Capítulo 4
Fico sozinha e contemplo o salão que tem um ambiente que inspira sentimentos.
Haverá um jantar beneficente, antes do baile, eles ajudarão uma instituição que combate o câncer infantil. E claro abaterão isso do imposto de renda.
— Gostei muito, Lígia você me surpreendeu — viro em direção à voz, Felipe, meu patrão, está ali plantado. Um homem alto, deve ter seu 1,90 no mínimo, um corpo atlético para ninguém botar defeito, cabelos negros e ondulados ligeiramente compridos que mantém para trás com uma faixa, o sorriso cativante brinca com o nariz másculo, assim como os olhos negros fazem com a pele cor de chocolate. A beleza dele tem um ar cafajeste, cada semana ele desfila com uma namorada diferente, sempre mais bonita que a anterior.
— Obrigada, seu Felipe.
— Lígia, minha pequena, não me chame assim, Felipe ou Fê que tal? Vamos, crie mais intimidade comigo, não tenha medo de mim.
— Ok, Felipe, preciso levar a van de volta? — Quero me livrar dele o quanto antes.
A última coisa que eu desejo é intimidade com patrão.
— Deixe aí, peço para um rapaz deixá-la no estacionamento da PARTY.
— Sendo assim eu vou embora, preciso comprar um negócio.
— Bom descanso. Lígia, conto com você amanhã. Você é uma excelente profissional, dia desses vamos jantar juntos, quero saber mais da sua vida.
— Claro, vamos marcar — dou um tchau de longe, pego a saída.
Até parece que vou jantar com ele!
Como meu carro está na PARTY e fiz a burrada de largar a van no Boca Loca, pego uma lotação até o metrô Paraíso, desço na Sé, passo na livraria e compro alguns livros, uma promoção me fez gastar mais que o previsto.
Pego um táxi até a PARTY, canhões de luz estão ligados no lado de fora. Apesar de o salão parecer sempre uma festa, é apenas o escritório, ali só organizamos a festa de fim de ano da empresa que começa com um amigo-secreto, depois são servidos drinques diversos, os globos de luz são ligados e vira uma balada de poucas pessoas, mas que rende e muito em animação.
Desço e vejo Luana, a subgerente, os cabelos loiros cortados em assimetria, uma franja pequena demais para o rosto anguloso, ela deve ter meu peso, 55 quilos, mas tem 1,80 de altura e eu tenho só 1,60 o que a torna ao contrário de mim magérrima, duvido que coma algo além de alface e gelo, usa roupas de alto padrão de costura, como a mesma se gaba sempre que pode, e se porta como uma modelo na passarela, no entanto é extremamente doce.
— Felipe me ligou parabéns, Lígia, apesar do contratempo, tudo saiu bem, ele disse que saiu melhor do que planejava. Você vem me surpreendendo de maneira muito positiva.
— Que contratempo? — Para mim não houve nenhum, será que algo aconteceu depois que sai? Só falta isto, ela interrompe a conversa, há uma ligação para ela.
Vou até a minha sala que fica no andar superior, pego uns contratos que preciso redigir de festas mais distantes, as festas no Brasil não param e São Paulo é o centro disso. Quando desço não há sinal de Luana. Corro para o estacionamento, abro meu carro e jogo as sacolas no banco traseiro, ligo meu rádio e vou ouvindo Elis Regina para relaxar. Meu corpo está moído, ainda bem que o resto da noite é folga.
E graças a Deus consegui o que eu queria, livros para minha nova ambição, um curso de mandarim, já sei duas línguas além do português, o espanhol e o inglês, quando a coisa fluir mesmo, quero ser uma cidadã do mundo.
Chego em casa e subo para o meu quarto, as coisas de Bruna estão espalhadas, mas nenhum sinal dela, dona Cida também não está em lugar algum. Tomo uma ducha demorada e ligo o notebook para trabalhar, começo a redigir os contratos que praticamente são cópias uns do outro, mas Felipe gosta de personalização. Vinte minutos depois concluo e só aí abro o WhatsApp web. Só de ver Carlos online meu coração já acelera, dou um oi, mas não obtenho resposta. Devo confessar que a decepção que tenho aumenta a cada minuto, até que o símbolo se torna azul.
“Lígia eu estava resolvendo um problema no meu novo empreendimento.”
“Festa nova?” — Enviar.
“Sim, e você minha gata? Me conte como foi seu dia?
Conto cada detalhe do meu dia, tirando o convite para jantar que recebi de Felipe.
“Que inveja de quem pode te ver quando quer, ainda estou sem câmera, mas queria tanto te ver! Sei que não é justo.”
Ajeito os cabelos ainda úmidos. Também quero ligar a câmera, mas não vou pedir. Não quero que ele me julgue oferecida.
“Tenho medo de ligar a minha câmera e você fugir” — Enviar.
“Por que eu fugiria de você, Lígia?”
“Sabe é que estou… Sem maquiagem.” — Enviar.
“O que eu vi em você, não tem ligação alguma com essas coisas que passa na cara.”
Peço a chamada de vídeo e ele aceita, só há vultos na janela dele, não dá sequer para dizer se ele está ali.
— Viu? — Me pego tremendo.
— Essa vai ser a minha mulher! — A voz dele é a coisa mais perfeita que já ouvi — já estava com saudade, está certo que não faz muito tempo que nos falamos.
— Sim, ontem à noite. Também sinto sua falta, me sinto idiota.
— Idiota, não...
— Emocionada, né?
— Um pouquinho. — Seguro o riso.
— Não sei a razão disso ou o que em você tem tanta força sobre mim. Mas, se não vier me ver logo, não vou namorar na internet feito uma adolescente.
— Eu vou, Lígia, eu vou te ver todos os dias, no tempo certo!
Antes que eu pudesse responder, ouço vozes no corredor, dona Cida e Bruna conversam alegremente se aproximando.
— Até amanhã.
Fecho o notebook e ouço o ruído da desconexão.
.
***
Roberto fechou a agenda, começava a anoitecer, ele guardou tudo nas caixas exceto o diário. Este ele apresentou na saída e assinou documentos para retirada de cópias, em alguns minutos a policial responsável entregou uma encadernação preta impessoal.
Ele abriu, a letra redonda e floreada de Lígia estava ali, ele ainda não tinha pistas, no entanto já entendera o que a moça vira no Stalker, ele não era apenas um bandido, o rapaz usava uma técnica muito conhecida de sedução e abuso, principalmente para uma órfã solitária.
***
04/02/2018
Me rendo a falar com ele pelo meu WhatsApp pessoal. E Carlos é burro como uma porta não consegue manter uma ligação de vídeo pelo celular.
Como pode alguém entender tão pouco de tecnologia?
Nos falamos como os homens das cavernas por mensagem de texto e algumas figurinhas bregas, ele não sabe se quer usar figurinhas, como uma pessoa da minha idade é tão desinformada online?
Eu explico as coisas pra ele.
E isso vai nos aproximando até que eu me pego ansiosa pela próxima mensagem.
Burrice eu sei!
Como gostar de alguém sem nunca ter visto? Não saber do cheiro, do gosto. É muito impessoal esse relacionamento, mesmo que nos falemos os dias inteiros, quero mais que isso, quero um homem de carne e osso, quero beijos e cafunés. Mas, ao mesmo tempo queria que esse homem fosse Carlos, quero muito ele no meu caminho.
Chego em casa extremamente cansada por conta do evento, não tenho tido folgas, entro no quarto e encontro Bruna lendo meu kindle, os olhos verdes dela cruzam com os meus e sorriem.
Minha colega de quarto é lindíssima, loira, alta, a cintura bem fina e seios volumosos, um sorriso de dentes enfileirados simetricamente. A boca tem formato de coração e o nariz pequeno coberto por sardas a fazem parecer uma aspirante a modelo, ela veio de Cuiabá há dois anos, e desde que dividimos o quarto foi amizade à primeira vista.
— Lili, que cara é essa mulher? — jogo minha bolsa na cama.
— Estou detonada, Bruna. Me sinto um zumbi, esta é a festa mais detalhada que já fiz em toda minha vida.
— Pensa assim, logo serei rica e poderei levar minha melhor amiga para jantar em lugares refinados. Aceito começarmos por Paris.
— Você não é nada besta, né? Vai me explorar mais que o Felipe pelo visto.
— Falemos de nossas viagens depois, dona Cida disse que a senhora está de namorico — me jogo na cama —ia me contar quando? Tem mais, quero fotos, ficha criminal, RG, CPF, tudo deste meu cunhado, cadê?
— Nem é namoro, dona Cida exagera. É um amigo — me sinto encabulada de falar dele, transportá-lo para o mundo real — nos conhecemos pelo Facebook.
— Sei é que você está vermelha demais para quem fala de um amigo.
Sinto meu celular vibrando no bolso da calça jeans, mensagem dele.
“Quando estiver por aí me dá um sinal?”
— Mal chegou e o homem já está aí te chamando? — Bruna quase grita. — Está apaixonada? Vai dar um golpe? — fico sem graça. — Para Lili, quero que me conte detalhes.
Conto tudo, trazendo Carlos para realidade. Minha amiga bate palmas, quando termino está mais empolgada que eu.
— Que chique conhecer o amor pela internet, eu como sou uma tapada para esse assunto…
— Bruna, o pior é que estou gostando muito dele.
— Pior pra quem?
— Pra mim, ué!
— Para Lígia, pode ir parando com isso. Você não queria alguém? Agora o chato é que ele mora no Pará.
— Paraná, se bem que é longe do mesmo jeito.
— Vão se ver quando? — ela me encara.
— Não sei ao certo, mas em breve com certeza. Somos velhos para namoro virtual.
— Tem idade limite? Juro que não sabia.
— Você é uma otária!
— Ah mulher vai me dizer que não quer dar pra esse homem?
— Queria mesmo, não sei, não o vi, sempre tem risco de na hora não ser o que a gente imagina — sinto meu rosto corar.
— E fotos? Quero ver a cara dele.
Ligo o notebook e mostro Carlos para ela.
— Bonitão! Gosto desse meu cunhado, tomara que seja rico, não quero mais passar férias em Cuiabá, estava pensando em Fernando de Noronha.
— Para, a gente só conversa...
— Sim, principalmente porque ele é gatinho, sei como é. Bem, você deve estar doida pra falar com ele. Eu vou assistir TV só subo as dez, o quarto está livre — Bruna me dá um beijo na testa e levanta parando para me dar um sorriso malicioso, depois sai e fecha a porta.
Ligo o notebook, ele está off-line. Fico desanimada, devo confessar, entro na página da empresa como administradora da página da PARTY coloco umas fotos tiradas do salão e o logo Caritas, quando a janela na barra do navegador me mostra que ele está me chamando para uma conversa, vejo o tamanho do estrago, meu estômago parece ter virado do avesso.
“Está ocupada, linda?”
“Não” — Enviar.
“Que bom, desculpa a demora de hoje, é que tenho corrido contra o tempo, uma fria daquelas...”
“Como assim? Está com problemas?” — Enviar.
“Meu anjo, uma hora mais apropriada eu te explico com calma. Pode ser?”
“Tudo bem” — Enviar.
“Eu ultimamente fico pensando nessa necessidade de falar com você o tempo todo, e a última coisa que desejo é estar apaixonado, para um homem com meu estilo de vida esta situação é perigosa.”
“Carlos, não estou entendendo nada.”— Enviar.
“Nada não. Esquece, estou falando besteira, tenho dormido pouco, a gente quando quer abraçar o mundo com as pernas, é foda!.”
“Nem me fale, Caritas está consumindo minha alma.” — Enviar.
“Vai ser famosa depois, pense nisso.”
“Eu sei, uma grande promoter.” — Enviar.
“A mais bonita de todas. A que me enlouqueceu certamente.”
“Queria você aqui.” — Enviar.
“Também te queria aqui na minha casa, no meu mundo. Lígia, posso te pedir para ligar a câmera? Quero te ver, ouvir sua voz!”
Respiro fundo e peço a chamada.
— Pronto — ai meu Deus estou perdida neste homem.
“Comprei a minha, posso ligar o microfone”
— Espera! — Plugo o headset. — Fale.
— Então meu bem — a voz dele nos meus ouvidos me dá um bem-estar incomparável — comprei a câmera, mas ela não instala de jeito nenhum. Sou muito burro com tecnologia.
— Eu já tinha reparado.
Rimos por alguns minutos, falando bobagens.
— Lígia, desculpe meu patrão está me chamando, tenho que resolver um problema que está me tirando do sério. Te juro que amanhã vou poder te dar mais atenção.
***
Roberto compreendeu o clima. Lígia era uma alma solitária que viu no Stalker uma tábua de salvação, porém, daí a se tornar uma foragida, além de que não se encaixava a ideia de perdão no perfil da moça.
Em qual momento uma mulher bonita, bem-sucedida ia largar tudo por um bandido de ficha corrida? Está certo que ela estava envolvida, contudo até que ponto uma paixão modifica o caráter?
***
05/02/2018
Puxei luzes no cabelo e fiz uma progressiva, ainda estou me adequando ao visual, não gosto do meu cabelo muito liso, admito que fica mais prático. O que me faz ganhar tempo também. Tive que dar uma afinada na sobrancelha para que ficasse em harmonia, Carlos ainda não viu meu novo visual, e nem sei qual será a reação dele já que a minha ainda é de surpresa. Mas decido testar. Assim que chego ligo o notebook, meu amor virtual está online, coloco meu fone de ouvido, então o chamo.
“Oi linda, como foi seu dia?”
"Pode falar? Está ocupado? Queria ouvir sua voz… Posso chamar de vídeo?"
"Claro, sempre! Nem precisa pedir"
Ligo e espero, não tenho resposta, nervosa decido perguntar.
— Gostou? — Sinto minhas mãos suadas, diante da expectativa.
— Caralho, que mulher é essa? — amo esta voz.
— Gostou? — Insisto.
— Muito, é para o baile?
— Sim, amanhã compro o vestido e a máscara.
— Me deu até ciúmes agora. O que eu faço sabendo que você vai estar linda assim?
— Venha — agora sim, endoidei.
— Se eu for você me beija? — Derreto, estou mole-mole.
— Claro! — Por que não entrar na brincadeira? — Te dou até dois beijos.
— Olha que eu vou.
— Venha então, se chegar ao baile ganha dois beijos e um drinque a sua escolha.
— O drinque eu dispenso, não sou de beber em serviço, já os dois beijos eu cobrarei.
— Ok.
Bruna entra no quarto e caminha até o note, faz um aceno para a câmera e desconecta o fone de ouvido.
— Oi — diz ela.
— Oi — a voz dele invade cada partícula do quarto.
— Tudo bem, cunhado?
Cada célula do meu corpo sente vergonha e vontade de matar a Bruna.
— Tudo, cunhada. E você?
— Estou bem, eu quero que você cuide bem da Lili, ela é um amorzinho, quero ser madrinha de casamento.
— Qual seu nome cunhada? — ele ri, visivelmente zombando da situação.
— Bruna.
— Então, Bruna, ela estará segura em minhas mãos, não deixarei que nada de mal se aproxime de Lígia.
— Isso mesmo, Carlos cuide dela, ou eu cuido de você! — ele então sorri. Uma risada masculina gostosa de ouvir, apaixonante e protetora.
— Você saber meu nome é um bom sinal, cunhada.
— Eu sei, e cunhado estou de olho. Durma bem mana — Bruna então beija minha testa e se joga na cama dela.
“Que inveja” — as palavras preenchem a tela — “Quando eu poderei te beijar antes de você dormir, ou estar ao seu lado quando acordar?”
“Pare! Eu vou acreditar” — Enviar.
Digito tão rápido que meus dedos mal tocam o teclado.
“Acredite! Algo em mim enlouqueceu desde a hora que te vi, estou perdido, tudo que não precisava era uma paixão, um vínculo.”
“Sou uma coisa má? Está se arrependendo...” — Enviar.
“Não, você é a melhor parte, sinto que me viciei, e tenho medo disso.”
“Não quero assim. Quero que se sinta bem.” — Enviar.
“Te amo, Lígia, minha pequena dose de problema.”
“Pequena?” — Enviar.
“Modo de falar.”
“Mas sou pequena mesma, amor vou dormir.” — Enviar.
“ Vou rezar como nunca rezei para que a gente tenha pelo menos uma chance real”
“E por que não teríamos?”
“Amor, vá dormir, amanhã acordamos cedo.”
“Quanto mistério. Ainda vou descobrir tudo, mas depois porque agora estou com muito sono, até amanhã. ”
Aparece na tela a mensagem que ele está off-line.
— Coisa linda! A Lígia está apaixonada — Bruna atira um travesseiro em mim.
— Para, Bruna.
— Paro não, vou ficar quieta para ver sua cara de quem está pisando nas nuvens.
Vou dormir sorrindo, fazer o que? Estou derretendo de sentimentos e esperanças.
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