Capítulo 20 - Medos e traições
Eu não estava acreditando no que estava acontecendo.
Tudo o que se passava em minha mente era o motivo pelo qual Mabel estava ligada ao Segundo Príncipe. E sinceramente, eu estava com medo de saber, mas não havia outra alternativa. As decisões viriam logo após de toda forma.
— Minha filha está em apuros com aquele homem e não posso deixá-la carregar a família sozinha em suas costas... — O homem abaixou o rosto e cobriu os olhos, recebendo um afago da esposa em seus ombros.
— Mas o que sua filha deve ao Segundo Príncipe? — Isaac tornou a perguntar, percebendo que eu estava chocada demais para sequer abrir a boca.
— Como inúmeras famílias sem títulos, nós estamos devendo impostos à Coroa e Mabel desejava nos ajudar da forma que pudesse, mas tudo começou a ficar pior quando os guardas reais vieram cobrar pelo valor. — Caitlin contava com pesar enquanto continuava consolando o marido. — Foi então que procurei a casa de Mama para trabalhar como arrumadeira e conseguir juntar algumas moedas de trocas, já Mabel...
Lágrimas escorreram por suas bochechas e o marido as enxugou com o polegar. Apertei os lábios ao imaginar no quanto essa família estava sofrendo, mas eu ainda não conseguia acreditar que Mabel estivesse envolvida com Zen.
— Ela conseguiu entrar como criada no palácio e ganhava um pouco que nos já ajudava. Porém, ela sumiu por muito tempo, sem nos dar notícia alguma e quando veio nos visitar há algumas semanas atrás, disse que tinha a solução para a dívida e que bastávamos esperar.
— Mas ficamos aflitos, pois ela havia exigido que eu fechasse minha oficina e me escondesse por um tempo. — O homem completou, tão confuso quanto nós. — E isso coincidiu com a vinda dos guardas de Zen Harrington para acompanhá-la até à Vila dos Ofícios, quando chegara.
— Você tem uma oficina? — Isaac franziu as sobrancelhas e eu congelei ao captar todas aquelas informações.
— Sim, eu sou um artesão bastante requisitado por aqui e não posso deixar de ganhar minhas moedas sabendo que minha filha está em perigo. — seus olhos se viraram para mim. — Por isso essa pedra é deveras importante. Com seu valor, conseguiria acertar a dívida com a Coroa e cessar qual quer que seja esse possível vínculo entre Sua Alteza e Mabel.
E como em um passe de mágica, tudo se conectou em minha cabeça, fazendo uma espécie de sentido que me apavorava no quão verídico aquilo de fato poderia ser.
No entanto, de uma única coisa gostaria de saber: o motivo pelo qual Mabel se aliaria a um homem repugnante como Zen Harrington, mesmo sabendo de quase tudo o que ele fez a mim e à minha família.
— Como se chama, senhor? — eu disse ao sair de meus pensamentos e interromper a conversa entre o casal e Isaac.
— Joseph, senhorita...?
— Saphira. — dei-lhe um sorriso e Isaac lançou-me um olhar de advertência. — Eu e meu amigo, Angello, trabalhamos no palácio também e, por coincidência, conhecemos Mabel. Se nos permitir, prometemos ajudar sua filha a pagar o que quer que deve a Zen Harrington.
— Mas como fariam isso? São apenas criados no palácio e pelo que vejo, — Joseph analisou nossas vestes rapidamente. — têm tão pouco quanto nós.
— Não se preocupe quanto a isso. Como amigos, queremos apenas interceder por Mabel e por um outro amigo meu que foi preso pela Coroa injustamente... — abri um outro sorriso, tentando ser convincente. — Sei que podemos ajudá-la e por isso peço que nos ajudem a encontrar com ela o mais rápido possível.
Joseph trocou olhares com a esposa novamente, mas ao contrário de antes, a resposta não tardou e felizmente, veio de forma positiva:
— Amanhã bem cedo venho buscá-los. Estejam de pé antes do pôr do sol. — o artesão sorriu, estendendo a mão para nós.
— Estaremos. — apertei-a, confiante.
Quando enfim nos despedimos do casal, apoiei-me em meu cajado e fui andando até a porta de meu quarto o mais rápido que pude, mas ainda assim, ouvi o barulho das botas de Isaac me acompanhando sem muitas dificuldades.
— Boa noite. — desejou, parando às minhas costas.
— Boa noite. — respondi sem muitas delongas e adentrei o quarto rapidamente, sem sequer olhá-lo.
Por mais que eu não soubesse o motivo dele mentir para mim sobre a carta, sentia-me uma estúpida ignorante por não deixá-lo dizer, pois eu sabia que aquela briga era desnecessária.
No entanto, quando eu me lembrava de que precisava afastá-lo de uma forma ou de outra e me lembrava de suas palavras irreais naquela noite, a necessidade de continuar aquele distanciamento voltava com força.
Tudo o que eu precisava no momento era concentração, pois Athos precisava de mim. Eu prometi a ele e assim eu o faria.
✦✦
Era certo de que eu mal conseguiria pregar os olhos e assim foi dito e feito.
Fiquei pensando sobre tudo o que conversamos com Joseph e Caitlin. Eles também eram cidadãos injustiçados pela Coroa de um reino farto que era capaz de oferecer uma vida melhor ao seu povo, especialmente aos que viviam na Vila dos Ofícios e Litoral dos Piratas.
Eu os ajudaria de alguma forma. Eles eram iguais a mim, iguais ao meu povo.
Levantei-me da cama com a ajuda do cajado e olhei pela janela, constatando que o dia ainda não havia nascido. Estava na hora.
No salão, Mama, Bridget e algumas meninas estavam reunidas com alguns lampiões em mãos, despedindo-se de Caitlin e Isaac.
Terminei de descer as escadas e me aproximei de Delfine Targ. Ela logo percebeu minha presença e sorriu ternamente para mim, segurando minhas mãos.
— Tenha cuidado, menina. Estarei esperando pelo seu retorno.
— Obrigada, Mama. — apertei suas mãos também e sorri. — Não demoraremos.
Ela assentiu com um sorriso e eu soltei suas mãos, acenando para Bridget e algumas meninas um pouco mais distantes.
Juntei-me a Isaac, Caitlin e Joseph, que já nos aguardava em frente à Casa com uma carroça. Cumprimentei-o brevemente e logo o príncipe me ajudou a subir para que não demorássemos muito.
Por fim, tomamos rumo à Vila dos Ofícios. Todos estavam em silêncio, permanecendo daquela forma durante toda a viagem e eu agradeci por aquilo.
Tudo o que eu conseguia pensar era que faltavam pouco mais de um dia para que o prazo se esgotasse e Athos fosse julgado na manhã do dia seguinte.
E foi pensando em formas diferentes de como chegar até Ardaigh para salvá-lo que sequer senti o tempo passar. Quando enfim percebi, estávamos em frente ao casebre pertencente a Joseph e Caitlin.
Isaac me auxiliou a descer novamente e, no momento em que coloquei os pés no chão, a ansiedade tornou-se crescente em mim, seguida de uma agonia ainda pequena ao fundo somente por pensar no que Mabel diria a mim.
Logo que entramos no casebre de apenas três cômodos e pouca mobília, uma das portas internas se abriram e eu paralisei imediatamente.
— Papai, por onde esta...
Seu olhar recaiu em mim, interrompendo o que iria dizer. Ela revezava entre mim e Isaac, demonstrando toda a confusão e pânico se instalar em seu rosto.
— Saphira, Vossa Alteza? O-o que fazem aqui? — disse, erguendo as sobrancelhas em surpresa.
— Vossa Alteza? — a voz confusa de Joseph se fez presente atrás de nós e encarei Isaac, um pouco hesitante.
— Preciso conversar contigo, Joseph, e tenho certeza de que Saphira e Mabel precisam de espaço no momento. — O príncipe disse tranquilamente, guiando o casal para fora do casebre.
Agradeci por ele tomar as rédeas de um lado da situação, pois eu tinha de saber de Mabel absolutamente tudo, olho no olho. Permaneci em silêncio, esperando até que ela finalmente dissesse algo.
— O que faz aqui na Vila, Saphira? Não estava passando um tempo na casa dos Walsh? — disse, se contendo, mas ainda imóvel no mesmo lugar.
— Mabel, não finja que não sabe o que estou fazendo aqui na sua casa, depois de encontrar seu pais. — continuei a fitá-la um pouco mais tranquila, porém levando a sério o que vim fazer ali. — Apenas quero que me diga a verdade.
— Saphira, eu não sei do que...
— Mabel, pela milésima vez, — tornei a interrompê-la, forçando-me a estar pronta para o que quer que ela fosse dizer. — Eu sei que sua família deve altos impostos à Coroa e que estão sofrendo nas mãos daquele homem e, por isso, peço que me diga toda a verdade.
Mabel engole em seco e percebo que está travando uma luta interna dentro de si. Suas sobrancelhas se franzem e logo escuto um fungar baixinho, não demorando para que as lágrimas rolassem de seus olhos e suas palavras desabassem junto.
— A culpa é toda minha, Saphira! Tudo! — esfregou os olhos, limpando-os e jogou seu olhar sobre mim. — Eu fui fraca! Acreditei em tudo o que ele faria por mim e pela minha família!
— Ele? — perguntei, mesmo já sabendo da resposta.
— Zen Harrington. — Pronunciou o nome com raiva. — Ele se aproximou de mim logo que entrei no palácio como criada, descobrindo sobre a dívida de meus pais e se oferecendo para quitá-la completamente, caso eu realizasse algumas de suas tarefas por tempo determinado. Mas eu não conhecia o homem vil e calculista por trás de suas palavras manipuladoras. — Riu, sem humor.
— Pelos deuses, Mabel, que tarefas eram essas? — arregalei os olhos, temerosa.
— Eu roubei o mapa, Saphira! Roubei! — Gritou, exasperada. Seus olhos refletiam a decepção consigo mesma. — Zen sabia que meu pai é um dos artesãos mais requisitados do reino e, sendo o braço direito do rei, é evidente que ele saberia aonde o pai encomendaria o maldito papel.
Eu ri, desacreditada. Não poderia ser, eu havia cogitado aquilo, mas...
— Não me diga que...
— Sim, fui eu, a mulher de capuz com uma cesta de maçãs, quem roubou o mapa da oficina de meu pai e usou Athos como bode expiatório para os planos de Zen... — disse baixinho, cravando seu olhar cheio de culpa e pavor nos meus. As lágrimas caíam sem parar dos olhos castanhos avermelhados com pequenas sardas.
Levei as mãos à minha boca imediatamente. No fundo, eu já sabia do que havia acontecido logo que encontrei Caitlin e Joseph. Queria mesmo saber da própria Mabel a verdade, mas não sabia que doeria tanto.
Não importava como eu enxergasse Mabel e seus motivos, mas ela era tão responsável quanto Zen pela prisão de meu melhor amigo, mais um inocente nas mãos do homem mais detestável de Spéir.
— Eu não queria, Saphira, eu juro... — Mabel tentou se aproximar para segurar minhas mãos, mas eu desviei, ainda processando toda aquela história. — Zen me forçou. Disse que se eu não o fizesse, mandaria os guardas reais levarem meus pais e enforcá-los pela dívida longa com o reino. Eu tive medo e ainda tenho...
— Por que Athos? — tornei a fitá-la, absorta em um ódio descomunal por aquele homem.
Mabel me surpreendeu, chorando ainda mais, dando-me a certeza de que a história não acabaria por ali.
— Porque Zen descobriu seu envolvimento com o príncipe herdeiro e quer afetá-los.
Franzi as sobrancelhas em confusão. Por qual motivo ele nos afetaria? O que ele ganharia com isso?
— Afetar-nos?
— Sim, ele viu quando você e Sua Alteza regressaram ao palácio depois de passarem a noite em um baile e então utilizou Athos para ameaçá-la e persuadi-la a aceitar o casamento, pelo que percebo. Ele sabe que você faria de tudo para libertar seu amigo. — Suspirou e limpou os olhos novamente. — Desde que entrei em Ardaigh como criada, percebo que Zen e Sua Alteza não possuem uma boa relação. Ele deve estar lhe usando para afetar o irmão, mas não consigo imaginar o motivo.
Como ele sabia do baile? Eu e Isaac saímos pela noite, disfarçados. Não havia como alguém nos reconhecer. E quanto aos meus sentimentos? Eu não havia contado a ninguém, exceto Heilee, Fiore e...
Deuses.
Isso não pode estar acontecendo.
Ao perceber que eu havia entendido o que estava realmente pesando em sua consciência, Mabel se apressou tentar contato novamente.
— Saphira, perdoe-me! Por favor! Eu não queria, eu juro! Por favor! — agarrou meus ombros, fazendo-me olhá-la friamente.
— Éramos amigas, Mabel... como pôde? — uma lágrima solitária escorreu pelo meu rosto, enquanto eu a encarava, sentindo a dor da traição rasgar e ferir meu coração. — COMO PÔDE?!
— EU NÃO QUERIA, EU JURO! EU JURO! — suas mãos perderam a força gradativamente, fazendo-a cair aos meus pés em mais súplicas e mágoas. A vergonha era explícita em seu olhar. — Perdoe-me, perdoe-me, por Deus!
— Depois de tudo o que fiz por você... eu a tratava como amiga, nunca a tratei como uma mera criada... — desci meu olhar a ela novamente, magoada por tudo. — Eu confiei em você...
Zen era mesmo ardiloso, alguém com quem jamais se deve brincar. Seu jogo para sabe-se lá qual objetivo estava indo longe demais ao envolver pessoas inocentes, forçando-as a fazer algo que jamais fariam. Eu o faria pagar caro por aquilo.
Abaixei-me até a garota em meus pés e segurei seus braços, levantando-a. Seus olhos avermelhados vieram direto nos meus e diante de todo o seu arrependimento, eu já havia a perdoado, mas não poderia deixá-la retornar aquele palácio. Mesmo depois de tudo, eu precisava protegê-la daquele homem.
— Sei que tudo é culpa de Zen, mas preciso que concerte a sua parte, caso queira acertar contas comigo. — segurei em seus ombros, olhando fundo em seus olhos. Minha voz era calma, porém segura. — Vai depor à verdade em favor de Athos para o rei.
— Eu não posso! — Negou, tornando a ficar assustada novamente. — Zen vai me enforcar! Ele vai matar meus pais! Eu não posso!
— Acalme-se. — pedi, segurando seus ombros com mais força para fazê-la se concentrar em minhas palavras. — Prometa-me que vai depor. Eu e o príncipe a protegeremos de Zen. Eu prometo a você e aos seus pais. Nada vai acontecer com você ou sua família.
Um pouco relutante, Mabel aceitou e se acalmou um pouco. Afaguei seus cabelos castanhos, enquanto a abraçava. Sei que fui traída por ela, mas foi tudo por culpa de Zen Harrington. E ele teria o que merecia em breve.
✦✦
Após tudo se acalmar, contei a Isaac o que Mabel me dissera e ele concordou em ajudá-la. Conversei com Caitlin e Joseph, que também aceitaram nossa proposta para quitar a dívida com a Coroa depois de um tempo de insistência e percepção da complicada situação.
Muito agradecido por tudo, Joseph me entregou a safira e se sentiu envergonhado por roubá-la. Porém, eu não o julgava. Sei que em condições de sobrevivência, eu faria o mesmo para proteger minha família.
Despedi-me deles, tratando de encontrá-los com Mabel no Rumz pelo final da tarde para partirmos de volta à Ardaigh.
Isaac alugou uma outra carroça para nós e, enfim, tomamos rumo para o bordel da Mama. O caminho foi feito praticamente em silêncio, com exceção do início, quando combinamos de pegar nossos pertences e voltar ao Rumz para que, ainda hoje, regressássemos ao palácio.
Assim que chegamos à Casa, Mama e as meninas foram generosas, ajudando-nos a pegar nossas coisas e nos preparando uma pequena refeição para aguentarmos uma viagem direta até o Litoral dos Piratas.
Todas se reuniram no salão, próximo à entrada, para se despedirem de nós. Isaac foi breve em dar um aceno de mãos para todas e, de repente, meus olhos procuraram por Bridget, exatamente como os dele.
— Onde está Bridget? — disse, desfazendo o pequeno sorriso que tinha em seu rosto.
— Ela está em seu quarto desde cedo. Talvez não esteja se sentindo bem. — Uma das meninas disse, dando de ombros.
— Mesmo? Pois então digam-lhe que deixei lembranças. — sorriu, parecendo um pouco decepcionado por não poder vê-la.
E de certa forma, vi-me como ele. Gostaria de vê-la uma última vez para agradecê-la por tudo o que fez por mim, mesmo sem sequer me conhecer.
Por fim, Mama abraçou Isaac como uma mãe abraça seu filho e disse algo em seu ouvido, fazendo-o corar e sussurrar uma reclamação com ela. Contive um sorriso, rindo pela cena tão fraternal.
Quando se afastaram, o príncipe saiu da Casa, carregando algumas poucas coisas para colocar na carroça, e Mama veio em minha direção, segurando minhas mãos. Percebi que aquele era um costume carinhoso que tinha com quem gostava.
— Agradeço-lhe por nos acolher durante esses dias. Peço perdão por qualquer inconveniente que tenhamos feito qualquer uma de vocês passar. — devolvi um sorriso, apertando suas mãos da mesma forma.
— Pois saiba que pode vir quando quiser. Conte sempre conosco para qualquer coisa que precisar, menina. — disse, puxando-me para um abraço carinhoso e ao nos afastarmos, piscou com um olho para mim. — Não se esqueça de seguir seu coração, sim?
Alarguei meu sorriso para ela e assenti um pouco tímida. Delfine Targ era de fato uma mulher de olhos afiados.
Segui para fora com Mama e todas as outras meninas atrás de mim, observando-nos partir. Isaac me ajudou a subir na carroça e eu agradeci.
Assim que nos ajeitamos e o condutor ameaçou dar comando ao cavalo, uma cabeleira ruiva saiu da Casa com uma pequena mala velha em mãos.
— Esperem-me! Não podem ir sem mim! — gritou para nós, provocando um sorriso surpreso meu e de Isaac.
— Tem certeza de que vai, minha menina? — Mama perguntou, abraçando-a. Ela parecia já saber dos planos de Bridget partir conosco.
— Sim. — Respondeu firme, afastando-se do abraço. — Agradeço por tudo o que fez e tem feito por mim durantes esses anos, Mama. Jamais vou esquecê-la ou esquecer a qualquer uma das meninas aqui. Te amo.
— Não ouse esquecer mesmo, minha menina atrevida! — Mama depositou um beijo na testa de Bridget e seus olhos se encheram de água. — Vá viver sua vida. Esperarei por uma visita também. Te amo infinitamente!
As duas se abraçaram novamente e Bridget acenou para as outras, despedindo-se. Isaac a ajudou a subir e Bridget se sentou ao meu lado, enlaçando seu braço no meu. Sorri pelo gesto.
Diante de muitos olhos expectadores prestes a chorar, partimos da Casa-Flor de Delfine Targ, um lugar no qual eu nunca me esqueceria em um futuro próximo.
Por fim, seguimos a viagem um pouco mais animados, afinal, Bridget estava conosco e seu humor radiante sempre nos contagiava de uma forma impressionante. E por incrível que pareça, senti falta de estar bem com Isaac, conversando e o provocando com brincadeiras como estávamos tão acostumados.
Como uma forma de desabafar, contei a Bridget sobre a prisão de Athos e a traição de Mabel forçada por Zen Harrington. Empática como era, ela apoiou a mim e Isaac, oferecendo-nos qualquer tipo de ajuda que precisássemos para salvar meu amigo.
O restante do trajeto se seguiu normalmente, ora em repleto silêncio, ora em conversas animadas sobre as mais diversas amenidades. Aproveitei a oportunidade e contei a Bridget sobre Heilee e Hawkins e como ela os adoraria.
Quando chegamos no Rumz pela tarde, um sorriso espontâneo brotou em meus lábios ao voltar para casa novamente, mesmo sabendo que iria deixá-la por tempo indeterminado daqui a algumas pouquíssimas horas.
Isaac e Bridget me ajudaram a descer a carroça e bastou que eu me apoiasse no chão para que um furacão loiro saísse de dentro do bar com Hawkins em seu encalço.
— Saphira! Oh, deuses! Quanta saudade eu estava de você! — correu até mim, envolvendo-me em um de seus abraços de urso.
— Eu também estava com muitas saudades! — sorri ao me afastar e analisar seu rosto corado pelo sol litorâneo.
— Pensei que não voltaria mais. — Hawkins se aproximou, afagando minha cabeça. No entanto, como o bom pai que era, reparou no meu pé levemente suspenso. — O que se passou, Saphira?
— Apenas um acidente de última hora. Acho que consigo contar a história no pouco tempo que temos. — ri, arrancando risadas de todos também.
— Seja bem-vindo, Alteza. — Hawkins cumprimentou Isaac um pouco mais atrás de mim e seus olhos recaíram para Bridget. — E a senhorita?
— Sou Bridget, amiga de Isaac e Saphira. — estendeu a mão para Hawkins e depois para Heilee, que a receberam de bom grado.
— Bom, pelas suas expressões cansadas, vejo que tenho muito a ouvir tomando belas canecas de rum. Vamos entrando. — O grande Donovan brincou, guiando todos para dentro do Rumz.
O bar continuava da mesma forma que eu sempre me lembrava: grande e acolhedor. Sentia tanta falta dos dias tranquilos em que vivi aqui que agora só desejava poder sentir a energia de tudo o que acontecia no Rumz, na minha casa. Uma tristeza me batia só por pensar que teria de deixá-la outra vez.
Sentamos em uma das mesas redondas e logo Heilee veio aplacar nossa sede com uma grande, velha e boa garrafa de rum.
Eu e o príncipe passamos a situação toda para Hawkins e Heilee, que ficaram espantados ao saber tudo o que ocorreu e ainda mais com o envolvimento de Mabel. Como minha dama de companhia, minha melhor amiga nunca imaginaria que nossos movimentos seriam entregues de bandeja para Zen através de alguém que confiávamos.
Quando enfim tomamos uma decisão do que fazer, Isaac fora logo escrever uma carta para Liam dizendo que partiríamos para Ardaigh ao final da tarde. Não poderíamos demorar mais, o julgamento de Athos seria amanhã pela manhã e eu só esperava que chegássemos a tempo.
Enquanto esperávamos pela chegada de Mabel e seus pais, tomei a liberdade de conversar com Heilee na cozinha. Como era de se esperar, ela soltou mais um de seus gritos escandalosos que me deixariam surda futuramente ao saber do que houve entre mim e o príncipe.
— Você é sonsa?! — sussurrou indignada, parando de afogar as colheres de pau em uma bacia com água. — Está claro como o mar que o príncipe está apaixonado por você!
— De onde está tirando uma ideia como essa, Heilee? — ralhei, tão indignada como ela mesma, mas não tão certa de minhas palavras. — Ele talvez goste de Bridget, mas não quer admitir. O que teve comigo foi apenas um impulso masculino, ou seja lá do que os homens chamam isso.
— Mas como é teimosa... — Rolou os olhos, voltando a realizar sua tarefa. — Todos podem ver como se olham e ainda assim nenhum dos dois abre os olhos.
— Por acaso está o defendendo?
— Não estou. Ele fez errado em esconder a carta que lhe mandei, mas você sequer o deixou se explicar, Saphira. Está mais concentrada em afastá-lo de qualquer maneira do que em ser honesta com seus sentimentos.
Acho que pela primeira vez, Heilee me deixou irritada por dizer o que eu não queria ouvir.
— E quer que eu mande flores e confesse tudo o que sinto por ele? Ora, por favor, Heilee. Eu não quero ser uma tola utópica a esse ponto. — ri em um humor satírico.
— Não estou dizendo para ser honesta assim! — aumentou o tom de voz, irritando-se comigo também. — É evidente que não quero que ninguém a machuque. Porém, está sendo uma estúpida ao maltratá-lo para o ter bem longe de você só por não querer aceitar o que sente, sendo que sabe o quanto ele preza por sua amizade ao ponto de estar disposto a enfrentar o próprio pai para ajudá-la a salvar o nosso amigo!
Engoli em seco, sendo incapaz de rebatê-la. Eu sabia que Heilee tinha razão desde o início, mas meu orgulho era muito grande e meu coração pequeno demais para ceder a algo que me destruiria em breve.
No entanto, estava pensando em Isaac somente como homem, mas e como meu amigo? Sim, eu estava sendo uma estúpida por esse lado. Deveria sim ser mais grata por ele estar ao meu lado quando nem mesmo era obrigado.
— Eu sei que tem medo de amá-lo justamente por saber que possivelmente não ficarão juntos e que isso a devastará. — virou-se para mim, fixando seu olhar no meu. — Mas pode ser honesta no laço de amizade tão forte que ambos têm.
Assenti, um pouco envergonhada pelo que vim fazendo. Estando apaixonada ou não, sempre vou desejar o melhor para Isaac. Ele sempre esteve ao meu lado e nunca o deixaria sozinho também.
— Não precisa tomar uma decisão agora. Sei que essa sua cabecinha é deveras complicada e necessita de tempo. — sorriu, bagunçando meus cabelos. — Além do mais, o príncipe precisa ter o que merece por ter deixado a bela speriana sozinha, ocultando coisas importantes dela. — Apoiou as mãos na cintura em uma desaprovação teatral.
Abri um breve sorriso de suas ações. Não sei o que seria de mim sem Heilee Donovan para ajustar os parafusos a menos que haviam em minha cabeça.
Ficamos a conversar por mais algum tempo até que ouvimos uma comoção vinda do salão do Rumz. Mabel e seus pais haviam chegado.
Hawkins os recebeu de forma amável, como sempre era com todos, e os reuniu conosco para traçarmos o plano de salvar Athos, encurralar Zen e manipular a fúria do rei Van John.
Caitlin e Joseph ficariam sob a proteção de Hawkins até que o conflito se resolvesse e Mabel voltasse juntamente com Athos para o Litoral, onde a Família Real não poderia tentar nenhuma artimanha fácil para prejudicá-los.
Por fim, ao ponto de encerrarmos o plano e nos arrumarmos para partir, Mabel e Joseph nos surpreenderam mais uma vez.
— Vossa Alteza, tenho algo que possa lhe interessar e, por direito, prefiro que fique em sua posse. — Joseph disse, entregando um rolo de papel nas mãos de um Isaac confuso.
— O que é isto?
— Quando Zen pediu que eu pegasse o mapa do rei e fechasse a oficina de meu pai, ordenou também que ele fizesse uma cópia e o entregasse logo após o amigo de Saphira ser preso. — Mabel explicou. — Não sei o que contém no mapa e muito menos seus objetivos, mas meu pai achou conveniente fazer uma terceira cópia e entregar à Vossa Alteza.
— Pelo que ele fez à minha filha, à Lady Saphira e à Vossa Alteza, temo que seja importante estar um passo sempre à frente do Segundo Príncipe. — O pai completou.
— Agradeço-lhes por isso. — Isaac sorriu, pegando o mapa e o guardando em seu casaco.
Troquei alguns olhares com ele e fiquei pensando no conteúdo daquele mapa para que tanto Zen, como a Princesa de Lancaster os desejassem a todo custo.
Todos à mesa permaneceram interagindo, mas minha mente divagava em outro lugar enquanto esperávamos Jaqques Klemaant retornar com a carroça em que Isaac e eu viemos. De tudo eu só esperava que Athos estivesse bem e chegássemos a tempo de salvá-lo.
Por fim, logo pelo fim da tarde, o príncipe infante chegou ao Rumz e o nosso grupo, agora acrescido de Heilee e Mabel, pôde tomar rumo ao Palácio de Ardaigh.
✦✦
O dia já estava clareando e meu coração estava cada vez mais apertado. Passei a noite toda em claro vendo Heilee e Isaac revezarem para conduzir o único cavalo, que por sinal precisou descansar mais vezes do que na ida.
Não sabia bem se era a ansiedade, mas não sentia qualquer dor em meu tornozelo desde que cheguei ao Rumz. Somente movimentos muito bruscos provocavam fisgadas, mas nada muito intenso e doloroso como no início.
Soltei um suspiro quando enfim alcançamos o imenso portão com grandes maciças e os guardas anunciaram o príncipe, deixando-nos entrar. Isaac parou a carroça no jardim e a entregou aos criados.
Assim que descemos, percebemos uma movimentação incomum de guardas rumo a uma das laterais do palácio, onde eu suspeitava ser o campo de treinamento.
— Ei! — Isaac chamou um dos guardas que passavam em grupos de seis em frente à fachada principal. — Aonde estão indo?
— Para o campo de treinamento, Vossa Alteza. — disse firme, fazendo uma reverência ao príncipe. — Vossa Majestade quer assistir ao julgamento de hoje.
Ao ouvi-lo, minha raiva e desespero triplicaram. Apoiei-me em Heilee e corremos urgentemente na direção dos guardas.
Logo que alcançamos o campo de treinamento, meu coração enfraqueceu, ameaçando parar com a cena que se dava por ali.
Athos estava com uma corda laçada em seu pescoço ao lado de mais quatro homens. Seus olhos foscos se arregalaram ao me ver e eu quis desesperadamente chegar até ele, mesmo que precisasse lutar contra todos os guardas que o cercava.
— Sejam bem-vindos!
A voz imponente de Van John soou, levando-nos a encará-lo. Uma tenda com panos espalhafatosos estava estendida próxima ao palácio, de frente para a cena absurda armada por ninguém menos que Zen Harrington.
Ao lado do rei, estavam a rainha e o Terceiro Príncipe. E em pé, ao lado de seu progenitor, estava o homem que eu mais repudiava. Um sorriso triunfante moldava seus lábios enquanto ele levantava a taça com vinho em suas mãos em nossa direção.
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