Capítulo 29 - Origens
O mar me lembra muitas coisas, principalmente porque eu fui criada na presença dele desde que me entendo por gente.
Ele me lembra momentos felizes, histórias tristes, gargalhadas, amores e eu. Sim, ele me lembra a todo instante que as ondas que vem e voltam são o nosso passado indo para que o futuro chegue até nós.
É exatamente por isso que agora eu estava navegando sobre as águas azuis que nos levavam até a França, o meu futuro que um dia foi o meu passado.
Após a morte do rei, pedi aos meus irmãos que aguardassem um tempo até que o palácio se recuperasse minimamente do luto para continuar em frente e, então, eu iria com eles.
Logo no dia seguinte em que Van John faleceu, seu corpo foi velado pelos sacerdotes cristãos de Spéir e, em seguida, semeado sobre a forma de cinzas ao lado da princesa Marine Klemaant, no jardim das rosas, onde ele também ganhou uma placa memorial.
Quando todos da Corte prestaram suas homenagens e condolências, a Família Real permitiu a abertura do jardim aos demais nobres e cidadãos do reino que quisessem rezar pela alma do falecido rei.
Com tudo o que houve, não tive muito tempo para conversar com Isaac depois do velório. Preferi deixá-lo absorver o luto pelo pai, já que tudo o que ele conseguia fazer era organizar toda a confusão que se formou nos cargos do palácio e na Guarda Real.
Acabei tomando esse tempo para preparar minhas coisas para ir à França por algum tempo. Ainda haviam pontas soltas em meu passado e na história que Elga contou no julgamento.
Heilee, Bridget e Fiore acabaram por passar esse tempo comigo para se despedirem, mesmo que elas fossem passar um tempo no Litoral com seus familiares ou amigos.
E por falar em familiares, Hawkins contou à Heilee sobre sua história com Marine Klemaant e sua amizade com Van John.
Ele e o rei eram amigos de infância. Van John deixava o palácio escondido da família para brincar no Litoral quase todos os dias, mas quando ele finalmente foi coroado, a Corte enviou uma carta à França pedindo que trouxessem a princesa Marine — sua prometida desde antes do nascimento — para selar o acordo entre os reinos.
— Meu pai disse que eles eram jovens quando a princesa chegou e que desde que a viu, quando Van John os apresentou, apaixonou-se por ela, assim como ela por ele. — Heilee contava com um sorriso deslumbrado nos lábios.
— Mas e o rei? — Bridget perguntou.
— Ele confessou ao meu pai que não queria se casar, mas que se apaixonou assim que a viu também. — Disse, com um pouco de pena. — Então meu pai decidiu guardar os sentimentos dele porque ele nunca poderia ter a princesa, mas ele estava errado.
— O que houve? Conta logo! — Bridget comentou outra vez, ansiosa. Eu e Fiore concordamos.
— Marine se confessou para ele primeiro e teve um romance às cegas com meu pai. — abriu um sorriso cheio de intenções. — No entanto, próximo do casamento, eles decidiram contar ao melhor amigo tudo e foi onde o rei enlouqueceu e brigou com meu pai.
— E o que a princesa Klemaant fez? — Fiore ergueu as sobrancelhas, tão curiosa como nós.
— Van John tentou forçá-la a se casar de toda forma, mas ela assumiu para toda a Corte que estava grávida e por isso eles a desonraram e a mandaram embora do palácio. Então, ela foi para o Litoral com meu pai, ajudando inúmeras pessoas com sua música após fundarem o Rumz... — Deu um meio sorriso.
— Mas ela estava mesmo grávida? — foi minha vez de perguntar, horrorizada pelo que fizeram a ela.
Heilee assentiu.
— Quando eu estava perto de nascer, o rei foi visitá-los para dizer que os Klemaant ordenavam o retorno dela. Logo que nasci, ela me deixou com meu pai e voltou para a França, onde ficou doente pela má assistência após o parto e morreu depois de alguns anos lá. — seus olhos umedeceram e nós três nos aproximamos para abraçá-la.
— Que os Céus a tenham acolhido. — Bridget sussurrou.
— Alguns anos depois, a criada dela retornou para Spéir para me ver e foi aonde Athos se juntou a nós. — sorriu, enxugando as lágrimas e me surpreendendo. — Athos era filho dela.
— Por isso ele foi em um carregamento para França, ficando cinco anos por lá... — concluí, lembrando-me de quando Athos veio me visitar logo que voltou a Spéir.
— Ela veio avisar da morte de Marine e pedir a Hawkins que transmitisse a última vontade dela ao rei, resultando no famoso tratado de trégua entre os piratas e a realeza, a Lei das Rosas. — Heilee sorriu mais uma vez, orgulhosa pela mãe. — Athos acabou se apegando a Hawkins enquanto a mãe dele, já doente, retornou à França e morreu alguns meses depois.
— O rei deve ter se tornado uma pessoa amarga depois de saber de tudo e ter feito o que fez com o melhor amigo e a mulher que amava. — Fiore comentou e nós concordamos.
— Deve ser por esse motivo que ele ordenou a construção do jardim das rosas. — completei, lembrando-me da vez em que Isaac comentou de sua tia comigo.
— E aquele piano velho pertence a ela. — Heilee virou-se para mim. — Quando ela foi expulsa do palácio, a única coisa que trouxe foi o piano e então, ensinou ao meu pai a música que você sabe tocar, Saphira. Ele não queria ensinar para mim para não se lembrar ainda mais dela.
Abri a boca em surpresa. Eu jamais poderia imaginar que Hawkins havia me dado uns de seus tesouros sentimentais.
De repente, alguém bateu à porta, interrompendo nosso momento e Fiore se levantou para abrir.
— Com a sua licença, Alteza. — a dama Adeline disse com um sorriso, fazendo-me franzir as sobrancelhas pelo tratamento ainda estranho. — Vossa Majestade requisita sua presença na sala de chá.
Troquei olhares com as três por um instante e elas me incentivaram a ir com breves sorrisos.
Deixei meus aposentos, seguindo Adeline com mais duas outras damas de companhia e tão logo já estávamos entrando pela porta da sala favorita da rainha.
— Vossa Majestade, a princesa de Valois está aqui. — avisou ela.
— Saphira! Por favor, sente-se comigo. — a rainha abriu um sorriso, realmente feliz em me ver.
Aproximei-me da mesa e puxei uma cadeira de frente para ela. Uma xícara com chá me foi servida e eu não hesitei em tomar um gole.
— Quero agradecer pela ajuda. Na verdade, por tudo o que fez por nós nesse palácio. — seu sorriso diminuiu, mas continuou me olhando com gratidão.
— Eu faria duas vezes ou mais, caso fosse preciso. — fitei-a, retribuindo seu gesto singelo.
— Ainda assim, eu peço perdão pelo que o falecido rei e Zen fizeram com você injusta e desnecessariamente. — o constrangimento era perceptível em sua voz.
Abaixei o rosto e assenti em silêncio. Nada arrancaria as memórias do que passei naquela cela, mas rancor não era o meu forte e, de toda forma, eu apenas queria seguir em frente e enterrar aqueles dias tão dolorosos e assustadores.
— Bem, dentro de alguns dias, eu pretendo conhecer a minha família de sangue. — tornei a olhá-la, mudando o assunto desconfortável de antes.
— E quanto a Isaac? Pensei que, agora que tudo terminou, fossem... — Sobressaltou-se com certa preocupação.
Apertei os lábios reprimindo uma risada e segurei as mãos dela nas minhas.
— Não é tão simples. Preciso conhecer as minhas origens e Isaac precisa tomar um tempo para si... — expliquei calmamente. — Enfim, há muitas coisas pendentes ainda.
— Bom, de toda forma, já enviei os pedidos de anulação de ambos os matrimônios. Creio que estarão completamente livres em poucos dias. — sorriu, apertando minhas mãos com carinho.
— Quanto a isso, não precisa se preocupar. Estarei esperando por Isaac quando ele estiver pronto. — assegurei com todo o sentimento que tinha em meu coração.
✦✦
Diferente de a quase uma semana atrás, o céu de Spéir estava completamente esplendoroso no final da tarde, indicando que a noite seria belíssima dali a alguns minutos.
Eu e os irmãos de Valois estávamos no coreto do jardim das rosas, observando o sol se pôr.
— Está ansiosa para conhecer a França? — Simon disse, chamando minha atenção.
— Devo dizer que estou um pouco curiosa. Nenhuma de minhas lembranças indicam que eu saí de Spéir alguma vez. — confessei. — Como é lá?
— É agradável, exceto pelos bailes cheios de homens estúpidos que cansam a minha beleza me chamando de "anjo". — Léanne respondeu, cruzando os braços em um exagerado desgosto.
Eu e Simon caímos na gargalhada pelo jeito nada delicado da nossa irmã. Olhando-a pelos cabelos loiros brilhantes e os olhos verdes, ninguém poderia imaginar o quanto seu pavio era curto.
Um pigarreio interrompeu nossa descontração e meu coração pareceu pular quando o vi se aproximar do coreto, parando nas pequenas escadas.
— Saphira, posso conversar com você? — Isaac perguntou, parecendo um pouco inquieto.
Meus irmãos olharam para mim e eu apenas assenti. Ambos nos deixaram a sós, mas pude ver o olhar nada simpático que Simon lançou para o príncipe. Irmãos...
— Como está? — indaguei-lhe, quando ele se aproximou da balaustrada, ficando ao meu lado.
— Com o tempo, suponho que superarei. — disse um pouco vagamente, possivelmente sentindo as perdas tão inesperadas.
Concordei mentalmente. Talvez todos precisassem de um tempo para tudo se acertar.
— Quando partirá? — virou-se para mim, enigmático.
— Dentro de alguns dias, talvez amanhã. — dei de ombros, desviando meu olhar para as estrelas que já apareciam no céu.
— Certo, estarei esperando ansiosamente pela minha futura rainha.
Olhei para ele no mesmo instante, encarando-o como se houvesse um bicho em sua cabeça.
— Isso foi um pedido de casamento? — contive um sorriso esperançoso em meus lábios.
— A quem mais eu pediria? Você é o meu futuro, Saphira. — abriu um imenso sorriso, fazendo meu coração dar cambalhotas e os ventos do outono dançarem em minha barriga.
Não resisti ao impulso de quase pular em seus braços, abraçando-o com todo a felicidade que existia em mim naquele momento.
Assim que seus olhos recaíram aos meus, puxei seu rosto delicadamente para um beijo lento e sereno, apenas sentindo tudo o que havia em nós agora.
— E isso foi um sim? — ele sorriu, encostando a testa na minha.
— A quem mais eu diria sim? — brinquei, fazendo-o rir.
Um silêncio recaiu sobre nós enquanto apenas desfrutávamos do contato que tanto sentimos falta nas últimas semanas.
— Quero lhe mostrar uma coisa. — disse de repente, enlaçando nossos dedos.
Isaac me guiou para dentro do palácio e pela sua urgência, deduzi que era algo muito importante.
Subimos a escada cascata até que nos vi de frente para a porta de seus aposentos, deixando-me curiosa por um instante.
Assim que ele abriu a porta, foi impossível não notar o grande piano instalado próximo de uma das sacadas do cômodo.
Aproximei-me do instrumento com um sorriso, mas algo me chamou ainda mais a atenção quando o vento que entrou pela janela fez a cortina balançar, fazendo a luz da lua alcançar um objeto em cima do piano.
— Uma rosa? — peguei a garrafa de vidro em mãos, observando a bela flor com uma cor notória. — Deuses, ela é azul?!
— Já que elas não existem, eu mesmo pintei uma para que ela existisse somente para você. — Disse, sentando-se no banco do instrumento.
Meu coração se aqueceu com o gesto e eu o amei ainda mais do que eu pensei que poderia. Isaac era o meu futuro também.
Coloquei a rosa em cima do piano e me sentei ao seu lado, passando os dedos sobre as teclas.
— Ele é seu. Quero ouvi-la tocar todos os dias quando nos casarmos. — sorriu, surpreendendo-me mais uma vez.
— Não me parece justo que me dê tantos presentes em nossos primeiros minutos de noivado. — fingi desagrado e ele riu.
— Tenho que cortejá-la da maneira certa para que não encontre uma proposta melhor na França. Seria minha ruína! — escondeu o rosto nas mãos de forma absurdamente dramática.
— Oh, certo. Como se fosse acontecer... — rolei os olhos com humor.
— Não seja despretensiosa, Saphira. Você sabe como é linda e... — interrompi o que quer ele fosse dizer com o dedo em seus lábios, como ele costumava fazer comigo.
— Apenas ouça o quanto eu o amo.
Deslizei os dedos pelas teclas e a melodia que eu tanto amava começou a ecoar pelo cômodo. Tão logo, senti seus dedos tomarem a outra metade do piano e sorri, deixando-o tocá-la para mim.
Fiquei observando todos os seus traços e memorizando cada expressão que fazia naquele momento, pois eu queria tê-las comigo quando sentisse falta do seu olhar, da sua voz, do seu toque e do seu sorriso.
Não resistindo mais uma vez, deixei que meu coração me guiasse e posei minha mão acima da sua. Seus olhos brilhantes vieram até os meus e o senti enlaçar nossos dedos.
No mesmo momento, Isaac encurtou a distância entre nós e colou os lábios nos meus em um beijo vagaroso que fora se tornando cada vez mais urgente.
Senti suas mãos apertarem minha cintura, puxando-me mais para ele, enquanto eu fazia o mesmo com seus cabelos macios.
Sem interromper nosso contato, joguei uma das pernas para o outro lado do seu corpo, sentando-me sobre ele. E como se soubesse de minhas pretensões, Isaac se afastou o suficiente para olhar em meus olhos.
— Tem certeza? Saiba que a decisão sempre será sua e eu a respeitarei de toda forma, não importando quanto ao tempo. — franziu as sobrancelhas, deixando explícita a sua preocupação.
— Não posso ir embora por um tempo sem senti-lo comigo por completo. — fitei-o com seriedade, transmitindo o quanto precisava me entregar mais do que eu já tinha me entregado. — Eu te amo e nunca estive tão segura disso.
Ele assentiu com os olhos azuis imersos em sentimentos e deixou um beijo suave em minha testa, transformando-o em outros vários misturados a carícias ávidas.
Dentre as vestes espalhadas pelo chão e a luz que entrava pelos vitrais do cômodo, as melodias de nossos corações, almas e agora corpos, estavam interligadas em um laço inquebrável de um sentimento sempre transmutável com o passar do tempo.
E ao me lembrar agora de cada momento compartilhado com Isaac, meu peito entrava em uma contradição pela sensação de proximidade e saudade.
— Está sonhando acordada, irmãzinha. — a voz de Léanne surgiu, tirando-me de meus devaneios.
— Não estou sonhando, estou observando o mar e o horizonte. — tentei me esquivar de sua afirmação.
— Parece estar fazendo isso desde que subiu a bordo nesse navio, a um pouco mais de trinta dias. — zombou com um sorriso sutilmente intencional.
Rolei os olhos enquanto ela ria de mim e tornei a observar o mar. Eu estava desfrutando bastante da viagem, mas já sentia falta das brincadeiras de Heilee, das risadas de Bridget e dos sorrisos de Fiore. Esperava que todas estivessem bem.
Quando, enfim, um dos tripulantes anunciou terra à vista, olhei ansiosamente para Léanne com muita expectativa.
A França estava a algumas horas de nós e dali da balaustrada da ponta do convés, já era possível enxergar o porto e as altas muralhas de Paris.
✦✦
Deslumbrada era um eufemismo de como eu estava me sentindo por tudo o que vi até o momento.
Spéir era um reino bastante amigável e charmoso, mas tudo nas vias principais no reino franco exibia elegância e requinte desde o porto, os comércios e as grandes propriedades até as vestes e pertences das pessoas.
O palácio nem era passível de comentários, tudo era extremamente limpo e luxuoso. Os jardins eram exuberantes e toda a construção era evidentemente maior do que o palácio de Ardaigh.
Logo que chegamos, alguns criados nos receberam com bastante simpatia e nos acompanharam pelos corredores adentro.
A ansiedade cresceu ainda mais em mim quando chegamos ao corredor com uma imensa porta já aberta, certamente esperando por nós no salão do trono francês.
Assim que passamos por ali, meus olhos se focaram única e exclusivamente nas duas figuras com coroas robustas e vestes nobres.
— Enfim chegaram! Sejam bem-vindos, meus filhos! — o rei disse, levantando-se do trono junto com a rainha.
Léanne e Simon se aproximaram do altar, ajoelhando-se em uma forma de cumprimento que eu não conhecia ao agradecer ao rei e ao deus deles. Eu apenas os imitei conforme disseram para fazer.
Os monarcas desceram as escadas, vindo até nós com sorrisos receptivos.
— Vossa Majestade, esta é a princesa Florence Antoinette de Valois, chamada por Saphira nas terras irlandesas. — Simon apresentou e eu podia sentir minhas mãos suando.
— Creio que saiba um pouco do que a trouxe até aqui, minha querida. — O rei disse, cortês. — Sou Henri II, rei da França, e esta é minha consorte, Catarina de Médici.
Cumprimentei-os formalmente, mas o rei dispensou reverências, mostrando-se alegre com a minha presença, ao contrário da rainha, que apenas me observava com olhares inflexíveis.
— Vamos todos para o jardim, lá poderemos conversar melhor. — Léanne sugeriu e assim o fizemos.
Sentamo-nos ao redor de uma pequena mesa em um estilo bastante orgânico, completamente diferente do que se via em Spéir.
Fiquei ao lado de Simon em uma ponta da mesa enquanto a rainha e Léanne ficaram na outra e o rei na cabeceira.
— Não se acanhe, Florence, pode perguntar sobre o que quiser. — o rei abriu um sorriso, incentivando-me. Ainda era estranho não ser chamada de Saphira por aqui.
— Bem, eu... eu quero saber sobre mim, como era minha vida aqui antes, por que eu fui sequestrada, como conheceu a minha mãe... — arrisquei, querendo saber o que realmente interessava para mim.
Henri não pareceu surpreso sobre as respostas que eu queria, mas ainda assim parecia um pouco inquieto por ter que desenterrar o passado. Reparando bem, meus olhos e cabelos castanhos e se pareciam com os seus.
— Conheci sua mãe, Elga Sullivan, em um baile em meu palácio. Encantei-me pela beleza dela assim a vi e acabamos nos envolvendo por uma noite. No entanto, não era de meu conhecimento que seu propósito aqui era ser os olhos dos ingleses e não estabelecer uma trégua entre nossos reinos. — começou, trocando olhares rápidos com a rainha.
E surpreendentemente, Catarina deixou a mesa com uma carranca. Seus olhos fuzilavam o rei e não a julguei por provavelmente se sentir humilhada pela infidelidade do marido.
Léanne e Simon se retiraram, indo atrás da mãe e o rei pediu desculpas mais uma vez.
— Um tempo depois, recebi sua visita e ela confessou sobre a gravidez, dizendo que não criaria um fruto de um inimigo e doaria a criança para alguma família. — continuou. — Porém, eu não a deixei que fizesse. Propus que ficasse escondida até que a criança nascesse e então eu tomaria responsabilidade.
— Por que ela não queria a criança? — engoli em seco ao sentir a dor da rejeição.
— Elga era casada com um grão-duque inglês e, dentre todos os seus motivos, ela não tinha gerado um herdeiro ainda e eu a seduzi e forcei a se deitar comigo. — um traço de amargura se passou pelos seus olhos e percebi algo como arrependimento por ali.
Apertei os lábios para encobrir um pouco da tristeza ao saber que eu estava ali por um ato inadmissível do meu pai de sangue. Agora compreendo porque Elga, mesmo quando soube da safira, não disse qualquer coisa sobre mim, olhando-me sempre com frieza e desprezo.
— Alguns dias depois, ela tentou fugir, mas a impedi que fizesse quando a peguei no porto, prestes a embarcar. — Fitou as mãos, parecendo bem longe dali. — Prendi Elga no palácio até que desce à luz, mas Catarina descobriu e enviou uma carta ao grão-duque de Sullivan, complicando ainda mais a situação.
— Ela me disse que você tinha estragado o casamento dela. Foi a carta? — perguntei, lembrando-me do ódio de Elga.
— Sim, Catarina revelou sobre a gravidez e o grão-duque quase a expulsou de casa. O que sei é que Elga negociou com ele dando-o gêmeos, um menino e uma menina, conseguindo assim permanecer na propriedade e com seu título.
— O que houve após o meu nascimento? Pressuponho que tenha libertado Elga e pegado a criança para você. — tornei a voltar para o assunto, interessada em saber cada vez mais.
— Entreguei-lhe a uma ama de leite que a criou aqui até os seus três anos, juntamente aos meus outros dez filhos com Catarina, mesmo que ela não concordasse. — Abriu um sorriso mínimo. — Quando completou um ano, eu lhe reconheci como filha e lhe dei o título de princesa, junto com o meu nome para protegê-la na Corte, mas isso não a protegeu de sua mãe.
Abri a boca em surpresa, encaixando algumas peças com o que Simon e Léanne haviam me contado.
— Então ela voltou, mas para me tirar o palácio. — concluí e o rei assentiu.
— Ela se infiltrou aqui e a sequestrou, entregando-a para uma família de comerciantes no porto. Eu tentei procurá-la pelo reino por quase três anos e quando soube aonde estava, a mulher que a criou nesse tempo lhe entrou para uma outra família que pretendia explorar o novo mundo.
— Por que essa pessoa me entregou?
— Soube que descobriram a natureza da safira que carregava consigo e com medo que eu os executasse, entregaram-lhe. — olhou-me com certa pena.
Eu apenas assenti, pois não havia mais o que se fazer. Fui rejeitada desde que estava no ventre da minha mãe, mesmo que minha existência fosse contra a vontade dela.
— Agora sei que o barco em que estava provavelmente pegou uma tempestade ou foi desviado pelos ventos para que chegasse até Spéir. — voltou a dizer, chamando minha atenção outra vez para si. — Foram mais de treze anos procurando por você, minha filha, e a cada dia fracassado, meu coração se apertava por não achá-la pelos cantos do mundo.
Ri da ironia do destino por pensar no quanto a pedra que eu carregava comigo fora responsável por todo o meu caminho até aqui. Lembrei-me exatamente da visão das irmãs do passado e do futuro na Alameda dos Espumantes.
Mãos. Bebê. Choro. Barco. Mulher. Pedra. Mar. Criança. Mortes. Tempestade. Águas. Choro. Azul. Escuridão.
Agora tudo havia feito sentido para mim. O pesadelo com a tempestade naquele barco não era somente um pesadelo. De alguma forma, meus sentidos haviam captado e guardado o que ocorreu naquele dia.
— Acho que posso dizer que foi bom que tudo isso tenha acontecido. — comentei, mais para mim mesma do que para o meu pai de sangue. — Tenho uma família e amigos que me amam e que lutaram muito por mim até hoje.
— Fico feliz em saber que foi e é amada, Florence. — o rei sorriu, mas seus olhos eram tristes, quase arrependidos pelo que aconteceu comigo. — Eu não sei o motivo, mas eu te amei desde quando a peguei em meus braços pela primeira vez, por mais que eu soubesse que seria amaldiçoado pelo resto da minha vida ao forçar uma mulher e que ainda era casada...
Sorri de volta ainda que eu quisesse chorar por ouvir a história de como vim ao mundo. Não foi espontâneo, não foi desejado, muito menos por amor e eu não gostaria que acontecesse com nenhuma mulher. Meu pai de sangue errou e deveria pagar por aquilo quando fosse levado pelos deuses.
No entanto, agradeci por ter me tornado Saphira. Elga foi cruel comigo, mas seu comportamento era compreensível e nunca cobraria nada daquela mulher como filha.
Naquele mesmo instante, apenas prometi a mim mesma que amaria meus filhos como um dia quis ser amada por meus pais de sangue, mas que também os amaria tão profundamente como fui amada por Hawkins, Heilee, Athos e todos os piratas de Spéir, a minha verdadeira família.
Boa tarde, sperianas! Esse foi o nosso #3! Gostaram?
Soubemos um pouco da história de Heilee e de Saphira. Vimos que, por mais que os casamentos fossem justificados por amor naquela época, havia sofrimento de toda forma. No entanto, nada superava o que muitas mulheres,como Elga, tiveram de passar forçadamente :( Vale relembrar que Bridget e Mama também foram humilhadas e abusadas por seu pai e marido, respectivamente. Nada justifica a violência contra a mulher!
É já que trago o nosso #2 e depois o epílogo! Podem preparar os corações e os paninhos para as lágrimas! Até daqui a pouco! ♥
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