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A vida após o dia "D"...

Florianópolis – a ilha da magia – tinha um hino bem bonitinho, que enaltecia as belezas do lugar, entre outras coisas, e dizia que a ilha era o lugar "da moça faceira, da velha rendeira tradicional, e da velha figueira"... Bem, não era mais. Agora era uma ilha deserta povoada por criaturas comedoras de gente. Olhando para o dia ensolarado e quente, lá fora, imaginei que, em outra existência, a cidade estaria lotada de turistas. E engarrafada até as pontes.

Agora eu e meu irmão tínhamos quarenta e duas praias só pra gente. Que ironia do destino, por causa da Mocbris e das ZP (zonas proibidas estabelecidas pelo Cláudio), eu era obrigada a me contentar com apenas uma. A praia em frente à Avenida Beira-mar, de acordo com ele, era o lugar mais seguro para se "veranear". O lado bom da invasão, se é que existe um lado bom (meu Deus!), é que não se produziu mais esgoto em parte alguma de Floripa, então, as águas que banhavam a Avenida Beira-mar tornaram-se limpas outra vez.

Limpas, frescas, e calmas... O que eu não daria agora por um mergulho!

Refiz o rabo de cavalo e me abanei. A tarde estava muito abafada. Voltei a olhar para fora da sede da PF. Um pedaço de mar verde contrastava com o céu muito azul e sem nuvens. Quem sabe teríamos tempo para tomar um banho de mar antes de voltarmos ao hotel. Meu irmão me disse que queria passar no shopping... Então, não sei se ele toparia dois programas na mesma tarde. Ele era muito rigoroso em se tratando de horários. Tinha de ser, aliás. Um segundo depois das cinco poderia significar a diferença entre viver ou morrer.

Mas eu queria tanto tomar um banho de mar...

Se Cláudio demorasse mais um pouco naquele computador, não daria tempo de fazer nada. Pensando nisso, espiei por sobre o seu ombro. Ele estava tão compenetrado no texto que aparecia no monitor, que fiquei curiosa. Estreitei os olhos a fim de ler o que tanto lhe chamava a atenção.

Uma peculiar conversa "internáutica" estava em andamento:

MATMOR@ Pessoal! Tao construindo 1 muro de contencao no Rio. Parece q em tdos continentes.

CLÁUDIOPX@ Eles quem?

MATMOR@ ONU, OTAN, NASA, CIA, FBI, GOVS do mundo inteiro. Ate a nossa Policia Federal ta envolvida. Viraram 1 coalizão. As Forcas Armadas estão treinando grupos especiais. Agora soldados vestem armaduras de tecido especial.

MATMOR@ Eu ja vi eles em acao. As armaduras meio q aparam os golpes das garras e da cauda das Cucas. Mas sao as armas de choque e os canhoes a laser q mantem elas longe, enqto o muro ta sendo construido.

CLÁUDIOPX@ Armas de choque matam?

MATMOR@ Não matam, mas derrubam. Ganham tempo. Canhoes desintegram.

DARTVADER324@ Eles taum dizendo que os sobreviventes de outras cidades devem ir p o Rio de Janeiro, antes q o muro seja finalizado, pq depois, naum vai dar +

DARTVADER324@ Eles vao lacrar tudo, depois vao isolar os mares tbem.

MATMOR@ Todo mundo sabe: Quem ficar de fora da contenção do Rio vai morrer. N tem como se esconder dos bichos por muito tempo. E a comida ta acabando... Vai ser assim em todos os continentes.

MATMOR@ A PF criou corredores seguros ao redor das capitais mas não deu certo. Os comboios foram atacados. Não dá pra chegar ao Rio usando as estradas sem ser caçado pelas Cucas.

RAIODESOL@ 75% da populacao mundial humana e animal extinta e contando... Estima-se q em cinco anos, o nº sera de 100%

CLÁUDIOPX@ Algma ideia de onde vieram esses bichos? Mutacao genetica? Arma biologica que nao deu certo?

TRIVIA_72@ Nao, elas vieram com as espaconaves.

CLÁUDIOPX@ Como assim? Ta de sacanagem comigo? Sao ET? $%#%

TRIVIA_72@ Lamento te contar os fatos da vida, cara. Eh pura verdade.

CLÁUDIOPX@ Tipo, terraformacao. Colonizacao. Invasao... Tipo, pra dominar o planeta?

DARTVADER324@ AFFFFF Tudo que é "ao", fio.

TRIVIA_72@ Eu conversei com o Dr Saul da NASA via radioamador do meu pai. Qdo o radio ainda funcionava. Ele me disse que as Cucas sao tipo caes de caça treinados p detectar e eliminar humanos p que os ET

TRIVIA_72@ possam colonizar nosso planeta. Eles vieram nas naves avistadas em setembro do ano passado - Bangladesh, NY, Pequim, e Montevideu.

RAIODESOL @ Deu no JN, nao eh? Alguém se lembra?

CLÁUDIOPX@ Eu me lembro... Achei q fosse besteira. Trambique da TV, teoria da conspiracao tipo as plantacoes de milho no interior de SC.

RAIODESOL@ Vc achava que era conspiracao? Eh bom vc acreditar.

CLÁUDIOPX@ Mas isso tudo nao ta provado. Ou ta?

TRIVIA_72@ Dr Saul disse q são vizinhos hostis morando em Jupiter. Decidiram q tah na hora de limpar a Terra Taum brincando de deuses.

DARTVADER324@ Eram os deuses astronautas kkkkkk Cade o Van Daniken qd a gente precisa dele?

MATMOR@ MORREU

CLÁUDIOPX@ E depois?

TRIVIA_72@ Depois eles recolhem os bichos, descem e explicam seus termos aos humanos q restarem. Aos sobreviventes. Aos futuros escravos.

MATMOR@ Ou não explicam nada. Simplesmente matam todo mundo e tomam conta do pedaco.

CLÁUDIOPX@ E o que os GOVS tao pensando em fazer a respeito?

DARTVADER324@ 1º, salvar o dinheiro, 2º, mandar misseis cm bombas nucleares p Jupiter.

TRIVIA_72@ Acertou em cheio, Dart! Vc ta antenado mesmo kkkkk

DARTVADER324@ Escutei 1 coisinha aki outra ali.

TRIVIA_72@ AFFFF

CLÁUDIOPX@ Cmo sempre, os Gov sao um bando de idiotas gananciosos. Vai ver eles acham q podem negociar com os ET.

DARTVADER324@ AMEM.

CLÁUDIOPX@ Os rádios e radioamadores estao funcionando?

TRIVIA_72@ Não mais. Determinaram silencio por causa das espaçonaves. Pra nao detectarem o q estamos falando nem o q estamos fazendo. Radio so funciona dentro da contencao.

TRIVIA_72@ Aqui fora eh tudo zona morta. Como se a gente já tivesse morto só q ainda nao soubesse disso.

TRIVIA_72@ Alguem tem noticias do MIRO10@?

MATMOR@ Ouvi dizer pelo TONYC@ ontem q o MIRO10@ foi morto.

DARTVADER324@ OMD! Ke lokura! Ke lokura! O MIRO10@ naum, cara! Ele era o mais esperto de todos nos. Estava viajando pra contenção.

TRIVIA_72@ Nao vamos pirar na batatinha, pessoas. Temos q sobreviver. A luta continua.

RAIODESOL@ # CLAURIOPX@ Eh verdade q vc andou observando as Cucas?

DARTVADER324@ Krk! Tu ta maluco cara! Vai ser morto!

MATMOR@ Elas vaum te comer.

CLÁUDIOPX@ # RAIODESOL@ Eu fiz algmas observacoes. Nao me notaram. A mana me chama de maluco por correr atras das "ratazanas gordas e jurassicas" mas

MATMOR@ Como eh q eh? Ratazanas gordas e jurassicas? KKKKKKKK

CLÁUDIOPX@ Ela não concorda com o uso do nome Cuca. Diz q eh uma profanacao das lendas brasileiras. Rsrsrs

MATMOR@ E vc? Acha q sao ratazanas gordas e jurassicas?

CLÁUDIOPX@ Eu acho parecidas com repteis Plus Size Kkkkk Voltando ao meu estudo de obs. Eu ficava imaginando cmo elas sobreviveram depois q acabaram com a população da ilha e

CLÁUDIOPX@ descobri q nao comem so humanos ou animais Elas comem folhas das arvores, plantas, ate grama, capim.

MATMOR@ Herbivoras? Sacanagem! Quer dizer que não são carnívoras legítimas? Olha que elas me enganaram bem, hein?

RAIODESOL@ Mas as Cucas ainda tem suprimento enorme de humanos p comer L

TRIVIA_72@ Vai ver elas so comem humanos como parte de 1 programa de extermínio pro qual foram treinadas pelos ET

MATMOR@ Lah vem vc com esse lance de ET... ET pra ca, ET pra la.

TRIVIA_72@ Brrrrrrr ETETETETETET

RAIODESOL@ De qq maneira acho q os ET nao vao deixar a gente viver. Somos 1 ameaça pra eles e pro nosso proprio planeta. Nosso estilo de vida eh 1 absurdo.

MATMOR@ Eh a TREVA! A gente somo a TREVA! LoL!

RAIODESOL@ Palhaco

MATMOR@ <3 Tu me amas q eu sei <3

CLÁUDIOPX@ Ei, pessoal, algum conselho?

MATMOR@ Como assim? Tipo vc qer um manual de como sobreviver a 1 apocalipse zumbi?

RAIODESOL@ Esquece o palhaco, Cláudio. Eu tenho um bom conselho p vc, sim. VA PARA O RIO.

MATMOR@ Mas e o Miro? Ele morreu.

CLÁUDIOPX@ Alguem ja conseguiu chegar la?

DARTVADER324@ Não q eu saiba L

CLÁUDIOPX@ Todos vcs taum vivendo perto uns dos outros?

RAIODESOL@ Curitiba.

TRIVIA_72@ Porto Alegre.

DARTVADER324@ Sampa. Eh + perto da contencao, mas nem por isso eh mais facil de chegar la. Acho que vou tentar fazer a viagem. Se me locomover de dia, vou ficar bem.

DARTVADER324@ Moro em BH. O problema eh minha mae com a perna quebrada. Vou ter q mexer nela e isso pode ser demorado e perigoso. Mas vou pensar em algma coisa.

RAIODESOL@ Estaremos torcendo por vcs. Por todos nos. Mesmo q a gente n consiga... Alguem tem q conseguir.

CLÁUDIOPX@ Tenho q desconectar. Muita coisa p resolver antes q escureça. Tah valendo a proxima Sexta 1200h?

RAIODESOL@ Claro A gente se veh na sexta

MATMOR@ Eh isso povo. Fik firme. U.U

-- CONEXÃO ENCERRADA --

-- ESTABELECER REDE DIAL-UP --

A conexão caiu. Novidade... Cláudio olhou pra mim. Não era incomum de acontecer. Bem, pelo que entendi, eles já tinham dito tudo o que precisavam dizer. Mais seria "encher linguiça", como minha mãe costumava dizer. Girei o dedo indicador num gesto para mostrar a ele que devia se apressar. Bufando, Cláudio começou a desconectar e enrolar os cabos.

-Não adianta bufar – eu avisei (tava ficando revoltada). - Você perde tempo demais aqui e veja o que consegue, nenhuma informação útil.

-Nenhuma informação útil? – ele interrompeu os movimentos para me encarar, incrédulo. - Sabemos o que o mundo está pensando e fazendo. Agora sabemos sobre a contenção.

-Contenção – eu é que bufei. – De que adianta? Não temos como chegar lá. Além do mais, quem garante que é segura?

Cláudio não disse nada, afinal, devia saber que eu estava certa. Mesmo assim, terminou de guardar os equipamentos com uma tromba "desse tamanho". Fiquei esperando na entrada, com o Duque ao meu lado. Meu estômago roncou alto. Olhei para fora, cada vez mais impaciente.

-Podemos ir! – ele anunciou, em tom seco.

-Ótimo! Quero tomar um banho de mar. – Olhei para o Duque. – E ele quer tomar sol. Não quer, Duque?

*************

Quando eu acompanhava Cláudio ao seu escritório improvisado, que ele apelidara de NORAD (homenagem ao filme Jogos de Guerra), a gente depois costumava passar pela praça de alimentação do Shopping. Não ficava muito longe dali. A ideia era fazer uma "boquinha"... Ou "bocona", se preferir, pois comida não faltava – estava em toda a parte, apodrecendo nas vitrinas dos balcões, nas cozinhas, e nos congeladores há muito tempo descongelados. Claro que a gente agora estava passando à base de comida enlatada, mas no começo da crise, foi só abundância.

Costumávamos comer tanto, mas tanto... Nem sei explicar porque comíamos como mamutes esfomeados. Talvez, porque a gente não tinha nada para fazer; ou porque comer parecia ser um antídoto contra a depressão... Ou, quem sabe, por causa do sentimento de desconforto perante tanto desperdício. Era de partir o coração, a comida estragando por toda parte. Tortas, bolos, massas, docinhos mofando nas padarias, confeitarias e cafés...

E o cheiro terrível que vinha dos açougues... Das peixarias!

A gente engordou um bocado, naquele período, mas depois emagreceu. Em se tratando de sobrevivência, não se pode dar ao luxo de relaxar.

Uma vez, vimos um gordinho correndo pela rua, como louco. O sol estava se pondo no horizonte e os guinchos das criaturas já se faziam ouvir por toda a cidade (tanto quanto os gritos dos sobreviventes sendo caçados).

Por alguma razão, ele cometeu o erro de ficar na rua após o entardecer. Ou, se a teoria de Cláudio estivesse correta, os grupos de sobreviventes andavam expulsando os mais fracos de seus esconderijos para que as criaturas os comessem no lugar dos mais fortes. Doentes, deficientes e idosos estariam servindo como "bois de piranha". Era algo terrível e desumano de se fazer. Eu disse ao meu irmão que se fosse verdade, acabaria com o pouco de fé que eu tinha na humanidade.

Cláudio encolheu os ombros.

-Auschwitz foi desumano. O coliseu de Roma foi desumano. Jogavam os cristãos aos leões. Seres humanos agindo contra outros seres humanos... Essa é a história. – Ele apanhou os binóculos de alta resolução para ver melhor a fuga do sobrevivente, lá embaixo. – Quer saber? Acho que o expulsaram. E acho que nenhum outro grupo quer aceitá-lo com medo de que, a essa altura, as Cucas já estejam rastreando o seu cheiro.

Vimos o rapaz tropeçar. Estava visivelmente exausto. Se estivesse em forma, teria conseguido ganhar alguns segundos preciosos. Teria conseguido saltar por sobre o muro que dividia duas propriedades - o muro que o deixou encurralado, lá em baixo.

-Vamos chamá-lo pra cá? – perguntei, ansiosa.

Cláudio me olhou de lado. Seu olhar disse tudo. Mocbris. É assim que elas encontram os esconderijos. Olhei para baixo, desesperada. Naquele instante, o rapaz virou para trás e gritou.

-Sinto muito – meu irmão murmurou, e fez sinal de silêncio, com o dedo indicador nos lábios. Não consegui desviar os olhos da cena. O gordinho tentou pular o muro outra vez. A boca da Cuca se fechou com um estalido em sua bunda, e o puxou para baixo.

Cláudio me tirou da janela.

-Não quero que veja isso.

**************

Apesar de seu rigor, em relação a Mocbris, Cláudio passou a se dedicar cada vez mais ao estudo das criaturas. Ele estava obcecado. Queria ir atrás delas, observá-las, anotar tudo e depois passar suas "descobertas científicas" para os demais internautas. Eu lhe dizia que era loucura o que estava fazendo. Ao invés de me ouvir, ele começou a sair escondido – de manhã cedo, pouco antes do nascer do sol, ou de madrugada, quando eu ainda estava dormindo. Ele esperava encontrar fraquezas que levassem à destruição delas. Certo de que, tão perto do amanhecer, as Cucas perderiam o seu rastro. Certo de que, por serem mais curtas, as noites de verão acabariam por favorecê-lo. Certo de que elas não poderiam alcançá-lo...

Brincando de roleta-russa.

Nada do que eu dissesse o demovia da ideia de que suas descobertas mirabolantes iriam ajudar a coalizão a lutar contra as criaturas da noite. Ele não entendia - ou não queria entender - que não importava o que arriscasse e fizesse, também deveria estar sendo arriscado e feito do lado de lá, da contenção. Se até canhões laser foram construídos, era por que eles tinham conhecimento e tecnologia para combatê-las. Além do mais, eles do lado de lá pareciam ter se esquecido da gente. (Os possíveis, embora improváveis, sobreviventes.) Não ouvi falar de nenhum plano para nos resgatar. Então, pra quê arriscar o pescoço por eles, se ninguém arriscava o pescoço pela gente?

Cláudio deveria se importar com a nossa sobrevivência. Só restamos nós dois. O cerco estava se fechando... Ele devia se concentrar nisso.

*************

A tragédia anunciada se confirmou numa noite particularmente abafada, no final do verão.

Acordei sobressaltada. Sentei, dobrei os joelhos e apoiei a cabeça nas mãos. Olhei para baixo, todos os cães estavam deitados em suas respectivas camas. Não se moveram, nem mesmo com os guinchos agudos que vinham lá de fora. Já estavam acostumados. Sabiam que nossas vidas dependiam da Lei Mocbris.

Fiquei tentada a me aconchegar outra vez junto aos lençóis, mas algo estava errado. Eu podia sentir. De repente, Duque se ergueu e veio encostar o focinho na minha perna. Ele lançou um olhar melancólico em direção à porta e ganiu baixinho.

-Shhh! – Alarmada, eu toquei o seu focinho. Ele ficou quieto, mas olhou fixo para a porta. Não pude ignorar o recado.

Cambaleante de sono, eu me levantei e andei até o corredor. Fiz um gesto para o Duque. Ele entendeu e voltou a se enrodilhar em sua cama... No entanto, manteve as orelhas erguidas.

Atravessei o corredor descalça, pé ante pé, sentindo o piso frio e agradável a cada passo. Eu podia ver a silhueta das portas vagamente iluminadas pelo luar, que atravessava as janelas panorâmicas. Segurei a maçaneta da porta ao lado da minha e girei bem devagar. Como eu tinha suspeitado, o quarto estava vazio. Cláudio estava lá fora, na rua, flertando com o perigo. De novo. Das outras vezes, ele se safou... Por isso, passou a achar que sempre conseguiria. Um viciado em adrenalina, acho eu, que só se sente completo quando exposto ao perigo da morte.

Ouvi uma sucessão de guinchos anormais. Estavam mais próximos do que deveriam. Meu coração acelerou. Meus músculos imediatamente se retesaram. Alguém estava sendo caçado.

Deus!

Deixei para trás o bom senso, a Mocbris, os sapatos e tudo o mais. Descalça, e usando apenas camiseta e shorts, desci as escadas de dois em dois degraus. Cheguei ao térreo, toda suada. Espiei o trecho da Beira-mar pela porta de vidro, lá em baixo, às escuras. Hesitei por um segundo, então saí e parei na calçada, em frente ao hotel.

Tudo silencioso. Tudo quieto. Senti o cheiro de maresia e o som suave do mar... No horizonte, uma linha cor de rosa muito fina insinuava a aurora. De repente, divisei um ponto de luz tremendo e balançando no meio da avenida... Como faria uma lanterna acesa na mão de alguém correndo na escuridão... Lanterna acesa? Cláudio ficou maluco de vez? Ou será que, nessa altura do campeonato, brilho e movimento não fariam a menor diferença? Mas isso só se... Só se elas estivessem rastreando o seu cheiro.

Disparei pela calçada. A dor irradiando pelas solas dos meus pés descalços a cada impacto contra as pedras do calçamento. Projetei o corpo como um míssil na rua em declive. Estava ciente do fato de que, a partir daquele momento, eu também me expunha ao perigo.

Os guinchos se tornaram cada vez mais altos. Estremeci ao me dar conta de que estava correndo ladeira abaixo direto para as Cucas. No instante em que pisei na Avenida Beira-Mar, eu me deparei com três delas. Foi a visão mais próxima que tive, desde que fugimos no blindado. (Já fazia um ano e quatro meses desde então.)

Elas estavam de costas para mim, inclinadas sobre um corpo. A cabeça loira e sem vida do meu irmão balançava enquanto elas enfiavam os focinhos ensanguentados em seu tórax, sem dó nem piedade. Todos aqueles sons molhados de mastigação. Tapei os ouvidos, mas de nada adiantou. Vi os olhos sem vida de Cláudio. Pareciam olhar direto para mim. A lanterna dele rolou pela calçada. Retrocedi alguns passos até me esconder atrás da parede de um prédio residencial. Apertei as mãos contra a boca, para não gritar. Eu mal sentia as minhas pernas.

O fato de saber que aquelas criaturas, a qualquer momento, poderiam farejar a minha presença, foi um poderoso estímulo para fazer com que eu me mexesse. Eu comecei a correr de volta pela ladeira. Só parei quando alcancei o hotel. Passei as palmas das mãos pelo rosto, percebendo que estava molhado. Eu estava chorando sem perceber.

Meu coração batia descompassado. Eu quis me deixar cair na calçada, mas um guincho anunciou a morte galopando ladeira acima atrás de mim. Num átimo, percebi que elas estavam rastreando o meu cheiro. Em desespero, corri para dentro do hotel, sabendo que não poderia subir as escadas. Elas me seguiriam. Então, atravessei o lobby e o restaurante rumo à área externa de fitness. Lá ficava o deque e a piscina com água parada pra lá de um ano. Subi no deque, e deslizei pela borda da piscina nojenta com roupa e tudo, tentando não espalhar muita água. Agarrei-me à escada, tomei fôlego e mergulhei.

Não demorou um segundo e vi surgir uma sombra na superfície da água turva, contornando o deque bem devagar, como quem espreita o ambiente. Claro que ela tinha perdido o meu cheiro no instante em que eu afundei naquela água fétida. Ela sabia que o rastro terminava ali, e ficou desorientada, provavelmente pensando no que fazer a seguir. Onde procurar? Seus olhos não eram bons, mas seu faro e seu "radar" eram excelentes.

Meu coração se apertou me fazendo perder o fôlego. Eu tratei de me concentrar. Tinha que ficar fria ou acabaria morta, como o meu irmão. Deduzi que se eu permanecesse completamente imóvel sob a água, a criatura não me notaria. Por isso, esperei segundos angustiantes, até que ela levantou a cabeça como se estivesse escutando alguma coisa ao longe. Então, sem mais nem menos, foi embora.

Foi mesmo embora? Meu fôlego se esgotou e os meus pulmões começaram a arder. Mesmo assim, permaneci agarrada à escada da piscina com medo de que o monstro ainda estivesse por perto. Até que não deu mais. Meus dedos instintivamente se abriram em torno dos canos e eu impulsionei o corpo para cima. Emergi respirando aos borbotões, com o cheiro da água podre intensificado pelo mormaço noturno.

Vasculhei a área com olhos frenéticos. As espreguiçadeiras imundas, os guarda-sóis rasgados tremulando ao sabor do ventinho sul que começava a soprar... Eu pisquei os olhos tentando focalizar o corredor escuro, mais a frente, por trás das vidraças que conduziam ao restaurante do hotel. Nada. Nenhum movimento suspeito.

Agarrei as alças da escada com força, içando-me para fora. Senti como se meu corpo pesasse uma tonelada; os membros tão entorpecidos que, por um instante, duvidei que fosse conseguir. Deixei-me cair sobre a espreguiçadeira mais próxima. Olhei para as estrelas silenciosas, sabendo que eu precisava sair dali. Imediatamente. Mas eu estava exausta e sem forças.

Flashes da morte de meu irmão espocaram em minha mente, deixando-me paralisada; como quem assiste a um filme de terror dentro da própria cabeça. Percebi que estava prestes a desmoronar. Eu, que nunca desmaiei na vida... Não podia deixar isso acontecer agora. Levantei com esforço e fui cambaleando para dentro da área fitness. Deixei um rastro de água suja atrás de mim.

De repente, bati o tornozelo numa máquina de exercício. A dor me trouxe a raiva e a raiva me deu forças para localizar o vestiário. Será que os chuveiros ainda funcionavam? Será que ainda tinham água? O que eu não daria por um banho quente. Apesar do calor, eu estava tremendo de frio. Abri o registro e, claro, não saiu nada além de um fio de ferrugem. As lágrimas saltaram dos meus olhos e eu me dobrei para frente, apoiando os braços na parede de azulejos. Não sei quanto tempo fiquei assim... Até que novos guinchos obrigaram me obrigaram a arrastar o corpo para fora dali. Com a cabeça latejando e o nariz escorrendo, eu iniciei a lenta e penosa subida para o décimo andar.

Oito meses depois, as lembranças daquela noite se tornariam nebulosas... Acho que, em alguma parte do trajeto, eu arranquei as roupas encharcadas e fui para o quarto. Os cães se agitaram. Eu sussurrei para que ficassem quietos, e me joguei na cama... Para só acordar horas depois – quando o sol estava a pino.

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Agora, se tiverem um pouquinho de paciência, poderão conhecer a inspiração para as cucas... kkkk

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