PRENÚNCIOS DE MORTE
"...Meu coração é negro
e meus lábios são frios
Cidades em chamas
com rock and roll
Três mil guitarras,
elas parecem gritar
Minhas orelhas vão derreter
e também meus olhos
Oh, deixe a garota,
deixe aquela garota,
rock and roll
As cidades
estão em chamas agora,
com rock and roll..."
- Cities On Flame With Rock And Roll -
BLUE ÖYSTER CULT
Quando Joana decidiu o que fazer naquela Sexta Feira eu já estava preparado, pois, os dias que antecederam os acontecimentos que irei narrar vinham rastejantes e frios desde o mês de Março.
Eram avisos, prenúncios de Morte.
O dia caiu como uma luva: 13 de Abril, uma Sexta Feira. O ano era 1985. As horas? Bom, pra dizer a verdade minha memória é, digo-lhe isso com extremo orgulho, mais eficaz que a de um elefante: aconteceu às dezessete da tarde
O céu refletia um vermelho vivo que escorria do crepúsculo fúnebre no horizonte do céu maranhense.
Lembro que os guarás voavam naquele emaranhado perfeito de penas carmesim, deixando as nuvens ainda mais sangrentas.
Abaixo daquele céu, deslizando pela Rodovia 7 2 4, vinha o fusca de Joana. O rádio grunhia algo que só mais tarde reconheci como sendo a música "Barracuda" da banda Heart.
O rock rasgava as entranhas da rodovia, ribombava no ar e perfurava os tímpanos da bela mulher atrás do volante.
Joana tinha um hematoma sob a maquiagem... na verdade, tinha vários hematomas. Os lábios sangravam, o nariz quebrado derramava sangue e secreção. Lágrimas inundavam os olhos e parte dos dentes pareciam imersos numa gengiva necrosada.
Ainda assim a considerei uma das mulheres mais lindas que já tinha visto.
A Rodovia se estendeu como um tapete vermelho diante dela.
O milharal vibrava. Parecia sussurrar blasfêmias aos incautos.
Aquele lugar ainda hoje é amaldiçoado.
Enfim, o fusca permaneceu numa rota em linha reta por dezesseis quilômetros sem encontrar com nenhum outro veículo, até que guinou para a direita e invadiu o milharal.
Espigas, mato, terra e até um espantalho foram de encontro ao capô.
O motivo dos fins que justificam os meios nunca serão relevantes, o fato é que em ocasiões assim sou um mal necessário.
O fusca parou depois de trinta minutos furando o bloqueio do milharal.
Joana girou a chave na ignição e o motor ronronou até se desligar por completo.
A deusa ferida deslizou para fora do carro e já de pé esticou o braço direito até que a mão alcançasse o botão de volume do toca fitas.
A música aumentou e pude ouvir sobre alguém que desejava comprar uma escada para o Paraíso.
Joana limpou o sangue da boca com as costas das mãos e afundou metade do corpo dentro do carro.
Vasculhou o banco traseiro do veículo e quando emergiu de lá trouxe uma pá.
A mulher bateu a porta do motorista e hesitou por um breve momento antes de caminhar até a traseira do fusca.
Ela empunhou a pá e bateu com a parte metalica da ferramenta na tranca já desgastada pela ferrugem.
Bateu uma... duas... três.
Quatro vezes.
A porta se abriu num salto e o que estava lá dentro gritou...
...na verdade... aquilo guinchou!
Os vidros do carro viraram cacos.
O metal da pá entortou.
Os pneus do fusca estouraram.
Os dedos da mão esquerda de Joana se dobraram até quebrar.
Os ouvidos derramaram sangue.
A cicatriz abaixo do umbigo da dama de ferro reviveu as dores da cirurgia.
A visão do olho direito se apagou como a chama de uma lamparina ao sabor do vento.
Joana urrou de dor.
Lágrimas escorreram de seus olhos cor de esmeralda e um dos dentes incisivos estourou a raiz.
A mulher gritou ensandecida.
Reuniu as últimas forças e usou a pá na Coisa.
As faixas que a envolviam se ensoparam com algo pastoso, horrível. Fedorento.
Joana se afastou do veículo enquanto a coisa grunhia seu nome, chamava-a daquilo que ela nunca desejou ser e isso a enfureceu ainda mais.
A bela mulher afundou o corpo no fusca pela última vez e quando retornou à superfície daquele pesadelo trouxe consigo um galão com 3 litros de gasolina.
A mulher enxarcou o veículo e antes que a náusea a dominasse...
...acendeu um fósforo.
Foi quando a minha vez de agir finalmente chegou.
Assoprei (não com força mas com um jeito eficaz e profissional) na direção do fogo...
E Boom!
Joana se tornou uma tocha.
O fusca a acompanhou na penitência e também se acendeu.
A luz que a explosão emitiu lembrou-me de quando assisti o Big Bang que trouxe junto todos esses sacos de ossos e carne.
Joana uivou angustiada.
A coisa no carro também.
As labaredas roeram a tinta, o ferro, a carne, a gordura e por fim, o milharal.
Assisti a tudo com minha foice refletindo cada fagulha que o fogo vomitava.
Ali eu já sabia que meus serviços na Rodovia 7 2 4 estavam apenas começando.
Almas precisam ser ceifadas. Eu nunca descanso. Nunca farei isso.
Não como a Rodovia 724 que se deita e se arrasta até o horizonte, aceitando a tudo e a todos que a ela procuram.
TOTAL DE PALAVRAS: 860
TABELA: VERÃO
PALAVRA/TEMA: CREPÚSCULO
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro