Capítulo 8 - Uma Lady
Como em mais um grande pesadelo, despertei da noite mal dormida e ao observar todos os cantos do meu pequeno quartinho, lembrei-me de imediato que havia perdido a minha safira. Eu havia me perdido.
Havia perdido também todas as pistas sobre quem eu era e pensar na possibilidade de não conseguir continuar a procura pelo meu passado, por mim, trazia-me uma indescritível angústia no coração.
Soltei um suspiro longo e pesaroso pela burrice que cometi. Se eu não sabia quem eu era antes, quem dirá agora sem o único vestígio da minha origem, do meu passado.
— Veja bem, não adianta ficar amuada no quarto o dia todo. Tenho que fazer alguma coisa. — sussurrei, encorajando a mim mesma.
E assim eu me troquei, comi alguns biscoitos velhos e fui em direção ao Rumz.
Antes mesmo que eu pudesse abrir a porta do bar, eu já escutava o som de uma alegre canção emitida por um violino.
Parece que a noite de alguém foi agradável — pensei, sorrindo por dentro.
— Bom dia, princesa pirata. — aproximei-me do palco onde Heilee treinava, sentando-me em uma das mesas, desanimada.
— Pelos poderosos mares, mas que expressão é essa?! — disse em espanto, colocando o violino sobre a mesa e puxando um banquinho para si.
— Não consegui pregar os olhos essa noite.
— Bem que eu disse que deveria tentar o príncipe Isaac ontem, mas você não me ouviu. — debochou em risos.
— Ei!
— O que? Eu só disse a verdade. — deu de ombros. — Mas se soubesse como príncipes podem ser agradáveis...
— Vai levar o assunto a sério? — interrompi-a antes que seu espírito romântico e cálido tomasse conta de sua mente maliciosa.
— Certo. — pigarreou, concertando a postura. — O que houve?
— Eu perdi minha safira, mas não sei onde, nem quando. — apoiei o rosto em uma das mãos, chateada. — Por acaso, não a viu no Rumz hoje de manhã?
— Hum... Não... — olhou-me, preocupada e compassiva. — Talvez tenhas perdido antes de chegarmos ao Litoral, não?
Ponderei sobre a observação de Heilee e refiz, mentalmente, todos os meus passos desde o palácio até chegar ontem no Litoral dos Piratas. Depois de alguns segundos, uma esperança se aflorou em mim.
— Talvez eu tenha a perdido no caminho do palácio até aqui, quando estávamos cavalgando!
— É verdade! — Heilee se alegrou por mim, levantando-se do banquinho. — Vamos procurar? É melhor que seja agora, antes que escureça.
Dei um sorriso em confirmação e esperei Heilee guardar o seu precioso instrumento. Assim que ela veio ao meu encontro, fomos caminhando até a porta do Rumz.
— Não quer mesmo saber o que aconteceu ontem com o príncipe Infante? — deu-me uma cotovelada no braço, levantando as sobrancelhas.
— Não. — E quem iria querer saber uma coisa dessas? Pensei, enquanto fechava a porta do Rumz.
— Então vai me dizer sobre o que fez com o príncipe Isaac ontem à noite? — segurou no meu braço, fazendo biquinho para tentar me convencer, o que realmente funcionava às vezes. Deuses, Heilee!
— Mais tarde, assim que voltarmos.
E ela continuou reclamando. Dei um suspiro, tentando ignorá-la, mas assim que dei um passo à frente, ouvi um barulho de cacos de cavalos se tornando cada vez mais alto, até que uma carruagem adornada parou a poucos metros de nós. O que é será isso?
Tão logo, um homem com roupas bem polidas e um chapéu com uma pena em seu topo saiu da condução com a ajuda de um outro, aparentemente um servo. E foi quando ele se aproximou de nós com um rolo de papel que pude perceber, em sua vestimenta, o brasão da Dinastia Harrington.
— Em nome de Vossa Majestade, a nobre rainha Marie Anne Harrington, venho-lhes solicitar a presença da jovem senhorita Saphira, residente no Litoral de Spéir, para uma audiência no Palácio de Ardaigh o mais breve possível. — o homem anunciou após abrir o rolo de papel. — "Esta carruagem não retornará enquanto não encontrarem Saphira e a trazerem até mim", nota da rainha Harrington.
Por que a rainha? Aposto que é sobre a bacia de água naquele dia. Estou perdida!
— Senhor, pode me dizer o porquê dessa audiência? — aproximei-me do homem, enquanto Heilee me advertia com uma mão em meu ombro.
— Vossa Majestade não entrou em detalhes, portanto, creio que o assunto deverá ser tratado direta e exclusivamente com a própria rainha.
— Mas ela não irá. — Heilee interferiu, ficando à minha frente. — Não a tratarão como fizeram da última vez. Saphira não é um animal e não deve nada ao seu rei ou rainha!
Antes que pudesse dizer algo para acalmá-la enquanto o mensageiro nos olhava com um olhar nada agradável, o caldeirão acabou por virar. Athos e Hawkins saíram com urgência do Rumz até o nosso encontro.
Santas águas, o que mais poderia acontecer conosco?
— O que se passa aqui, meninas? — Athos indagou já encarando o homem e a carruagem do palácio.
— Esse homem está aqui para levar Saphira! — Heilee disparou em fúria, quase partindo para cima do mensageiro.
— Não, Athos, a rainha me convocou ao palácio para uma audiência direta com ela. — intervi, tentando acalmá-los. — Durante o pouco tempo em que estive por lá, tive contato com a rainha e ela nunca me destratou. Ela é uma boa pessoa.
— E vai confiar nesses... nessa família de egoístas tão fácil, simplesmente por ter ficado alguns dias sob o teto deles?! — Athos virou-se para mim em total desaprovação.
Era óbvio que eu não gostava da Família Real e nem gostaria de mais contato com eles do que eu já tinha, mas algo me dizia que eu poderia confiar na rainha, o meu coração me dizia para ir vê-la.
— E eu não confio, Athos, mas... — suspirei e passei as mãos pelo rosto. Eu precisava convencê-los de qualquer modo. — Eu sinto que preciso ir...
Todos olharam em silêncio para mim e senti o julgamento vindo da minha própria família queimando em minha pele. Não era fácil dizer que eu ia para uma audiência inocente com a rainha quando o maior inimigo dos piratas irlandeses eram a própria monarquia do reino que eles tanto amavam.
Eu entendia e compartilhava do mesmo sentimento de ódio pelas injustiças cometidas pelas Família Real, mas dessa vez era diferente. Eu precisava ir, não por eles, mas sim por mim.
— Então, caso vá, nós iremos junto com você. — Hawkins sentenciou, por mais que não concordasse. Era fácil lê-lo quando a tensão em seu rosto era quase palpável.
— Não podem ir. Quem defenderá o Litoral, caso aconteça algo? — joguei verde para tentar fazê-los desistir, mas não adiantou muito.
Depois de algum tempo de discussão na frente dos mensageiros da rainha, decidi ser pulso firme. Eu não poderia ser tão egoísta a ponto de levar todos comigo e correr risco de ter a nossa casa, nosso lar, destruído.
— Ei, senhor! Eu só irei caso essa mulher puder vir comigo! — gritei a todo vapor, apontando para Heilee, que arregalou os olhos, igualmente chocada como Athos e Hawkins.
— P-pois abrirei esta exceção e explicarei à rainha. Tudo o que me foi ordenado é que a senhorita viesse conosco de toda forma possível. — o homem vacilou, meio duvidoso ou temeroso de que acontecesse algo, mas cedeu.
— Saphira, não! — Athos protestou, seguindo-nos até a carruagem com Hawkins. — Eu irei também, não posso deixá-las sem segurança! — gritou para o pobre homem que estava cada vez mais cansado daquela discussão.
— Athos, confie em mim e em Heilee. Nós voltaremos a todo custo. — encarei os olhos dele, fazendo uma promessa silenciosa entre nós.
Foi então que Athos desistiu de nos pressionar, mas de um jeito muito inusitado para mim. Suas mãos foram rápidas o bastante para envolver o meu rosto e trazer meus lábios até os dele, selando-os em um beijo rápido.
Tudo ocorreu tão depressa que sequer pude dizer algo ou desviar meu olhar do dele assim que perdemos o contato. Meu corpo simplesmente não se movia e minha boca não gesticulava nada.
— Eu esperarei. Volte para o Litoral, para a sua família e para mim, Saphira, mas não me faça esperar muito ou eu derrubarei os muros daquele lugar para trazê-la de volta.
Apenas engoli em seco e assenti, disfarçando a minha confusão.
E assim nos despedimos. Heilee deu um abraço no pai, que, apesar de desaprovar, estava confiando em nós de alguma forma.
Só saí de um transe profundo de vazio em minha mente quando Heilee entrou na carruagem e segurou minhas mãos com preocupação.
— Você está bem?
Gostaria de ter respondido que sim, mas apenas meneei a cabeça em uma confirmação sutil.
Não importava como, eu não conseguia entender e nem aceitar o beijo repentino de Athos. Seu comportamento para comigo ultimamente tem me deixado confusa, assustada e até mesmo revoltada, eu diria.
Quando éramos apenas crianças, ele me fez prometer que não repetiríamos aquilo já que seríamos amigos para todo o sempre e, mesmo com uma sensação de coração partido na época, eu acatei seu pedido.
Será que todos os homens pensam que os nossos sentimentos são tão volúveis a esse ponto? Pois eu não via graça alguma em fazer mulheres como uma garrafa de rum que eles vendem quando perdem o interesse e compram de volta quando precisam tê-las.
Seguimos toda a viagem em silêncio. Conhecendo uma a outra, minha melhor amiga sabia que eu precisaria de um tempo para digerir a situação e, então, conseguir me abrir com ela, mas a verdade era que eu queria esquecer que aquilo aconteceu. Eu precisava me concentrar em coisas mais importantes no momento.
Logo pela tarde, chegamos ao palácio. O cocheiro parou a carruagem em frente a fachada principal do palácio e abriu a porta para nós, ajudando-nos a descer.
O jardim frontal de Ardaigh parecia estar ainda mais bonito desde a última vez em que estivemos ali, quando o príncipe Isaac nos salvou de uma enrascada com o rei.
A grama e os arbustos estavam bem aparados e as pedras que compunham o caminho bem organizadas e afixadas ao chão. Algumas estátuas de, provavelmente, antigos reis e guerreiros celtas estavam espalhadas, formando uma bela composição no cenário em contraste com algumas flores.
Quando o barulho de saltos atraiu nossa atenção, percebi que, ao contrário da última vez em que estivemos ali, seríamos recebidas como verdadeiras convidadas da rainha.
— Minhas sinceras saudações às senhoritas. — um grupo de três mulheres nos cumprimentaram formalmente com uma singela mensura.
A mulher do meio possuía os cabelos loiros com mechas grisalhas arrumados em um coque e o uniforme composto por um vestido rendado lilás sem volume. Em seu casaquinho, havia o brasão da Dinastia Harrington. As outras duas possuíam os cabelos castanhos armados da mesma forma e simples vestidos beges.
Sem saber como reagir, eu e Heilee repetimos o gesto.
— Chamo-me Adeline e sou a dama responsável pela a assistência da rainha. — a mulher mais velha nos dirigiu a palavra simpaticamente. — E estas são as minhas ajudantes, as quais as auxiliarão para uma reunião mais adequada com Vossa Majestade.
Assim que a Dama Adeline estralou seus dedos suavemente, suas ajudantes nos pediram para que as seguíssemos pelo palácio adentro.
Entramos pelas grandes portas frontais com vidraças imponentes e passamos pelo salão principal — aquele em que eu limpei as grandes janelas que deveriam custar mais caro do que o Litoral dos Piratas inteiro.
Subimos a bela escada cascata que refletia nossas imagens de tão bem polida e viramos à esquerda no segundo andar.
Chegando ao final do corredor, as duas garotas abriram a porta de um cômodo luxuoso para os visitantes do palácio e começaram a nos arrumar agilmente.
Todos aqueles costumes eram estranhos demais. Ambas as ajudantes de Adeline nos banharam, nos vestiram e arrumaram nossos cabelos em tranças engenhosas.
E a pior parte foi colocar o tal do espartilho. Se todas as ladies, princesas e rainhas passavam por aquilo todos os dias, eu certamente não gostaria de ser uma delas.
Assim que terminaram, eu e Heilee — que estava ao ponto de explodir de felicidade por ter realizado uma de suas fantasias — nos aproximamos do grande espelho da penteadeira.
O vestido que eu usava possuía a saia e mangas longas azul-marinho com um leve decote quadrado acompanhado de pequenas pedras da mesma cor do tecido. Não era nada extravagante, mas a simplicidade do traje se destacava e me elevava a uma verdadeira senhorita.
Heilee também possuía um vestido com corte semelhante ao meu. A diferença era a cor daquele tom de verde-escuro que ressaltava as lindas íris esmeraldas que ela possuía.
Em nossos pés, tínhamos discretas sapatilhas de pele tingidas na mesma cor do vestido que usávamos. Para completar, alguns adornos pequenos foram colocados em nossos cabelos para segurar e decorar as tranças.
E com tudo aquilo, nós havíamos experimentado o mais próximo de ser uma garota da nobreza.
— Estão prontas? A rainha as aguardam. — a dama Adeline abriu a porta, interrompendo nossos devaneios em torno do que vestíamos.
Seguimos as três auxiliares da rainha pelos corredores do segundo andar até chegarmos à ala direita do palácio.
Assim que a porta foi aberta por Adeline, uma enorme sala luxuosa e bem decorada foi revelada. Alguns estofados e mesinhas estavam espalhados pelo cômodo de grandes janelas verticais com cortinas finas e claras abertas.
Mais à frente, uma abertura em arco dava vista para uma sacada estendida, onde haviam mais mesinhas e algumas plantas de decoração. E lá, sentada tranquilamente com uma xícara em mãos, estava a rainha.
— Vossa Majestade, as senhoritas Donovan se apresentam em sua presença. — a dama Adeline se aproximou da rainha em um cumprimento.
— Certamente. Por favor, sentem-se. — a rainha Marie sorriu, indicando-nos duas cadeiras à sua frente. Logo depois, voltou-se para Adeline. — Fiquem distantes o suficiente para que fiquemos à sós. Solicitarei às três, caso necessário.
As três mulheres assentiram e saíram do cômodo externo.
— Antes de tudo, em nome de toda a Dinastia Harrington, peço-lhe que considere nosso sincero pedido de perdão a você e sua família, Saphira. — a rainha sorriu brevemente, demonstrando toda a sua desaprovação com os eventos passados.
— Não precisa se preocupar, Majestade. Estamos bem e é isso que importa. — tentei soar menos nervosa possível quando escutei um pedido de desculpas vindo de um monarca.
— Ótimo. Portanto, vamos conversar sobre o verdadeiro propósito de ambas estarem aqui novamente. — tão logo suas feições tão calmas se transformaram em sérias e, talvez, até irritadas. — Desde quando possui isso, mocinha?
E em suas mãos estavam o que eu estava procurando hoje mais cedo: a minha safira.
— Onde encontrou isso? Eu estava louca atrás disso mais cedo! — perdi um pouco da compostura e Heilee apertou uma das minhas mãos embaixo da mesa, acalmando-me.
— Percebo que esta pedra é de grande importância para você e temo lhe dizer que para mim também.
— Não, Majestade! Eu não roubei essa pedra, caso esteja cogitando isso. Eu a tenho desde que me entendo por gente!
— Acalme-se, querida. Sei que a não roubou. — a rainha riu descontraidamente, deixando-me sem graça pelo meu comportamento. — Por acaso, tem conhecimento sobre a tamanha importância dessa safira?
Neguei com um aceno e meu coração começou a se apertar a cada segundo pelo que viria a seguir.
— A safira é muito importante nas famílias nobres da França. Os bebês que nascem em famílias muito próximas ou na Família Real, como os Klemaant, por exemplo, ganham uma safira de presente. — a rainha pronunciava cada palavra com calma, analisando cada centímetro da pedra.
O medo se instalou em mim quando ela confirmou, em palavras, o que eu já estava processando em minha cabeça.
— Saphira, você, muito provavelmente, deve pertencer a uma dessas famílias, o que lhe dá o título de Lady.
Imediatamente, minha boca secou e a frequência dos meus batimentos aumentou em meu peito.
O que meu futuro havia armado para mim?
Rélou, sperianas! Como foram de férias? As minhas renderam até que bem, haha! Eis aqui o primeiro capítulo do ano de 2019! E vamos ver se esse ano ainda consigo terminar esse livro (eu e minhas metas que quase nunca dão certo kkk)
Obrigada pelo apoio e não se esqueçam de deixar aquele votinho sensacional! ♥ Até o próximo capítulo e vamos ver o que a Saphira vai aprontar como Lady no palácio!
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