressar. — foi a única coisa que consegui dizer, a encarando.
— Que garota eficiente! — disse Renata com um sorriso colocando as luvas e pendurando uma câmera profissional no pescoço.
Ela começou a despir o cadáver de Célia, e a analisar, fotografando.
Não havia machucados aparentes, Renata colocou seus óculos e examinou com mais atenção, tirando fotos com mais zoom.
Verônica se aproximou com uma lanterna para ajudar
As duas identificaram pequenas cicatrizes fechadas com ajuda de cirurgia.
Renata examinou os pulsos e viu cortes, em volta dos cortes de um dos pulsos havia uma pequena mancha roxa, por baixo do corte.
Ela passou o dedo pelo corte e a mancha ficou mais visível. Ela esfregou até um hematoma surgir no pulso da vítima.
Olhou na direção de Verônica que se aproximou com a testa franzida, percebendo que o cadáver estava com mais maquiagem do que o necessário para um enterro.
Renata repetiu o processo no rosto do corpo, hematomas surgiram no rosto de Célia e nas pontas dos dedos da luva de Renata, excesso de maquiagem.
— São hematomas. — disse Renata séria, após tirar as fotos — Tem no rosto, braços, costas, barriga, pernas. Pelo corpo todo. Ela foi espancada. Pra esconder eles embalsamaram com capricho e cobriram de maquiagem.
— Não foi suicídio mesmo. Ele a espancou até a morte. — balancei a cabeça incrédula.
— Temos que fazer um exame de corpo delito.
— Sabe que não temos autorização. — Renata encarou Verônica a lembrando.
— E então precisamos de provas, um flagrante. Sei lá! — disse ficando desesperada. Tínhamos uma prova, que não poderíamos usar. — As mãos deles, se a gente...
— Já tentamos. — Renata balançou a cabeça desanimada. — Ele alegou uma briga num bar. E o juiz aceitou, pois quando bêbado ele vive brigando no bar. O advogado usou os registros de ocorrência de pessoas que o denunciaram.
— Precisamos de uma testemunha então. Alguém que vivenciou tudo...
— Ela não quer colaborar, ele deve a ameaçar... — Renata respondeu com um desânimo, cobrindo o corpo, como se elas já tivessem tido essa conversa um milhão de vezes.
— Ela precisa de uma amiga em que possa confiar... — Verônica caminhando de um lado pro outro, tentando raciocinar, quando passou por mim, me olhando e então seu rosto se iluminou. — Cassie, você já tem um trabalho de campo, vai trabalhar disfarçada. Meus parabéns!
— O Que?!
• • •
E N Z O T E I X E I R A
Quando chegamos em casa não encontramos o carro da minha mãe na garagem e nem na rua da frente. Rodolfo olhou para mim, como se eu soubesse de alguma coisa. Eu apenas dei os ombros, estava na rua com ele, o tempo todo.
— Ué? Onde Verônica foi há uma hora dessas? — Rodolfo estava me perguntando com a testa franzida após ter verificado todos os cômodos.
— Minha mãe é doida, não é a primeira vez que ela sai na madrugada. — respondi já acomodado no sofá, já acostumado com as saídas repentinas da minha mãe. Eu nunca fui pegar no pé dela, então nunca perguntei.
Rodolfo pareceu não gostar dessa história.
— Eu vou ligar para saber se está tudo bem. — ele puxou o celular do bolso, parecendo enquanto descia as escadas.
— Falou. Vou pro quarto. — Avisei passando por ele subi para o quarto, acendendo a luz e encontrei o cômodo vazio, Cassie também não estava lá. Estranhei e fui olhar no banheiro, estava vazio também.
Eu desci as escadas e encontrei Rodolfo caminhando de um lado para o outro com o celular no ouvido.
— A Cassie também não tá em casa, acho que saíram juntas... — disse me sentando no sofá de novo.
Rodolfo fez um sinal para que eu me calasse.
— Oi amor, é... Só queria saber se está tudo bem? A Cassie está com você? Me liga assim que puder, beijos... Te amo.
Eu revirei os olhos com o te amo no final da frase. Era costume deles terminarem a frase com um " te amo". Só de ouvir já estava com diabetes.
— Caiu na caixa postal, deixei uma mensagem... — explicou guardando o celular no bolso.
Balancei a cabeça — Internet está aí para isso, vou mandar uma mensagem para a Cassie. — disse pegando o meu celular e deixando conectar na rede WIFI da casa. Abrir no Whatsapp e enviei uma mensagem para Cassie que estava online.
Eu: Estamos em casa. Cadê vocês?
Ela visualizou, mas não respondeu.
— Ela não quer responder, mas visualizou. Está online. Acho que estão bem... — disse olhando para Rodolfo.
— Vou ligar para a Cassie. — Rodolfo estava pegando o celular.
— Ela não vai atender... — Avisei.
Rodolfo me ignorou e ligou para Cassie e depois de dois minutos desligou.
— Não atende... O que está acontecendo? — Questionou começando a ficar irritado.
Rodolfo se irritava fácil, principalmente quando não tinha as respostas que queria. Eu apenas dei os ombros, como se dissesse: Sei lá.
Senti meu celular vibrar e verifiquei a mensagem.
Cassie: Já estamos chegando!
Ergui o celular e mostrei a mensagem para Rodolfo e espremeu os olhos para ler.
— Pergunta onde elas estão... — pediu.
Eu: Seu pai quer saber onde vocês estão.
Dessa vez ela não visualizou.
— Vai ter que esperar ela chegar para saber. — respoindi me espreguiçando e acabei bocejando — Vai esperar?
— Vou. — respondeu sentando no sofá, claramente contrariado com essa situação.
Soltei um suspiro me inclinando para frente.
— Ainda não acredito que deixamos aquele canalha escapar. — estava lembrando da perseguição no trem.
— Ele está com os dias contatos, Enzo. — disse Rodolfo — Aquele garoto vai nos dar a localização dele e ele não terá mais para onde correr.
Assenti e abri um sorriso — O dia de hoje foi bem louco, né? Pareceu um filme policial, teve de tudo! Investigação, atuação, perseguição.
— Atuação? — Questionou Rodolfo me olhando, meio que rindo da minha animação.
Eu assenti — Sim! A Mel! Você tinha que ver como ela conseguiu ganhar a confiança dos amigos da Ana Clara... Foi impressionante. Claro que ela só fez isso porque era preciso, mas foi incrível, ela tem um dom de persuasão impressionante.
Rodolfo sorriu concordando comigo. — Melissa é um talento nato mesmo. É uma garota incrível.
— Deveria dar maiores oportunidades para ela. A Melissa pode fazer muito mais do que ficar apenas no laboratório. — disse o encarando. — Viu como ela trabalhou hoje.
— Melissa não é uma agente. É uma cientista, não deve se envolver em operações de campo. — disse Rodolfo secamente. — Ela não foi treinada para isso. Hoje foi uma exceção. E depois de amanhã, quando pegarmos o celular, ela vai voltar para o laboratório e ficar por lá.
— Você poderia nos treinar! — sugeri animado o encarando.
— Nos? — Questionou Rodolfo erguendo as sobrancelhas — Você também não é um agente da polícia, Enzo.
— Ainda — respondi me recostando no sofá — Decidi que vou mudar de curso. Quero me tornar um investigador, vou fazer direito.
Rodolfo me encarou com a testa franzida, parecendo descrente e eu assenti, mostrando que estava falando sério.
— Tá tirando com a minha cara, não é?
— É sério! Todos esses acontecimentos na faculdade, no trem. A adrenalina abriu os meus olhos para o que eu realmente quero...
— Enzo. — Rodolfo me interrompeu — Calma, aí. Você está se precipitando. Você precisa pensar com calma. Fazer uma faculdade é uma escolha muito importante nas nossas vidas, gastamos de três a cinco anos estudando para trabalhar no que gostamos. Pensa com calma antes de tomar qualquer decisão, está bem? Trabalhar na polícia é perigoso e estressante. Não quero isso para Cassie, e também não quero para você. Não é uma profissão que gera grandes lucros.
— Rodolfo, você não tá entendendo. — voltei a me inclinar para encará-lo — Só escolhi engenharia de produção por esse motivo, só para ganhar dinheiro, não por amor. E hoje eu pude sentir que a minha vocação é ir para a polícia, prender bandidos e essas coisas. Pela primeira vez eu fiz algo com vontade, com gosto. — disse empolgado — Eu tenho certeza disso.
— Só peço que pense com calma. Está se equivocando, Enzo. — disse Rodolfo me encarando, preocupado. — Só se encantou pela adrenalina do momento.
— Acho que não... — disse convicto no que eu queria.
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