Capítulo 22 - Feridas ardentes
Vinte dias depois...
Mesmo que o tempo tenha se passado, minhas mãos e joelhos ainda doíam e se recuperavam das marcas deixadas pelas exageradas punições feitas pela tutora Liséli a mando de Zen.
E por mais estranho que pareça, as últimas semanas têm sido tranquilas em Ardaigh, o que estava me deixando cada vez mais incomodada com toda aquela situação incomum.
Logo após o desjejum, desci para o jardim das rosas para me acalmar um pouco, exatamente como eu tenho feito desde que meu tornozelo se curou e Athos e Mabel foram libertos.
Desta vez, eu possuía um livro em mãos, mas minha mente insistia em não se concentrar nas palavras que se passavam diante de meus olhos sem qualquer significado. A verdade era que eu estava em alerta o tempo todo, além de ter um nó em minha garganta.
Desde o julgamento, havia visto Zen poucas vezes, que incrivelmente estava se mantendo longe de qualquer um que não fosse seus pais. Ao contrário dele, tenho visto as Sullivan com frequência, principalmente no jardim das rosas e nos corredores.
Toda vez que as encontro, recebo alguns comentários descorteses e olhares ameaçadores. É perceptível que tal comportamento não seja apenas pelo que Zen tenha dito sobre mim.
Não sei de sua natureza, mas alguém nada bem-intencionado espalhou boatos sobre meu suposto envolvimento com o príncipe herdeiro, o que provavelmente tem contribuído para o tratamento indelicado das Sullivan para comigo.
E não, isto é apenas a ponta do leme que tem dirigido minha mente no grande oceano obscuro que eu navegava agora. Isaac definitivamente dominava todo o resto.
Não o vejo mais pelo palácio desde a partida de Athos e Mabel, seja pelos corredores ou mesmo nas refeições. Ele simplesmente desapareceu e não há nenhum vestígio de coragem em mim que me faça perguntar sobre onde ele estaria.
Eu não tinha o direito de sofrer, mas sim, eu estava sofrendo pelo que eu havia feito e aquilo estava me corroendo diariamente. Todos os dias, eu amaldiçoava minha estúpida razão que corrompia meu coração orgulhoso.
No entanto, a cada vez que ouvia sobre o casamento que se aproximava, mais eu me obrigava a acreditar que me manter longe era a melhor opção, mesmo sabendo que não era.
Daqui a um mês e sete dias, Isaac se casaria e, mesmo que não fosse de minha vontade, eu teria de deixá-lo ir para sempre do meu coração, pois eu jamais o teria.
Suspirei demoradamente, fitando as páginas do livro em meu colo e logo depois, as marcas em minhas mãos. Eu sabia que era errado, mas tornar aquela dor como penalização era a única forma que eu via para aliviar o peso que eu sentia por ter sido tão egoísta e orgulhosa.
Fechei o livro e me levantei. Estava cansada de tentar me dedicar a algo e não conseguir fazê-lo. Com a leitura seria o mesmo, não adiantaria.
Ao dar o primeiro passo para sair dali, deparei-me com uma cena deveras curiosa. O rei Van John estava quase na ponta do jardim, bem distante do banco onde eu estava.
Ele trajava suas costumeiras vestes negras e a coroa robusta, único acessório que me fez reconhecê-lo de tão longe, além dos brilhantes fios loiros que se misturavam a alguns grisalhos.
Perguntei-me o que ele estaria fazendo ali parecendo tão compenetrado em observar as rosas, mas imediatamente me lembrei da falecida princesa Marine Klemaant quando ele tomou uma das flores nas mãos, aparentando beijá-la.
Dei de ombros e saí o jardim, rumo ao palácio. Não queria intervir no que quer que ele estivesse pensando ou fazendo ali, independentemente de simpatizar ou não com ele. Possivelmente ele precisava do silêncio e da calma presente naquele lugar, assim como eu.
Logo que adentrei o palácio, pensei em ir à sala de música. Pode ser que tocar piano me traga alguma tranquilidade por um momento.
Como de costume, Liam estava em seu templo sagrado. Dessa vez, ele limpava sua sublime flauta albina com um retalho de pano.
— Prometo não lhe incomodar com mais nada além do som. Apenas gostaria de tocar algo.
Ele levanta o rosto e sorri, fazendo um sinal para que eu fosse até o piano.
— Onde estão suas damas de companhia? — sua voz calma me chamou a atenção e me virei antes de me sentar de frente para o piano.
— Isso é uma pergunta mascarada para saber sobre Heilee? — sorri, travessa.
— De maneira alguma. — Desviou o olhar de volta ao instrumento em suas mãos. — Ambos sabemos que da última vez em que estávamos sozinhos nessa sala, algo extremamente escandaloso aconteceu.
— Santas águas, lembro-me bem disto... — ergui as sobrancelhas, rolando os olhos enquanto riamos. — Heilee foi à biblioteca buscar por algo e pediu a ajuda de Bridget, caso queira saber.
Liam apenas assentiu e eu me voltei para o piano, acomodando-me no banco para tocá-lo.
Inspirei o ar e logo meus dedos começaram a caminhar pelas teclas, produzindo a melodia da única música que eu sabia e que, inevitavelmente, lembrava-me dele.
Lembranças do dia em que tocamos juntos no piano velho de meu casebre atingiram-me em cheio. Tanto eu quanto ele estávamos tristes, mas como uma simples receita de salsa, sálvia, alecrim e tomilho passada ao vento, encontramo-nos outra vez em nossa própria felicidade.
— Seu coração está a chorar.
Parei de tocar e olhei para Liam, confusa.
— Por ele. Seu coração está a chorar por ele.
— Como pode saber disto?
— Posso sentir pelo seu modo de tocar. As notas estão tristes, pois seu interior está devastado. — Meneou a cabeça, apertando os lábios.
Abaixei o rosto e observei minhas mãos. Se ao menos eu soubesse o que dizer...
— Vá vê-lo. — disse, interrompendo meus pensamentos desordenados.
Assenti com um sorriso e gesticulei um "obrigado". Liam retribuiu o sorriso e voltou à sua tarefa de ilustrar seus instrumentos de sopro.
Voltei a tocar também, mas não por muito tempo. Uma grande desordem ambulante com nome, sobrenome e talento de sobra abriu a porta, adentrando a sala de música como um batalhão de guardas.
— Enfim encontrei o que buscava! — balançou o livro que tinha em mãos, mas logo que me notou, franziu as sobrancelhas. — Há quanto tempo sabe tocar piano, Saphira?
— Hawkins me ensinou quando criança. — dei de ombros.
Heilee me fitou um pouco surpresa, mas logo piscou rapidamente e voltou-se para Liam.
— Cão de guarda, eu não consigo compreender esse livro. O que é a Lei das Rosas? — Apontou para o compilado de páginas com uma das mãos.
— Isso é um livro de leis, nunca conseguirá ler. — caçoou de propósito, irritando Heilee.
— Apenas diga o que é essa bendita lei, Harrington!
— Em resumo, trata-se de um acordo de paz entre a nobreza e os piratas instaurado em nome e honra à falecida princesa Marine Klemaant, irmã de minha mãe. — Explicou, sem quaisquer intenções. — Por que motivo está perguntando sobre isso?
— Temo em lhe dizer que preciso de algumas lições sobre história! — Cantarolou ironicamente, pegando Liam pela mão e o arrastando junto uma Bridget assustada e parada à porta. — Vamos!
Ri do comportamento deveras atarantado de Heilee e continuei a tocar até que meus dedos se cansassem.
✦✦
Eu não tinha noção alguma de quantas horas tinham se passado, mas sabia exatamente quantas folhas de papel já havia gastado nesse tempo.
— Maldição! — sussurrei, amassando mais um papel em minhas mãos.
Esfreguei os olhos pela raiva que sentia. Estava tentando escrever uma carta para Isaac, porém nada parecia bom o suficiente, pois ao invés de estar aqui na companhia de uma pena com tinta moída e uma vela, deveria estar à procura dele para dizer tudo o que deve ser dito.
E foi isto que fiz.
Eu não poderia mais ignorar essa situação. Eu tentaria ir à feira para trazer a nossa salsa, sálvia, alecrim e tomilho ou eu nunca teria meu verdadeiro amor.
Larguei todo aquele emaranhado de palavras falhas nos papéis amassados no chão e me vesti adequadamente. Conferi meu cabelo uma última vez pelo espelho e guardei minha adaga dentro da manga longa do vestido azul simples.
Deixei meus aposentos sorrateiramente e conferi o corredor. Estava livre.
Corri rapidamente para a escada cascata, subindo para o andar onde a Família Real se instalava.
Quase perdi o ar quando vi dois guardas passarem lado a lado de repente, fazendo a vigia noturna do palácio. Felizmente eles não me notaram e pude respirar novamente, continuando meu caminho pelos corredores confusos.
Estranhamente, lembrava-me do caminho até os aposentos dos príncipes, mesmo com todo o desespero após flagrar Zen e a Lady Sullivan em um momento deveras íntimo...
Quando, enfim, cheguei à porta do quarto de Isaac, chequei o corredor em ambos os lados outra vez. A tensão em ser pega e a ansiedade em saber se ele estava ali dentro faziam-me sentir aflita.
Tirei a adaga da manga do vestido e tracei a lâmina para dentro da fechadura até ouvir o barulho que indicava que a peça havia sido destrancada.
Segurei a maçaneta e suspirei.
Deuses, que ele esteja atrás desta porta...
E sutilmente a empurrei.
Paralisei no momento em que o vi a alguns bons passos dali, quase de frente para mim.
A lareira estava acesa e a luz que provinha do fogo iluminava parcialmente seu rosto e o tronco nu.
Isaac trajava apenas uma calça e seus pés estavam descalços. Ele parecia estar... molhado?
Assim que seu olhar veio até o meu, ele deixou a tira de pano que usava em cima da pequena mesa instalada de frente para o fogo. Senti-me estúpida mais uma vez por não saber de que forma agir.
Fechei a porta atrás de mim lentamente e dei alguns passos à frente. Franzi as sobrancelhas ao reparar novamente no pano sujo por algo escuro. Olhei outra vez na direção da pequena bacia em cima da mesa e arregalei os olhos ao perceber que o sangue coloria a água.
Apressei-me em chegar até ele, podendo ver o vestígio de algumas pequenas marcas expostas suas costas antes que se virasse completamente para mim.
— O que faz aqui? — fitou-me indecifravelmente, mas sua voz veio indiferente o suficiente para sentir algo se rasgando em mim.
Mordi os lábios e peguei o pano, molhando-o na água novamente. Estendi-o na direção de Isaac, que fechou os olhos e se ajoelhou, certamente compreendendo que eu queria ajudá-lo.
Aquela era também a minha maneira de reaproximar, mas reconhecia que tinha que ser sincera e deixar com que as palavras saíssem. E mais do que isso, queria mostrá-lo como me sentia naquele momento e em todos os dias em que não nos vimos.
Observei todas aquelas feridas sobre sua pele se misturando ao suor. Algumas evidentemente eram recentes, mas outras pareciam estar ali por um longo tempo. Parei de limpá-las quando senti seus músculos rígidos pela ardência.
— Vim vê-lo. Não o encontro no palácio há algumas semanas e bem... eu tenho sentido a sua falta.
Imediatamente, Isaac se virou e seus olhos se fixaram nos meus. Abaixei o rosto no mesmo momento e molhei o pano na água outra vez com o restante da atenção que eu possuía.
— Não, quero dizer... sinto muito pelo que fiz enquanto estávamos na Casa da Mama.
Tornei a olhá-lo de soslaio assim que ele me deu às costas novamente, fazendo um breve aceno de cabeça em confirmação.
Um pavor crescente passou a se intensificar em mim quando não consegui compreender aquele gesto. Fui rápida em deixar o que fazia e enxugar as mãos na saia do vestido, agachando-me em frente a ele.
Dessa vez, não hesitei em olhar no fundo de seus olhos.
— Pode me contar o que ocorreu naquele dia? — sussurrei calmamente. — Sem mentiras. Por favor.
Isaac pareceu concordar novamente, acomodando-se na tapeçaria nobre que forrava a área da lareira.
— Quando a deixei com a Mama para buscar um curandeiro, atendi seu pedido e fui a Bearg noticiar à senhorita Donovan que não voltaríamos ao Litoral. Foi nesse momento que ela me entregou a carta de Liam. — Começou, após um tempo em silêncio. — No caminho para a Vila dos Ofícios, li o que meu irmão havia escrito e decidi escondê-la quando retornasse.
— Por quê?
— Porque eu estava preocupado com você.
Seus olhos vieram aos meus outra vez, mas antes, onde havia mágoa e tristeza, agora continha um pouco do brilho tão familiar daquele oceano azul.
— Eu sabia que caso lhe entregasse a carta naquela noite, você voltaria a buscar pela mulher, mesmo que não estivesse em condições. — Continuou. — Tive a necessidade de protegê-la, ajudá-la. Queria fazê-la se concentrar em se recuperar e saber do que ocorria no palácio a deixaria pior.
Como Heilee me dissera, eu estava sendo injusta.
Isaac sempre quis me ajudar, não importando a situação e, ainda assim, não confiei nele. Meu erro fora presumir que ele não cumpriria com sua palavra ao sair pela porta e esconder uma informação importante, aparentemente, sem um motivo. Meu desespero em ver Athos livre acabou dominando minha sanidade.
— Eu sinto muito por esconder a carta. Não deveria tê-lo feito sabendo das condições em que o Redmond se encontrava, mas eu não pude... — Passou a mão sobre os olhos carregados de culpa e dor. — Eu tive medo, Saphira! Medo de algo pior lhe acontecer!
No mesmo instante, um nó se formou em minha garganta. Como pude ser tão egoísta?
Agora, observando todo o peso que ele sentia explícito em todas as suas expressões, senti-me cada vez mais sufocada e destruída.
Avancei em sua direção e passei meus braços ao redor de seu pescoço em um abraço firme que logo fora retribuído por ele.
Queria eliminar toda a dor e arrependimento que ele sentia. Isaac não merecia aquilo. Eu só queria poder tomar todas as dores dele. Estava sofrendo ao vê-lo sofrer.
— Deuses... perdoe-me, Isaac! — sussurrei com a voz embargada pelos sentimentos. — Fui precipitada e estupidamente injusta!
— Não diga isso. Eu também não fui correto e não havia como imaginar o motivo de minhas decisões. Deveria ter lhe dito sobre a carta de outra maneira e confiar que você entenderia.
— Fui injusta com você e com Bridget. — afastei-me um pouco para vê-lo novamente. — Não quero que se distancie dela. Se a ama, deve...
— Sim, eu a amo, Saphira. — interrompeu-me, deixando-me sem palavras ou reações em primeira instância. — Porém não da maneira que pensa.
Ergui uma das sobrancelhas, surpresa. Isaac abriu um meio sorriso e meu interior se alegrou ao ser agraciado por aquele simples gesto depois de tanto tempo.
— Conheci Bridget quando ainda éramos jovens ingênuos. Ela era filha de um duque.
— Um duque? — minha boca se entreabriu pela curiosidade. — O que houve?
— Eu e Jaqques a encontramos próximo ao limite das Cidades Reais, abandonada em uma alameda. — Apoiou o rosto nas mãos, um pouco triste. — O pai a deserdou, pois Bridget recusou o homem a quem foi entregue, não comparecendo no dia do casamento.
Franzi a sobrancelha, balançando a cabeça em reprovação à atitude do homem.
Lembrei-me das palavras da rainha Marie sobre o direito de escolher das mulheres e agora tenho a plena noção de que não interessa a classe social, elas sempre serão impedidas de decidirem seus futuros e, caso o façam, não passarão de sujas e desonradas aos olhos da sociedade.
Detestável e imunda. Isto era a sociedade.
— Como a ajudaram?
— Não sabíamos o que fazer, éramos apenas meninos enclausurados no palácio, mas Jaqques se lembrou de Mama e então levamos Brid até ela. — ele riu, nostálgico. — No início, fora complicado, pois Bridget estava acostumada a viver com luxos, porém, todas as meninas a ajudaram até que ela finalmente se habituou aos afazeres domésticos da Casa, realizando-os durante o tempo em que permaneceu lá.
— Delfine Targ é uma mulher extraordinária. — comentei, já sentindo falta de sua personalidade um tanto extravagante.
— Certamente. Ela envenenou o antigo cafetão por ele abusar dela e das outras amigas dela. Desde então, assumiu a Casa, sempre auxiliando as mulheres que precisavam estar lá, dando-lhes a escolha de trabalharem no salão ou nos afazeres diários do bordel.
Rimos um pouco sobre as aventuras da senhora Targ e o quanto o príncipe Jaqques Klemaant tentou cortejar Bridget, ganhando apenas pisadas nos pés pelas palavras certamente adoráveis.
Isaac deixou que eu o ajudasse a terminar de limpar as feridas e se sentou no largo estofado que ficava de frente para a lareira para que ficássemos confortáveis.
— Não vai me dizer a origem delas? — apontei para as marcas em suas costas assim que acabei de limpá-las. — Por onde esteve todos esses dias?
— Meu pai. — pareceu dar de ombros, mas seus olhos mostravam claramente um misto de tristeza e raiva.
Não precisei pensar muito para deduzir o que o rei havia feito. No entanto, ainda parecia inacreditável que o próprio pai fizesse tamanha crueldade com o filho.
— Deuses... por que ele fez isso? — perguntei, incrédula.
— Foi mais um de seus castigos por eu ter me ausentado do palácio sem muitas justificativas plausíveis e por tê-lo desafiado de certa forma, cercando suas escolhas na resolução do julgamento do Redmond.
Ri sem humor algum. O ego do rei era bem maior do que eu imaginava.
— Desafiado? Você apenas solucionou algo de maneira que ele certamente não faria! — balancei as mãos, indignada.
— Sim, sei disso. — suspirou. — Acontece que ele odeia que sejam ou ofereçam algo melhor do que ele, principalmente se esse alguém for eu. Por isso ele sempre me castiga.
— Sempre?
— Ele faz isso desde que eu era um menino. Por eu ser o mais velho e o herdeiro do trono, meu pai crê que preciso ser exemplar e aprender tudo mais rápido que meus irmãos, mas nunca o ultrapassando.
— E por isso é sempre hostil na presença dele?
— Sim. Desde que passei a compreender seu comportamento injustificável com nós três, comecei a desafiá-lo para que entendesse que mesmo sendo rei, não poderia controlar seus filhos como um objeto. — Travou o maxilar, parecendo se lembrar de algo ruim.
Van John era mesmo um homem cruel. E por mais que algo tenha contribuído para que ele se tornasse assim, ele ainda preferia ser temido e odiado a ser admirado pelo seu próprio sangue.
— É por esse motivo que Liam sempre tocou instrumentos escondido e bem longe do palácio. Meu pai nega suas habilidades para música e o proíbe de tê-la como sua prioridade e isso o afasta cada vez mais do rei. Ambos se ignoram na maior parte do tempo.
Deuses! Liam era tão injustiçado quanto o irmão mais velho. Naquela noite em o conhecemos como Ian, ele certamente veio ao Rumz procurando por liberdade, procurando ser quem ele realmente é.
Spéir continha mais sonhos ocultos do que eu imaginava.
— Deveria ter me dito sobre o que estavam sujeitos a passar antes de decidirem me ajudar a inocentar Athos. — abaixei o rosto, sentido o peso da culpa se instalar em mim outra vez. — Se eu soubesse que algo tão inadmissível e doloroso aconteceria, não teria permitido que viesse comigo a Bearg.
— Olhe para mim. — Isaac pediu, levantando meu rosto suavemente com as costas dos dedos quando viu que eu não o faria. Seus olhos não permitiam que os meus escapassem deles. — Eu não me importo. Faria tudo outra vez para corrigir os erros de meu pai e também para protegê-la.
— Isaac, eu não lhe mereço! — aumentei o tom de voz, levantando-me no segundo seguinte e me afastando de suas mãos. — Enquanto fez tanto por mim, eu o julguei na primeira oportunidade que tive! Sou uma maldita egoísta orgulhosa!
— Está mesmo ouvindo o que diz?! — Ficou de pé, indignado, e se aproximou outra vez. — Somente me aconteceram coisas boas e memoráveis desde o momento em que a conheci. Ninguém é perfeito, Saphira. Às vezes temos dificuldades em lidar com nossas emoções já tão suprimidas por códigos imorais.
Desviei meus olhos dos seus, rindo sem qualquer vontade da última frase que eu acabara de escutar.
— É exatamente isso. — tornei a fitá-lo, sentindo minha voz trêmula. — Vim até aqui para dizer como tenho me sentido e no final, fujo para longe simplesmente porque não sei como lidar com meu coração, como sempre tenho feito.
Por um momento, tive o vislumbre de um pequeno sorriso se formando nos lábios de Isaac enquanto ele veio até mim, envolvendo-me em um abraço terno. Não sabia se estava sendo levada para o sonho ou realidade.
— O que está fazendo? — finalmente perguntei, afetada o suficiente por seu gesto acalento.
— Impedindo que vá para longe outra vez. — afastou-se minimamente para me enxergar. — Perdoe-me por fugir de nós tantas vezes.
— Isso é...
Balbuciei, sentindo a quentura do rubor se instalar em minhas bochechas, mas Isaac me impediu de continuar, calando-me ao deslizar levemente a ponta dos dedos sobre os meus lábios.
Senti uma familiar calmaria me preencher assim que ele se aproximou mais, tocando nossas testas uma na outra.
Fechei meus olhos, apenas apreciando o momento em que percebi que o amava mais do que necessitava respirar.
— Eu te amo, Saphira. Eu a amo quando sorri, quando está triste, quando é fogo ardente ou água serena. Amo-te completa e integralmente, exatamente como é.
E como sentia-me toda vez que o via, o escutava e o tocava, senti os graciosos ventos do outono brincando em meu estômago, derrubando todo e qualquer sinal racional que me avisasse o que estava prestes a acontecer e o quão devastador poderia ser se eu continuasse.
Éramos somente nós agora e eu queria me importar com as consequências apenas quando o sol nascesse.
Tomando todo o cuidado, ergui meus braços, enlaçando-os no pescoço de Isaac. Arrepios percorreram pela minha pele quando senti suas mãos rodeando minha cintura firmemente, levando-me para junto de seu corpo no estofado.
Abri os olhos quando ele me ajeitou em uma de suas pernas e o som grave do timbre rebelde da sua voz ressoou próximo ao meu ouvido.
— Você confia em mim?
Seu olhar intenso se fixou ao meu, esperando pelo que eu já devia ter gritado aos grandes mares desse mundo.
— Sim, porque te amo.
Como se fossem feitos um para o outro, Isaac finalmente encerrou a curta distância entre nós, juntando nossos lábios em um beijo calmo e deleitoso.
Um certo nervosismo se instalou em mim quando ele interrompeu o beijo e o senti puxar as amarras do vestido, enquanto me acomodava entre suas pernas, de costas para si.
— Não fique tensa, quero apenas senti-la como quero me sinta hoje. — sussurrou profundamente, deslizando a parte superior do tecido pelo meu colo e braços e afastando meus cabelos trançados em seguida.
Meu corpo queimou instantaneamente quando seus dedos habilidosos puxaram as cordas do espartilho, libertando meus seios. Desmanchei-me em seus braços assim que ele traçou um caminho de beijos e lambidas do pescoço até o meu ombro, não me contendo em deixar um gemido escapar.
Virei-me minimamente para vê-lo e fui capturada por aquele azul tão brilhante e desejoso para mim como eu nunca havia visto antes. Tomei-o em um beijo irrestrito mais uma vez, amplificando tudo sobre nós.
Em meio ao crepitar das chamas e a penumbra feita pela luz da lua que atravessava os vitrais do quarto, não foi preciso mais do que olhares e toques para sentirmos a entrega e o amor urgente e mútuo um do outro para um tempo que nem mesmo o futuro poderia determinar.
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