Capítulo XIV
As horas se passam, alguém se aproxima da porta que dá acesso as celas. Steve se ergue em pé, provavelmente é aquilo que ele espera. Um sorriso se abre em seus lábios quando ele tem a confirmação visual que estava correto, eram os livros que haviam sido encomendados. Era uma pena que quem os traziam não era a simpática Dra. Millena, eles vinham em posse de um dos capangas.
— Ei garoto, me mandaram te entregar essa pilha de livros. – Disse o homem ao se aproximar das grades oxidadas da cela.
— Sim, são para mim. – Steve estava claramente feliz e animado com todas aquelas páginas que poderia ler antes de todo o tratamento começar.
— Sério... Eu não entendo porque alguém que está preso pediria livros. – O homem realmente parecia intrigado com aquilo.
— Você com certeza deve ter família não é mesmo? – O capanga mudou sua expressão instantaneamente e não respondeu a pergunta feita a ele.
Aquela simples e curta frase teve um grande impacto. De repente lembranças de sua esposa e seu casal de filhos veio a sua mente. Ele lembra das ameaças, lembra da grande crise financeira que passaram, nem ele, nem sua esposa tinham emprego, a comida estava acabando, seus filhos iriam passar fome naquela maldita cidade. Eram lembranças perturbadoras. O único lugar que o aceitou foi ali, a seita, a SPM. Logo no começo os trabalhos sujos começaram, estando diretamente envolvido sabia que se fosse pego seu fim não seria diferente da situação do garoto a sua frente, ou até quem sabe abaixo de sete palmos de terra.
Não havia mais saída, ele teria que continuar ali até que sua vida fosse ceifada por uma daquelas malditas missões dadas a ele, que em sua grande maioria eram bem piores do que ir buscar alguns livros para um estranho moleque. A comandante sabia que não só ele, mas todos os capangas são além de necessários para fazer os serviços que os grandes não querem, são ameaças, se algum resolver abrir a boca um esquema gigantesco seria desmantelado e isso não traria de maneira alguma consequência positiva. A cidade virará um caos, mas não era isso que o preocupava, o que angustiava aquele coração, que sua garganta ficasse seca e que poucas palavras fizessem esse turbilhão de lembranças eram os gritos de sua garotinha com um revólver apontado para a cabeça. Aquelas palavras ditas por Erich nunca sairão da sua mente: "Você agora trabalha para a gente, se não quiser ter que juntar os miolos da menininha é melhor andar na linha."
— Ei, você está ai? – Steve esticou o braço entre as grades e estalou os dedos.
O homem tomou um susto e percebeu que havia se perdidos em seus pensamentos. Ele repetiu a mesma ação do jovem, só que pondo o braço para o lado de dentro da cela, depositando a mão em seu ombro.
— Garoto, tome cuidado com o pessoal aqui dentro. – Steve não disse uma palavra, apenas começou a receber os livros que lhe eram entregues um a um entre as barras de ferro.
O homem se vira e vai embora quando termina aquilo que lhe foi ordenado. Entretanto seus passos que se distanciavam foram interrompidos pela fala do jovem.
— Obrigado senhor, pelos livros e pelo conselho.
O capanga ao menos se virou e iniciou seu caminhar, mas na face que ele escondia encontrava-se um sorriso e olhos lacrimejantes.
— Há quanto tempo eu não recebia um obrigado. – Esse foi seu único pensamento consigo mesmo.
— Eu também tinha uma família, mas hoje ela não existe mais. Meus únicos companheiros são os autores e os personagens. É apenas com eles que posso contar. Queria poder ter dito isso a ele. - Pensou Steve depois que o homem saiu.
Com a cara enfiada nos livros, Steve nem percebe o passar das horas e o dia chega ao seu final. A noite se revela clara, iluminando a cidade lá fora. É uma pena nenhum dos recrutas poderem ver. Estão todos enfurnados em seus alojamentos. Depois das ordens da Gryse, ninguém ali tinha o direito de colocar o pé para fora do quarto.
Assim como o dia, a noite também teve a sua derradeira hora. O jovem ainda encarcerado adormeceu sobre livros e acordou rodeado por eles.
Um som estridente atormentou os tímpanos de todos os que ouviram. Era a sirene da manhã, Jany e Gabriela despencaram do beliche com o susto tomado. As duas foram as últimas a se apresentarem no pátio e ao chegarem lá viram todos os outros alinhados em frente a dois dos comandantes.
— Muito bem, as duas princesinhas já acordaram não é... – Hana exclamou com extrema ironia. As duas logo perceberam que se não quisessem sofrer ali teriam que mostrar uma exemplar disciplina.
— Calma Hana, é só o primeiro dia delas aqui praticamente. – Erich tentou apaziguar as coisas.
— Sim, e daí? Eu tenho que pegar leve com elas por que? Não existe motivo algum pra eu fazer isso. E quer saber... Hoje será mais duro o treino, e não só pra elas duas.
O comandante deu um passo para trás mostrando que não ia questionar o que a negra fizesse.
— Vocês têm seis minutos para fazerem cinquenta flexões.
— Isso é muita coisa! Exclamou o rapaz de pele morena e olhos pequenos.
— Verdade Alex, tem toda razão. – Aquela concordância da Hana, não parecia boa coisa. Era no mínimo suspeito. — Não serão seis minutos, serão cinco e meio.
Todo mundo suspirou fundo. Aquele comentário só fez as coisas piorarem. Juntos da insatisfação vieram os olhares em direção ao rapaz.
— Ah, quase ia me esquecendo, as flexões tem que ser de punhos cerrados. – Hana concluiu, dificultando ainda mais os exercícios.
Passados um minuto e meio, os recrutas já começavam a gemer para concluírem as flexões. Gabriela ao contar o número doze com extrema dificuldade desaba pela segunda vez.
— Qual o problema garotinha já cansou?
Os recrutas ao seu lado balançaram a cabeça negativamente, alguns com certa pena, outros com desprezo, eles tinham um vislumbre do que aguardava a pobre Gabriela.
Hana caminhou até o corpo que estava de bruços posicionando os braços tentando erguer o tronco mais uma vez, mas todo o esforço era inútil. Ela não passava de uma simples garota sedentária que provavelmente o medo deu a ela adrenalina suficiente para completar aquelas doze repetições.
— Pobre jovenzinha, está tão cansada, seus músculos devem estar destruídos. Você merece uma massagem. – Ao dizer isso um passo foi dado.
Hana colocou um dos seus pés em cima das costas de Gabriela. Aquilo fez com que os últimos resquícios de esforço que a garota fazia para erguer seu magro corpo fosse esvaídos, fazendo com que todo o seu corpo e sua face esquerda atingissem o solo. Ela tinha seu rosto virado para seus colegas recrutas e todos haviam parado com as repetições e mesmo que não fixamente, cada um deles olhavam o que estava ocorrendo ali ao lado deles.
— O que estão olhando? Eu por acaso disse que eram para vocês pararem com as flexões? Até parece que já esqueceram de tudo que passaram aqui a alguns meses. Continuem. – Ordenou Hana.
Até nesse momento o pé da comandante apenas descansava sobre as costas da recruta novata. Hana juntou os pés sobre o corpo da jovem, que no mesmo momento soltou um gemido de dor devido a pressão exercida sobre ela.
Passos começaram a ser dados e a comandante caminhou por cima de Gabriela. A jovem gritava de dor, esticava seus braços tentando se agarrar em algo naquele chão, entretanto o desgaste das repetições de flexões fez ela perder toda a força que tinha, que já não era muita.
— Relaxante não é mesmo? – Ironizou perguntando enquanto um sorriso se estampava em sua negra face demonstrando os brancos e límpidos dentes.
Depois de perceber a garota exaurida em dores e sem esboçar a mínima reação para tentar tirá-la de cima dela, Hana mesma tomou a atitude e desceu daquele corpo quase desmaiado.
— Ei Erich, agora eles são todos seus. Agora eu tenho que ir ver o Kill e o Akuma. Cuide bem dos nossos meninos. – Após essa fala, Hana tomou a direção da porta e desapareceu ao virar na direção esquerda do corredor, na qual as paredes grossas logo abafaram os sons dos seus passos.
O tempo estipulado terminou e muitos dos recrutas não haviam terminado aquilo que a eles foi ordenado. Todos já esperavam algum castigo quando viram o último segundo do relógio se esvair. Nesse instante Erich se ergueu de onde estava sentado e caminhou até onde os jovens estavam, pondo-se agachado a frente dos mesmos.
— Já podem parar. – Ao se ouvir isso todos aqueles que ainda lutavam para conseguir forças desabaram no chão sujo do local.
— Darei vinte minutos a vocês. Darei uma saída e retornarei quando esse tempo acabar. Zeno vai ficar de olho em vocês.
De repente a figura negra e sombria do felino surgiu por de trás do corpo do comandante. Ninguém tinha notado a presença daquele gato ali, ele simplesmente apareceu do nada. E assim o homem também deixou a sala, ficando presentes apenas os recrutas e seu vigia animal.
— Sabe, eu sou um dos mais novos aqui, não é a primeira vez que ele faz isso. Esse gato pode mesmo vigiar a gente? Sei lá, ele pode contar ao comandante se fizermos algo de errado? – Perguntou Alex entre os suspiros da respiração ofegante devido ao cansaço.
— Todo mundo diz que sim. – Eu sou o mais velho aqui, eu não arriscaria se fosse você, isso também vale para você novata. – Disse Jack se referindo a Jany que estava deitada olhando para o teto com um olhar fixo.
— Eu não irei sofrer aqui dentro, irei crescer, irei me tornar a melhor dentre todos esses idiotas aqui do meu lado. É isso que eu quero, é a posição de comandante, não serei apenas uma reles subordinada até morrer aqui dentro. – Jany tomou pra si essa ambição, e ela está decidida a conseguir o seu objetivo. Ela percebeu que tem que obedecer as claras e passar a pena e jogar sujo quando estiver nas sombras.
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