Capítulo 3 - Refém do futuro
Ao avistar aquele letreiro, fiquei o observando por um instante. Eu realmente deveria descobrir sobre meu passado daquela forma?
Balancei a cabeça, espantando tais pensamentos da minha mente. Se eu não tentasse, como descobriria algo? Tudo estava valendo naquele momento.
Por fim, respirei fundo e passei pelas finas cortinas roxas com miçangas que tornavam a entrada daquele local tão misteriosa.
Atrás das cortinas, havia uma pequena sala decorada com vários tecidos exóticos coloridos e uma iluminação baixa de velas que tornava tudo mais místico. Ao centro estava uma mesinha simples de madeira com três cadeiras de mesmo estilo e, atrás, encontrava-se uma porta com cortinas negras, impedindo-me de ver o que possuía do outro lado.
Tudo estava silencioso.
— Alguém...? — arrisquei chamar. Minhas mãos suavam pelo nervosismo.
Após um tempo, escutei risadas femininas abafadas ecoando pela sala. Assim que as cortinas negras se mexeram, meu olhar viajou até lá e eu me assustei com as duas figuras que surgiram ali.
— Olá, querida! Somos as irmãs místicas! — a mulher trajada por um vestido cigano negro sorriu, fitando-me.
— Muito prazer, minha jovem! Sou Cadence. — a outra, com as mesmas vestes brancas, apontou para si e, logo depois, para a irmã. — E ela é a Candice!
Ambas possuíam a mesma altura e, pelas suas feições e cabelos, suponho que já tenham vivido muito mais do que eu sequer poderia imaginar.
— Hã... Prazer. — eu disse um pouco assustada e receosa. — Meu nome é Saphira.
— Sabemos muito bem quem é, minha jovem. — Cadence alargou seu sorriso intencionado. — Não precisa ter medo de nós. Por favor, sente-se.
Ainda um pouco relutante e nervosa, puxei a cadeira e me sentei, seguida pelas irmãs místicas.
— O que deseja saber, querida? — Candice apoiou o rosto em sua mão, fitando-me com certa ansiedade.
Dei um suspiro breve e logo reuni toda a coragem presente dentro de mim. Coloquei a mão no bolso interno do meu vestido e apertei a pedra azul.
— Quero saber sobre o meu passado. — comprimi meus lábios e, antes que eu desistisse, coloquei a safira em cima da mesa. — Quem sou eu? Por que estou aqui em Spéir?
No momento em que viram a pedra, as irmãs trocaram olhares discretamente, olhares esses de surpresa.
— Bom, certo... — Candice observava-me, ainda atordoada. — Sou a irmã responsável pelas visões passadas, mas preciso das energias do futuro para acessar às suas memórias. Infelizmente, não posso lhe mostrar o passado pelo ponto de vista de outra pessoa, afinal, trata-se do seu passado. — Advertiu. — Vamos começar?
Assenti em confirmação às irmãs. Mais do que nunca, eu precisava de qualquer vestígio sobre mim, mesmo que fossem meus. Tudo o que eu queria era um modo de começar a procurar a mim mesma, o meu eu.
Candice juntou nossas mãos e depois uniu a sua outra à mão de Cadence. Ambas fecharam seus olhos e, após alguns minutos, pareciam estar em um transe profundo. Tentei me concentrar nos sonhos estranhos que ocorriam comigo toda noite e tornei a abrir os olhos quando Candice começou a dizer algumas palavras rapidamente.
— Mãos. Bebê. Choro. Barco. Mulher. Pedra. Mar. Criança. Mortes. Tempestade. Águas. Choro. Azul. Escuridão.
Enquanto as dizia, seu rosto se contorcia numa careta, como se estivesse sofrendo. Assim que ia interromper a ligação com as nossas mãos, ela abriu os olhos e me fitou assustada e um pouco ofegante.
— O que vistes, Candice? — Cadence pousou uma de suas mãos no ombro da irmã, demostrando preocupação. — Pude sentir a forte energia das memórias.
— Consegui ver, como sempre, os fragmentos das memórias, mas — ela fez uma pausa e me olhou hesitante. — elas passaram por mim tão rápido e tão compactadas que... que parece até que alguém não quer que você as descubra...
— O que quer dizer com isso? — ergui as sobrancelhas, incomodada. — Você pode identificar quem é?
— Infelizmente não. Pode ser que alguém as tenha selado espiritualmente. — disse com pesar. — Porém, a boa notícia é que os selos não são eternos. Algumas coisas podem rompê-lo, como essa safira, por exemplo.
Fitei a pedra frustrada. Ela era a única coisa que poderia me ajudar com o meu passado, ou seja, provavelmente meus sonhos são provocados pela presença dela. Mas por que, afinal, ela está comigo?
— Não se preocupe, minha jovem. — Cadence sorriu em compaixão para mim, tocando o meu braço em seguida. — Você descobrirá o que está por trás desse seu grande pas... sado...
— Cadence? O que houve? — Candice a chamou, incomodada. Logo depois, arregalou os olhos ao constatar que a mão da irmã estava em meu braço. — Oh, por todas as forças! O que vistes Cadence?!
A irmã do futuro piscou levemente os olhos, saindo de seu breve transe e me olhou, espantada. Devolvi seu olhar, já me encontrando aflita.
— A energia do seu futuro... — Gaguejou, ficando sem fala por um momento. — Ele será tão grande quanto o seu passado.
— E isso é bom ou ruim? — dei um sorriso amarelo à quiromante.
— Eu não consigo dizer, mas — voltou a me fitar, desta vez, séria. — ele começará hoje. Tenha cuidado.
Por Manannán*... eu realmente deveria ter vindo aqui?
Um medo repentino me atingiu em cheio e, de repente, eu não sabia mais o que fazer com aquilo tudo. Talvez fosse melhor eu descansar e contar à Heilee ou Athos tudo o que aconteceu aqui no dia seguinte.
— Bem, acho melhor que eu vá então. — levantei-me da cadeira, abrindo um sorriso breve. No fundo, eu estava agradecida pela ajuda delas. — Perdão, mas qual é o preço?
— Nenhum, minha querida. — Candice deu uma leve gargalhada alegre.
— Tanto o seu passado quanto o seu futuro lhe trouxeram aqui, minha jovem. Portanto, não há pagamento algum. — Cadence sorriu, entregando-me a safira.
— Oh, certo. — cocei a nuca, sem graça. — Mas agradeço imensamente por tudo. Até breve!
Ambas fizeram uma leve reverência a mim, sorrindo.
Coloquei a safira no bolso interno do meu vestido e saí da pequena sala mística. Um vento frio me atingiu em cheio, forçando-me a erguer a cabeça e observar o céu.
A noite ainda prevalecia, mas diferente de antes da festa no Rumz, agora o céu estava brando e com as suas inúmeras estrelas mostrando todo o seu brilho lá em cima.
Sem enrolar nem mais um segundo, dei início ao longo caminho até o meu velho casebre. Eu só precisava dormir naquele momento.
Apressei o passo pela extensa Alameda do Espumantes, tomando cuidado para não esbarrar em ninguém, afinal, usar as minhas adagas aqui seria extremamente perigoso, além de chamar muita atenção. Puxa, nunca vi um lugar tão cheio e barulhento — no sentido desagradável — como esse!
De repente, um casal aparentemente bêbado que caminhava delirando pela rua quase caiu em cima de mim e de mais algumas outras pessoas. Devido à colisão ao esbarrem em mim, fui empurrada para o lado, topando com alguém.
— Ei! Olhe por onde anda! — o homem virou-se para mim mal-humorado, mas logo sua carranca se desfez em desconfiança. — Já nos vimos antes?
— Acho que... não? — desviei meus olhos dos seus. — Desculpe, senhor, mas acho que está me confundindo.
Assim que me virei para ir embora, o maldito homem agarrou o meu pulso com força e uma sensação ruim passou por mim.
— Você... — ele estreitou os olhos na minha direção. — Você é aquela mulher pirata!
Maldição.
Logo que ele concluiu a frase, puxei meu pulso com força, surpreendendo-o, e corri pela Alameda dos Espumantes desesperadamente.
Como raios esses guardas reais puderam me encontrar? O meu futuro só poderia estar pregando uma peça em mim!
— Peguem-na! Não a deixem escapar dessa vez! — pude escutar o guarda berrando atrás de mim.
Ah, e lá vamos nós outra vez.
Enquanto corria, tentei me desviar das pessoas totalmente alheias ao que acontecia por estarem no mundo da lua àquela altura da noite. Porém, infelizmente alguns mercadores ilegais e suas barraquinhas noturnas não se safaram do meu gênio estabanado.
— Desculpe-me, senhora! — gritei para uma pobre velhinha que teve suas iguarias derrubadas e destruídas por mim.
Olhei rapidamente para trás e pude ver que o guarda irritante e mais dois de seus companheiros ainda me perseguiam e, quando tornei a olhar para frente, visualizei um médio poste-lampião e tive uma grande ideia para atrasá-los.
Quando me aproximei mais do poste, agarrei a barra roliça com as mãos e girei meu corpo, esticando minhas pernas no mesmo momento. Imediatamente, minha bota veio de encontro a face de um dos guardas, que cambaleou para trás, derrubando os outros dois.
Soltei-me da barra e continuei correndo, enquanto olhava para trás e gargalhava dos resmungos deles.
Quem pensam que eu sou, seus metais ambulantes?
E pela sorte dos lindos céus de Spéir naquela noite, minha comemoração durou pouco. Assim que olhei para frente novamente, já era tarde demais.
Um lindo cavalinho marrom se assustou comigo, derrubando dois barris de cerveja no meio do caminho, onde eu tropecei. As madeiras velhas e desgastadas do recipiente se romperam com o meu peso e pude sentir o cheiro do líquido alcoólico molhando toda a minha roupa.
É...
Revoltada o suficiente e sem tempo para me levantar do chão, outros dois guardas que estavam na porta de um dos comércios me cercaram, seguido dos outros três patetas que caíram há poucos metros dali.
— Não há escapatória, pirata! — um deles me fitou com ódio, enquanto os outros dois me levantavam pelos braços e eu me debatia.
— E dessa vez não haverá nenhum príncipe atrevido para salvá-la! — o guarda que foi acertado por mim gargalhou. — Pagará pelos roubos em Bearg e pelos estragos na Alameda, sua bastarda!
Ergui o rosto com desgosto para aqueles malditos guardas reais. Eu não podia ser presa! Não agora!
Rapidamente, acertei um chute com a ponta dos pequenos saltos da minha bota na canela de um dos guardas que me segurava e consegui me soltar. Em seguida, tornei a correr desesperadamente, ouvindo-o resmungar de dor.
Porém, outro deles foi mais veloz e puxou meus cabelos, fazendo-me cair de joelhos no chão por tamanha dor.
— Bem, basta de gracinhas. — ele apertou mais meus cabelos em sua mão e se aproximou do meu rosto. — Prepare-se para enfrentar o rei Van John pessoalmente. — Sorriu, apertando seus dedos imundos em meu maxilar. — E é de conhecimento extensamente popular que a Vossa Majestade possui um temperamento nada agradável e condolente.
Por fim, os cinco guardas amarram minhas mãos com uma corda grossa tão fortemete que, com certeza, deixaria marcas mais tarde. Logo depois, colocaram-me de bruços no dorso de um cavalo e seguiram para o Palácio Real de Spéir.
No caminho, suspirei baixo, refletindo a gravidade de toda àquela situação.
Qual era a intenção do meu futuro?
*Manannán Mac Lir: "filho do mar" na mitologia celta, sobretudo a celta irlandesa; o deus dos mares e do mundo dos mortos, o reino mítico Mag Mell. É o patrono da Irlanda e dos heróis irlandeses.
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