Capítulo 2 - Entre as Nuvens
A paz tentara habitar aquele corpo, sem nenhum sucesso. Ansioso, o rapaz tateava as vestes escuras que escolhera para ir ao local marcado. Mais cedo, vasculhando o amontoado de roupas espalhadas no grande armário empoeirado, encontrara aquele terno — grande demais para o seu corpo — e conferiu-lhe alguns toques de vermelho, com um lenço de bolso e uma faixa no colarinho.
Mesmo que fosse improvável, talvez alguém compreendesse a sua real intenção de parecer-se com um vampiro. Todavia, o mais verosímil era que o confundissem com algum tipo de presidente de um cerimonial fúnebre.
— É — disse ele, olhando seu reflexo no espelho —, acho que serve.
Infelizmente, não havia conseguido folga no emprego, o que o deixara com pouquíssimo tempo para se preparar. O espírito de Halloween não aplacara seu chefe sovina.
Kaleo deu um beijo na mãe, que estava sentada na sala, tricotando uma peça azulada. O televisor aceso nem as paredes entretinha.
— Volta tarde? — perguntou, com os óculos na ponta do nariz e as pupilas na parte superior dos olhos.
— Tudo depende dela. — Ele sorriu confiante.
— Dela?
— Uma pessoa que conheci. Uma pessoa, não! — Ergueu os olhos para o teto. — Um anjo.
— Os anjos não andam pela terra neste dia — ela zombou, arrancando um riso nasalado do filho. — Vai sozinho?
— Não. Luca vai comigo. A senhora sabe... — Ele sacudiu a cabeça para os lados. — Para o caso de tudo dar muito errado.
— Cuide-se. O céu é meio longe — retrocou, em tom de galhofa.
Kaleo espreitou o relógio, já passavam vinte minutos das onze. Não demorou a deixar a residência e correr porta afora.
O rapaz suspirou aliviado ao ver o amigo já pronto no portão de casa. Sem abrandar o ritmo apressado, Kal puxou-o sem anunciar-se. O loiro quase deixou cair o celular com o susto.
— Está louco?
— Venha, é por aqui. Vamos! Estou atrasado.
Luca sorriu matreiro, começando a suspeitar da existência de uma mulher por detrás do entusiasmo do amigo. Ele aquiesceu, e deixou ser-se guiado.
Um bando de crianças fantasiadas surgia, aqui e acolá, mas nenhuma delas parecia ter acabado de sair de algum parque. As faces pintadas entristecidas encaravam os baldes vazios. A coleta de doces já estava fraca e os estômagos pareciam clamar por mais.
— Ei — Luca segurou em seu braço —, aquela não é a Cassandra?
O loiro sorriu animado, apontando discretamente para o outro lado da rua, onde uma moça ruiva, com sardas nas faces rosadas, caminhava.
Kal percebeu pelo olhar embevecido do amigo que a "ruiva sedutora" do dia anterior era a Cassandra, uma antiga colega de escola dos dois e um primeiro amor, não correspondido, de Luca. Ele, afinal, continuava batendo na mesma tecla.
— Não temos tempo, por favor...
O garçom olhou inquieto para o relógio. Tudo parecia conspirar contra o seu tão sonhado encontro do paraíso.
— Vai na frente. — Luca não retirava os olhos da garota. — Eu encontro você lá.
— Sabe onde é?
— Acho uma tarefa muito difícil encontrar um parque de Halloween — o amigo ironizou.
Kaleo meneou a cabeça, mas sem conseguir culpar o amigo. Ele também tinha deixado levar-se pelo feitiço de uma bela mulher. O rapaz deu um leve toque no ombro de Luca e desejou-lhe sorte, antes de o abandonar, esperando que fosse possível os dois serem abençoados naquela noite.
Assim que o relógio marcou exatas 23:45, Kaleo viu-se iluminado pelas luzes que gritavam do parque. O letreiro do Souls' Park tremeluzia de uma maneira estranha, quase hipnótica.
— Hey. — A voz melodiosa arrepiou-o. — Você chegou.
A moça trazia um vestido negro, totalmente antagónico ao da noite anterior. A maquiagem do rosto era marcada num vermelho vivo, tornando a sua beleza mais sombria. Ela não poderia estar mais distante da imagem de um anjo, mas Kal recusava-se a ver o óbvio.
O rapaz sentiu o frio da mão dela envolver a sua e o coração falhou uma batida. Ele era puxado para o túnel assustador e imaginava-se arrastado para um céu ensolarado com um esplendoroso arco-íris.
O palhaço tragou-os aos dois, sem que fossem deixados vestígios para trás.
— Onde estão as crianças?
As diversões chiavam vazias com a passagem do vento. As luzes piscavam inúteis, quase magoando os olhos. Para uma estrutura majestosa como aquela, ele imaginara centenas de pessoas caracterizadas e pequenas criaturas pedindo gostosuras.
— Ôh, Kaleo. — Ele ficou confuso, já que ainda não havia dito o seu nome. — Não temos crianças, aqui.
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