Capitulo Quatro - Creeping
Boa leitura, gasparzinhos .x
~o~
- Mãe.
Ela abaixou o livro, os óculos aumentam seus olhos. Está de camisola deitada na cama, a porta do quarto de frente para ela. Meu pai está lá embaixo onde eu assisti TV com ele, mas resolvi subir. Somos apenas nós três. Eu tenho uma irmã, mas ela mora no campus da universidade. É outra que sabe da minha sexualidade e não houve problemas. Eu não cheguei a dizer para ela, mas acho que minha mãe sim.
- Se lembra do meu piano? Ou melhor, o teclado?
- Sim. Uma obsessão sua desde pequeno, como posso esquecer? – ela cruzou os braços em cima da barriga, segurando o livro aberto em uma delas.
- Pode consertar ele? Ou comprar um novo? – pedi sem enrolação.
Ela fez cara de pensativa, entortando a boca num biquinho de um lado para o outro.
- Mãe? – suspendi as sobrancelhas.
- Hmmmmm.
- Mãe!
Ela riu e fez sinal para eu me aproximar. Soltei o ar pela boca, mas fui arrastando os pés até me lançar na cama, deitando do seu lado. Ela pegou meu rosto e me deu um beijo na testa, deixando o livro aberto na barriga.
- Claro, Harry – disse por fim e eu dei o maior sorrisão. – Eu ia fazer isso, mas esqueci e você também não me lembrou.
- É, eu sei – continuei sorrindo e coloquei meus braços ao redor dela. – Eu também não lembrava.
- Por que isso de repente, então? Se cansou de socializar?
- Encontrei uma sala de música na escola – contei a verdade depois de rir, mas não como encontrei e o que tem lá além dos instrumentos. – Tem um piano de cauda lindo.
- E você pode tocar nele?
- Digamos que sim – escondi o fato de que ainda vai ser inaugurada porque ela poder mandar que eu pare de ir, apesar de que não iria parar mesmo assim.
- Certo, agora me deixa terminar esse livro – deu um tapinha nas minhas costas.
Eu me arrastei para fora da cama e olhei para ela com um ultimo sorriso em agradecimento antes de sair do quarto.
Desde hoje de tarde ao falar um pouco mais com Louis sobre os valentões e depois de me despedir, fiquei pensando no piano de lá. Em como ainda precisava pedir para minha mãe que consertasse o meu.
Desci outra vez para pegar minha mochila que sempre deixo em cima do sofá. Meu pai olhou na minha direção rapidamente, dando um sorriso e voltando a atenção para um jogo de futebol de um time desconhecido. Ao menos para mim. Balancei a cabeça, rindo baixinho.
- Que foi, Harry? – escutou e eu ri mais, subindo as escadas sem responder.
Fui para a última porta a direita do corredor: meu quarto. O melhor lugar da casa, ganha até da cozinha. Como passo o dia na escola, a maior parte do tempo em casa eu fico no meu quarto. Vez ou outra me sento por uns 15 minutos com meu pai na sala, só para passar um tempo com ele. Hoje minha mãe está lendo, mas costuma estar na cozinha, ou se juntar conosco na sala.
Coloquei minha mochila em cima da escrivaninha branca embutida na parede. Eu tinha tomado banho e trocado de roupa já, agora só preciso fazer os deveres e estudar porque mesmo sendo o segundo dia de aula, começa atarefado. Igual no primeiro e segundo ano.
Fui ao banheiro do quarto ajeitar meu cabelo que está mais seco, olhando pelo espelho. Depois de sorrir para o meu reflexo e checar mais uma vez se a marca vermelha tinha desvanecido do pescoço, voltei para o quarto e me sentei de frente para a escrivaninha. Tirei o que preciso da mochila e comecei a fazer alguns deveres. Li algumas coisas, mas depois de uma hora me senti cansado. É exaustivo ficar numa escola de manhã e de tarde. Eu estava quase dormindo com o rosto apoiado na mão quando minha mãe deu um berro dizendo que o jantar está pronto. Pisquei, balancei a cabeça e franzi as sobrancelhas.
Desci para jantar, conversei com meus pais e os lembrei do piano outra vez antes de subir para o quarto, ajeitar a mochila e me jogar na cama. Eu estou com medo do que pode acontecer amanhã. É ruim não me sentir mais seguro na minha própria escola e a única coisa com que posso contar nem mesmo existe.
Espero que se algo acontecer, Louis apareça como disse que faria. Seria divertido ver os idiotas se assustando.
Dormi imaginando vários cenários do Conor, Jimmy e Russell gritando como garotinhas e finalmente me deixando em paz. Quando acordei no outro dia, simplesmente continuei na cama por mais uns cinco minutos igual sempre faço quando retorno a frequentar a escola e desliguei o despertador barulhento do celular.
Ao chegar à escola, após todo o processo matinal em casa, encontrei Liam e Karen perto da entrada. Aproximei- me deles com um pequeno sorriso e quando estava perto o suficiente, Liam notou.
- E aí, Harry! – levantou a mão e bati para cumprimentar. – Tudo bem?
Respondi com a cabeça e dei um "oi" para Karen que retribuiu igualmente. Quando os meninos têm namoradas, eu não falo muito com elas. Além do mais, é só nas horas da entrada e saída que ficam com elas, ou quando saem em um encontro. No intervalo é só nosso grupo e elas sabem disso. Ontem foi exceção pelo Zayn.
Umas amigas da Karen se aproximaram e essa foi a escapatória do Liam comigo. Nós andamos em busca do Niall, ou Zayn, ambos chegam mais atrasados, principalmente Zayn.
- Ontem foi legal na sorveteria, você deveria ter ido – Liam comentou.
Ah, a oferta que eu tinha recusado. Se eu tivesse ido, talvez nada daquilo tivesse acontecido, mas aí também não falaria com Louis uma segunda vez. De qualquer forma, eu ia acabar o visitando porque mesmo que não fosse ontem, os valentões iam me pegar sozinho alguma hora para fazer bullying. De repente, parei, lembrando a sensação de não querer ir mais com Liam para a sorveteria, ou fazer outra coisa.
Liam parou de andar também e me olhou em duvida. Será que eu queria falar com Louis inconscientemente, o bullying acontecendo ou não? Eu devo ter usado isso como um motivo maior. Será que estou ficando muito curioso? Bem, acho que é normal. Qualquer pessoa na minha situação teria enlouquecido contando para todo mundo, ou ficaria quieta e tentaria se aproximar para entender mais. Acho que estou fazendo a segunda opção porque realmente não quero ser visto como louco. Mas aquelas pessoas que são sensatas, só ficariam quietas e se afastariam.
- Harry?
Pisquei e olhei para Liam.
- Você anda muito estranho – me analisou. – Foi o que aconteceu no banheiro? Isso ainda te afeta?
Balancei a cabeça em negação, veementemente.
- Não, Liam. Não tem nada a ver com isso, já estou bem – assegurei. – Só estou pensando em outras coisas, tipo... Piano – inventei porque é em parte verdade recentemente.
- Piano? – repetiu e voltamos a andar. – Faz tempo que você não toca, nem menciona o piano.
- Exato, pedi para minha mãe consertar o lá de casa.
- Liam, Harry! – Zayn chamou e nos viramos para vê-lo correndo até a gente.
Ele parou na nossa frente.
- E aí, Zayn. Chegou cedo hoje.
- Culpa do Niall – Zayn parece irritado, se enfiando no nosso meio e colocando os braços ao redor dos nossos ombros. – Ele fez "mamãe mandou" em quem acordar de nós três para avisar que não vem para a escola hoje por causa da mãe e eu fui o sortudo da vez – ironizou.
- O que aconteceu com a Maura? – Liam quis saber.
- Eu não te contei? – estranhei, tendo quase certeza que falei ontem.
- Você só disse que era problema familiar – recordou.
Zayn foi nos guiando para dentro do edifício, o sinal vai tocar.
- Ela caiu da escada e deu jeito nas costas, precisa do Niall por mais hoje. Amanhã ele vem – Zayn respondeu a pergunta anterior de Liam.
Nossos armários são em lados opostos. Pegamos as coisas e quando nos juntamos em um ponto para ir para as salas, o sinal tocou.
- Droga – resmunguei e eles escutaram.
- Que foi? – indagaram ao mesmo tempo.
- Vou ficar sozinho outra vez.
- Conversa com a Casey – Zayn sugeriu.
A Casey senta no meio da sala, eu e Niall gostamos de sentar no fundão, ou no canto encostados na parede. Só o Niall, na verdade, para ficar zoando a aula inteira e acabei me acostumando a sentar perto dele. Se tiver lugar, talvez eu sente perto da Casey, mas nem é necessário. Amanhã Niall volta, só mais um dia não tem problema.
Zayn e Liam foram para a sala que compartilham e eu fui para a minha.
Chegou a hora do almoço e não vi Russell, ou Jimmy em lugar algum. Só o Conor. Eu e os meninos almoçamos na cantina e fomos para nossa arvore. Amanhã é quinta-feira. Liam disse que os treinos de futebol já vão começar. Zayn até agora não tinha falado com Casey de novo, eles não se viram ainda para ter oportunidade.
Durante a aula ela me deu um "oi" antes de iniciar, mas foi isso. O intervalo acabou, tive mais aulas. Quando acabaram, coloquei e tirei coisas do meu armário. Fiquei temeroso, olhando para os lados, mas ninguém apareceu. Assim fui para casa, estranhando, mas não reclamando.
Jimmy e Russell ficaram sumidos o dia inteiro. Estou feliz de nada ter acontecido, mas uma parte de mim queria que ocorresse algo para poder ver o Louis em ação assustando eles. Confesso que pensei em ir ver a sala de musica outra vez, mas no fim não teria motivo.
Cheguei em casa e fiz a rotina de sempre. Mamãe me falou que levou o piano para consertar e iria buscar sexta- feira. Parece que hoje foi um dia bom.
No outro dia, Niall veio para a escola e está com a roupa do time na mochila. Ele e Liam não param de falar empolgados sobre isso após discorrer um pouco sobre o estado da mãe. Zayn encontrou com Casey. Conversei com Niall quando me chamava durante as aulas, mas o professor de matemática nos chamou atenção. É como se as coisas estivessem voltando a ser como eram e eu pensei menos em Louis.
- Intervalo! – Niall comemorou. – Ah, coisa linda essa palavra.
- A palavra, ou o fato de que você pode comer e ficar livre das aulas? – brinquei, suspendendo a sobrancelha.
- Você me conhece, Harry – deu uma piscadela.
Dei de ombros e nos encontramos com os outros na cantina. Almoçamos e ao terminar, fomos para o lado de fora.
- Olha que lindo – Niall correu para a grade do campo. – Essa belezura é minha daqui a pouco.
- O jogo é depois das aulas, não é? – perguntei para Liam já que Niall está ocupado tagarelando sozinho sobre o campo.
- Yup – Liam me olhou com um sorrisinho.
Eu conheço essa expressão.
- O que está pensando, Payne? – ri.
- Você vai olhar os jogadores como sempre, não é? Seu safado – puxou minha cabeça para debaixo do braço e bagunçou meu cabelo.
Livrei-me dele enquanto Zayn ria da cena.
- Poxa, Liam – reclamei, ajeitando o cabelo.
- Harry, posso te fazer uma pergunta? – Zayn me olhou de forma sincera e eu fiquei curioso.
- Claro.
Niall finalmente se aproximou e sentamos perto da arvore. Olhamos Casey sentada sozinha no banco como da outra vez, escutando musica e com um livro na mão. Zayn sorriu e a entendemos que ele vai falar com ela depois daqui. Sorrimos em aprovação.
- Você já desejou nossas bananas? – questionou na maior cara lavada, fazendo Niall gargalhar tanto que um cuspe voou no rosto de Liam.
- Eca, Niall! – ele se limpou e isso nos fez rir mais.
Zayn e suas perguntas idiotas. Eu dei um chute na canela dele. Meus amigos sabem a resposta disso, são como irmãos. E eu sei que é palhaçada deles, sempre me lembrando de que posso me sentir confortável em suas presenças porque se sentem da mesma forma. Eu agradeci mentalmente.
Jogamos mais papo fora antes de retornarmos para as salas.
Quando as aulas acabaram, Liam e Niall desceram para o vestiário do campo. Zayn se dirigiu para as arquibancadas para assistir o treinamento. Eu estou no meu armário me livrando logo dessa tarefa e quando estava quase chegando às portas de trás que dão acesso ao campo de futebol, fui lançado ao chão.
Olhei atordoado em busca do que aconteceu e encontrei os três valentões. Claro. Eu me sinto seguro porque sei que Louis vai aparecer, mas lembrei de que não precisou fazer isso ontem e eu tinha dito perto dos armários, não aqui. Então, Louis nem deve estar preparado, ou mesmo nesse local.
- Aposto que pensou ter se livrado da gente – Russell sorriu maldosamente.
- Na verdade, sim – levantei do chão e limpei as mãos na calça. – Caramba, vocês não podem parar e fazer outra coisa? É perda de tempo até para vocês.
- Eu não acho – Jimmy discordou com os braços cruzados. – Estamos fazendo um favor para a escola por ter pessoas do seu tipo aqui.
- E é divertido seu olhar de medo e choro – Conor acrescentou, me ridicularizando ao "imitar" como eu ajo exageradamente.
- Patético – é o que consegui dizer já que é o que tudo isso soa para mim. – Me deixem em paz e eu farei o mesmo. É só fingir que o outro não existe.
Propus e eles ficaram calados me observando. Se não tinham o que dizer, nem eu tenho. Por isso tratei de voltar a andar e ir ver meus amigos treinando. Um deles me pegou pelo braço com força, puxando bruscamente e impedindo que eu os desse as costas. Fiquei cara a cara com Conor.
- Onde pensa que vai, viadinho? Assistir os caras jogando e ficar com o pau duro? – seu tom se tornou agressivo na ultima parte.
Fechei os olhos e balancei a cabeça. Por que diabos quem tem preconceito com minha sexualidade sempre acha que somos mais sujos que eles? Que eu saiba, todo homem tem ereção não importa o que o atrai. Foda- se se eu gosto da mesma coisa que tenho. Isso não me torna doente, ou frustrado sexualmente.
- Me larga – falei firmemente, o encarando sem receio.
- Você não vai passar por aquelas portas se não quiser apanhar – Conor ameaçou.
Eu ia responder que posso fazer o que quiser mesmo sabendo do risco de levar um soco logo após, mas um barulho tirou a atenção de nós quatro, nos fazendo sobressaltar. As duas portas se fecharam com força sendo que não tem nenhuma corrente de ar. Conor olhou para os companheiros em confusão e depois voltou a focar em mim. Ele ia dizer algo, mas escutamos outro som estranho.
Eu conheço essa voz.
É um sussurro perto do ouvido de Conor que me largou no mesmo instante e olhou para os lados com os olhos arregalados. Os outros meninos também escutaram sendo com clareza, ou não. Eu me segurei para não rir. Não acredito que Louis está aqui! Parece que não conseguem entender o que diz, mas eu entendo que está tirando sarro deles.
E como se não fosse o bastante, a perna de Conor foi puxada, o fazendo cair no chão sozinho para quem não souber que é o Louis. Isso foi o suficiente para eles gritarem e saírem correndo, falando um bando de xingamentos.
Quando estavam longe, comecei a gargalhar. Louis se materializou na minha frente, sorrindo.
- Cara, isso foi incrível! Demais! – elogiei com minha barriga doendo de rir. – Acho que vão voltar a mijar na cama.
Louis deu de ombros.
- Eles não se acham mais homens que nós? Então, pronto.
Continuei sorrindo e fiquei curioso.
- Como você sabia? – me referi a ele ter aparecido no lugar certo.
- Não sabia, fiz como ontem.
Percebi que é muito estranho falar com Louis fora da sala de musica. Ele está em pé numa distancia razoável como toda pessoa que conversa comigo, o que é mais próximo do que já o permiti chegar sem me preocupar. Eu fiquei um pouco inseguro quando notei isso. Não é mais nem por medo, mas é que não sei como reagir de tão perto porque parece tão real... Parece carne e pele, apesar da leve diferença dos tons.
Tenho medo de toca-lo e descobrir o que acontece, mas ao mesmo tempo gostaria de tentar.
- E o que você fez?
- Quando o sinal tocou de tarde avisando o fim das aulas, esperei uns cinco minutos e desci. Eu vi você saindo de perto do armário e nada dos imbecis – ele passou para o meu outro lado e eu virei o corpo para acompanha-lo com os olhos. – Mesmo assim te segui até que saísse da escola, só para o caso de aparecerem em outro lugar como fizeram hoje – ele abriu a porta dupla.
Dá para olhar o campo de longe e os jogadores estão aquecendo com Michael conversando com dois deles. Outras pessoas sentam nas arquibancadas para assistir amigos, ou admirar. Eu debati se me aproximo ou não, mas Louis acabou de me ajudar e ainda nem o agradeci, acho que o mínimo que posso fazer é me chegar perto sem medo.
Parei ao lado dele e fiquei olhando para o campo, depois observei seu olhar tristonho. Enruguei a testa, mas recordei que Louis falou algo sobre jogar futebol com os amigos antes de o acidente acontecer.
- Você gosta de futebol? – perguntei com a voz baixa, respeitando o momento dele.
- Muito – admitiu. – Sinto falta... Eu era um cara que vivia aprontando e se divertindo, mas agora já não posso fazer mais nada disso porque alguém pode olhar coisas flutuando e ficar louco – riu, mas seus olhos permaneciam distantes. – Não quero enlouquecer ninguém.
- Você quase me enlouqueceu.
Ele olhou para mim e sorriu.
- Sinto muito, Curly.
Curly? Isso é um apelido para mim?
- Um apelido? – questionei em voz alta.
- Não exatamente. – ele voltou o olhar para o campo. – Talvez aqueles idiotas te deixem em paz e se não deixarem, posso dar uma lição neles de novo até desistirem.
Cruzei os braços e olhei para o campo também. Arregalei os olhos quando Zayn levantou na arquibancada lá de longe e acenou para mim. Olhei para Louis do meu lado.
- Ele pode te ver?
- Acho que não – ele inclinou a cabeça levemente.
Fiquei aliviado de certa forma. Zayn está apenas me chamando para se juntar a ele. Acenei de volta, o fazendo estranhar eu estar aqui parado. Acho que não dá para ver minha boca mexendo, ou o fato de conversar com Louis porque iria achar que estou falando sozinho.
Michael tocou o apito e o treinamento iniciou. Louis ainda olha para os jogadores correndo de um lado para o outro com a bola nos pés. Ele sorri, mas o olhar está vago. Eu gostaria de poder fazer algo como agradecimento. Pensei um pouco e tive uma ideia simples que se topasse, podemos tentar.
- Hey, Louis.
Passei pelas portas e fiquei de frente para ele. Eu sou mais alto. Comecei a sorrir, como não percebi isso antes? Louis suspendeu uma sobrancelha e cruzou os braços.
- Que foi?
- Você é baixinho.
- Você está querendo ser assombrado enquanto dorme? – se irritou. – Porque eu posso fazer isso com prazer!
- Não, não. – neguei com a cabeça, balançando as mãos na minha frente. – Não sejamos radicais.
- Você começou, fala logo o que ia dizer! – ele ficou realmente irritado e não me senti mal, nem um pouco. Achei engraçado e adorável. – Ou ia dizer só essa besteira?
- Não – ri e ele me repreendeu com o olhar, então tive de me segurar. – Você quer jogar bola?
Ele me olhou em suspeita. Olhou por cima do meu ombro, provavelmente para o campo e de volta para mim. Descruzou os braços e a testa enrugada se suavizou.
- Quero.
- Quando eles saírem de campo e forem embora, podemos jogar por uns minutos – sorri gentilmente. – O que acha?
Louis parece inseguro. É claro que quer dizer sim de uma vez, mas não se permite. Talvez tudo seja tão novo para ele quanto é para mim, afinal até dias atrás nenhum humano conseguia vê-lo, muito menos conversar, ou jogar bola.
- Tudo bem, Louis – sustentei seu olhar firmemente para provar. – Acho que nunca vou me acostumar com isso, mas eu aceito.
- É diferente – deu um passo para trás. – E se alguém olhar?
- Não vai ter ninguém, vai ser rápido – tentei assegurar. – Eu só quero te retribuir por mais cedo.
Ele ponderou por mais uns segundos, mas finalmente concordou com um sorriso. Combinei que me encontrasse no campo quando todos saírem. Corri o caminho até a arquibancada para me juntar a Zayn. Tirei a mochila das minhas costas e coloquei perto da gente. Ele me perguntou o que eu tanto fazia na porta e apenas ri, fazendo pouco caso.
- Quem está vencendo? – falei empolgado.
- É um treino, Harry – Zayn bufou em tédio.
Eu ri e ele acabou rindo também. Ainda não posso tirar a imagem do Conor e dos outros idiotas correndo com medo do Louis. Aquilo foi impagável e estou me coçando para contar ao Zayn, ou qualquer um deles, mas sei que não dá. Olhei para a porta ao longe e não vi nenhum garoto de camisa branca e calça preta com suspensórios.
Não deve estar materializado, ou seja lá como se chama.
O treino terminou quarenta minutos depois. Niall fala animadamente com o pessoal do time e Liam se aproximou de nós todo suado.
- E aí, rapazes – bateu em nossas mãos e se sentou exausto do outro lado de Zayn.
- Bom jogo. Ou seria bom treino? – olhei para Zayn.
- Bom treino.
Niall se afastou dos amigos de time, mas parou para chamar Liam e nos dar "tchau". Eu e Zayn retribuímos e Liam se despediu, correndo até Niall para ir ao vestiário. Nós saímos com os poucos alunos que restam. Conversamos durante o trajeto e Zayn disse para irmos para casa juntos. Tem um ponto onde nos separamos por caminhos diferentes, mas dispensei já que tenho outro compromisso com certo fantasma/espirito.
Quando Zayn sumiu de vista, corri de volta para o campo. Duas garotas estão acabando de sair. Olhei ao redor e parece livre. Michael está levando as bolas dentro de uma rede, mas apoiou- as na parede para ir ao banheiro aqui perto. Esqueci esse detalhe. Tenho que pegar uma bola antes de ele guardar.
Eu corri o mais rápido que consegui para alcançar a rede do outro lado, mas quando cheguei, Michael estava saindo do banheiro e me olhou com curiosidade.
- Harry?
- Oi, treinador Michael – sorri sem graça, sou péssimo com esses tipos de situações.
- O que houve, filho?
- Nada, eu só... Estou esperando os meninos – inventei.
- Liam e Niall? – ele retirou o boné para coçar o topo da cabeça e eu afirmei. – Tudo bem, tomem cuidado.
Ele pegou a rede com as bolas e saiu. Ah, não. Fiquei mais frustrado com isso do que pensei, imagina o Louis. Onde será que ele está? Voltei para o campo e olhei ao redor. Aposto que viu o que aconteceu e simplesmente voltou para a sala de musica. Ótimo, nem agradecer eu consigo. Abaixei a cabeça, suspirando. Hora de ir para casa.
Andei para a saída do campo.
- Ei! – escutei uma exclamação indignada.
Virei-me no mesmo instante, reconhecendo a voz aguda. Louis está no meio do campo com um olhar irritado e... Uma bola embaixo do braço!
- Onde pensa que vai? Achei que íamos jogar – fez bico.
Eu abri um sorriso e fiz uma corrida rápida até ele.
- Você pegou a bola.
- Claro, eu penso em tudo – se gabou. – Você é uma decepção e ainda ia desistir.
- Não tinha mais como pegar! – me defendi.
- Você tem que aprender as vantagens de ter um amigo como eu – colocou a bola no chão e pisou em cima com as mãos nos quadris.
Ele disse... Amigo? O olhei sem expressão e ele suspendeu uma sobrancelha. O pior que nem posso perguntar, ou pedir para repetir porque se Louis realmente disse isso e acha que somos amigos, eu nunca pensei na possibilidade. Mesmo com as coisas que aconteceram, faz mal três dias ao todo que nos falamos. Eu não sei se posso o considerar um amigo... Eu não sei se posso ser amigo de alguém que nem existe.
Que tipo de amizade seria essa?
Preferi não pensar no assunto e deixar passar.
- Vamos jogar – optei por fim.
Eu me afastei e fui para a trave. Louis chutou as bolas e eu não consegui pegar nenhuma. Sou péssimo como goleiro, ou simplesmente no futebol em geral e pelo visto ele é muito bom. Só lança as bolas em ângulos estratégicos e ainda fica fazendo truques com bola no pé e cabeça. Sorri levemente vendo a cena, espero que esteja aproveitando. Ele não deixa de esboçar o sorriso do rosto que tanto me admira.
Louis tem motivos de ficar triste o tempo todo, mas é fácil fazê-lo feliz.
- Hey, Louis – chamei e ele parou a bola no chão, interrompendo uma embaixadinha. – Fica invisível e brinca com a bola para eu ver como é para as pessoas que não te veem.
Louis sorriu e assentiu. Pisquei e no próximo segundo, ele tinha sumido. A bola parada no chão subiu e desceu exatamente como nos movimentos da embaixadinha. Senti um calafrio, às vezes me vem esse choque de realidade, mas agora é um deslumbre. É incrível, se pensar bem. A bola parou e Louis se fez visível novamente.
- O que achou? – riu e eu apenas sorri em resposta. – Sai desse gol, Harold. Você é um péssimo goleiro. Tenta jogar comigo.
Curly e agora Harold. Louis é realmente alguém muito palhaço para um espirito e atrevido. Fiz careta de qualquer forma, meu nome é só Harry ao contrario do que podem pensar. Louis percebeu e se limitou a rir com um sorriso sapeca nos lábios. Já vi que serei mais chamado dessa forma. Eu mereço.
Saí do gol e Louis lançou a bola para mim. Eu peguei e chutei de volta para ele. É legal, mas ao longo dos minutos nos afastamos mais e Louis chutou umas boladas fortes que nunca consigo pegar. Tenho que correr para buscar enquanto ele ri.
- Você é péssimo! – ele disse quando jogou uma bola de mais perto e com menos força, mas mesmo assim não peguei.
- Eu disse que iriamos jogar e não que eu sabia – chutei a bola de proposito para fora do campo e olhei para ele com um sorriso debochado.
- Que droga, Harry! – Louis ficou invisível e arregalei os olhos.
Olhei para onde a bola está pensando que ele ia buscar, mas nada aconteceu. Ah, não.
- Louis? – senti um incomodo crescer dentro de mim.
Eu sinto medo quando ele some.
Fiquei girando, esperando que aparecesse atrás de mim, ou na minha frente, mas não apareceu. Olhei para a bola outra vez. Com passos vacilantes e olhando para os lados em alerta, eu caminhei até a bola. Parei e a peguei na mão. Fiquei olhando para o objeto redondo. Cadê ele?
- Boo!
Sua voz assoprou no meu ouvido e além do arrepio na minha nuca, soltei um grito. Dei um pulo e lancei a bola para o alto. Escutei a risada do Louis que se materializou outra vez. Ele se moveu para pegar a bola e continuou rindo de mim enquanto me recuperava do susto.
- Não faz isso! – falei com raiva.
Ele parou de rir.
- Não tem graça, Louis! Você não sabe o quanto isso ainda é assustador para mim! – berrei realmente enfurecido com sua atitude.
Louis escondeu o rosto, mas pude ver seus olhos entristecendo. Fechei meus olhos, respirei fundo pela boca e soltei pelo nariz. Passei a mão pela franja e voltei a olha-lo. A cabeça abaixada como uma criança que tivesse desrespeitado os pais.
- Desculpa – soei grosseiro, mas honesto.
Ele levantou a cabeça e sorriu fraco.
- Desculpa também, Harry.
Não teve como não revirar os olhos e sorrir um pouco com a forma que reagiu. O céu está quase totalmente escuro e os postes das ruas ao longe ligados.
- Louis, eu preciso ir – avisei.
- Oh – ele olhou para o céu também. – Como escurece rápido.
Sorri e fui para a arquibancada pegar minha mochila que deixei lá. Coloquei nas costas e me virei, encontrando Louis no mesmo lugar, fazendo embaixadinhas. Mordi o lábio inferior e ao soltar, gritei:
- Louis!
Ele parou e olhou para mim.
- Vou nessa! – gritei de novo para que escutasse.
Está escuro e longe, não sei bem se sorriu, mas gritou de volta:
- Obrigado!
Talvez não seja tão ruim conhece-lo. Talvez, a pior parte é tomar uns sustos aqui e ali.
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