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BOTAS PRETAS

"Mestre das marionetes,
eu controlo suas cordas
Retorcendo sua mente
e esmagando seus sonhos
Cego por mim, você não vê nada
Apenas chame meu nome,
pois eu ouvirei seu grito
Mestre
Mestre
Apenas chame meu nome,
pois eu ouvirei seu grito
Mestre
Mestre..."

- Master of Puppets -
METALLICA


A Rua Treze escorre do bairro Tibiri e desagua bem no meio da Vila São Luís, ao norte da Rodovia 7 2 4. Aqui as casas com telhas de zinco salpicam a paisagem e margeiam a estradinha isenta de asfalto para formar uma encruzilhada perfeita com as Ruas Linoge e Labirinto, digna dos bons pactos Mefistofélicos.

Adiante temos a quitanda do Seu Vaguinho, um lugar tão podre quanto um puteiro de quinta. É aqui, num lugar entregue às moscas e fedendo a cachaça que João Neto chega correndo.

O garoto solta um chiado, os olhos brilham como brasas e as mãos envoltas num casulo de carne gotejam sangue; as unhas cravam na pele, cortam a palma de leve. O menino cai de joelhos e assim fica. Ao menos até Vaguinho o trazer de volta.

— Oh muleque! De novo com essa merda?! Levanta daí agora, vai morrer pra lá!

— ...gãaa... arhgg... bãaaa...

— Vam-bor-aaa seu doido de... mer-daaa! Levanta!

As convulsões do garoto atraem olhares curiosos, mas nenhuma ajuda. Talvez por já ser a reprise de toda semana ou por...

— Desc... desc-ulpe seu Vaguinho, é que essa... é a última da coleção.

— E por que diabos tu não compra logo e cai fora? Toda vez tem que tá com essa frescura? Se batendo no chão, babando... Parece coisa de viado! E esses olhos que ficam amarelados? Isso é coisa do Demônio, porra!

— Desculpe... é que esqueci de tomar a pílula hoje e...

— Quero saber não muleque de merda! Cai for...

— Mas... mas... é que falta pouco pra completar o álbum e requisitar o pôster! É muito imp...

— Não passa de uma bobagem moleque. Só isso. Por causa de você tou pensando em parar de vender esses pusters.

— É "pôsteres".

— Heim?!

— Nada... Então, vim apenas comprar dois pacotes de figurinhas.

— Passe pra cá os mangos.

— Ah sim... pronto. Dois e cinquenta.

— Hoje são três reais muleque.

— Como?!

— Além de gayzinho é surdo?

— Mas sempre comprei por...

— Tu disse que é muito importante terminar essa bosta de puster né?

— Pôs... deixa pra lá. Taí o resto, seu Vaguinho.

— Muito bem. Toma os pacotes. Espero que venham repetidas seu otário. Agora, cai fora!

[...]

O caminho de volta foi pavimentado com alegria e um misto de angústia.

Os centavos gastos iriam fazer falta na padaria, assim como os bolinhos de tapioca que ganhava da atendente. Mas a alegria de completar o album da Copa de 98 era algo incalculável.

Foram dias economizando; roçou terrenos baldios, fez fretes na feira carregando as sacolas das madames, ajudava o Seu Dico na banquinha de balas e até vendeu chiclete no semáforo, fez outras coisas de que não se orgulhava com o filho da Dona Nancir também, mas isso não deixou de lhe render uns trocados. Tudo pra completar as fotos de seus ídolos, os grandes astros da seleção canarinho e seus rivais eternos.

Bruno seguiu o trajeto entretido na felicidade e não se deu conta de pegar o caminho errado. As ruas ficaram vazias, as pedras viraram barro vermelho e o matagal substituiu as calçadas. Quando se deu conta, era tarde demais.

— Ei, garoto!

Bruno estancou os movimentos de súbito. Olhou para o lado em choque e quase retomou as convulsões quando percebeu de onde vinha a voz.
O ronronar do motor soando calmo. A lataria preta fundindo-se à sombra que arrastava na estradinha que não era a de sua casa. As peças cromadas, tanto as maçanetas como o para-choque, refletiam a luz do sol. Bruno não sabe, mas aquilo é um Opala. O carro dos pesadelos de qualquer criança.

— Carinha, tou perdido nesse bairro. Qual o nome dessa rua... amiguinho?

João Neto travou. As palavras se formavam na mente, mas recusavam-se a sair. A goela fez um nó pra só então lubrificar o esôfago com saliva. Um misto de imagens de crianças desaparecidas rodopiou diante de seus olhos. Aquelas crianças nos jornais das sete e das nove. Os pais chorando em reportagens no Aqui Agora com aquele repórter da voz de trovão. Gil... Alguma coisa...

— Você é mudo, moleque? 

Os olhos do estranho eram pedras vermelhas e as veias que entupiam o pescoço saltavam como se fossem explodir. E então mais uma vez ele repetiu a pergunta com aquela palavra que os adultos pareciam adorar pronunciar ao falar com garotos de oito anos: "moleque". Bruno odiou o estranho por isso.

— Minha mãe disse pra não falar com estranhos...

O vidro da janela, antes bloqueando parte da visão do garoto, desceu por completo e ele pôde ver mais dois vultos. Os cabelos loiros como quando a mãe usava água oxigenada. As sobrancelhas arqueadas como as modelos que via nas revistas que o irmão escondia sob o colchão e um deles ostentava ainda unhas com esmalte vermelho. Coisa de vagabunda, como a avó falava. Mas, pobre do inocente João. Aquilo não era esmalte.

O motorista acendeu um cigarro.

O sujeito tragou a fumaça e a expeliu pelo canto da boca. A névoa cinza subiu serpenteando ao som de um zumbido fino até encontrar o teto coberto de ferrugem.

Os olhos do motorista agora eram como um braseiro, as mãos ossudas gesticularam no ar e afastaram os gases do Mistral. Ele sorriu quando olhou as horas no relógio de pulso.

— Sua mãe sabe dos riscos... Então, tou procurando o Lixão da Ribeira... fica onde?

O menino sentia o medo cavoucar o coração enquanto de dentro do veículo o motorista o analisava. Ele adorava a delicadeza da infância. A inocência nos olhos de suas vítimas era o que mais excitava. Além é claro de quando soltavam o último suspiro antes de a garganta se abrir num corte fundo e molhado.

— E então? Vai falar não?

— Não sei e tenho raiva de quem sabe. -disse João, no automático. Numa ousadia nunca antes revelada.

— Como é que é seu merdinha?

— Tu é surdo? Minha vó diz que homem que passa pó na cara não é homem... E quem tira sobrancelha também não é! — berrou o garoto fitando um dos passageiros no banco de trás. Um sorriso malicioso abriu no rosto de João e a coragem inflou seu peito. Ele deve ter lembrado de algum herói da infância. Talvez o Batman ou até mesmo o próprio Kriptoniano. Quem sabe até algum atacante da seleção canarinho. O fato é que ele foi corajoso. Talvez até desafiasse Seu Vaguinho quando retornasse com o álbum entupido de figurinhas. Talvez.

Mas, às vezes corajem é sinônimo de burrice.

As portas se abriram e quem saiu do carro não era nada bondoso.

Os abomináveis ocupantes do Opala preto calçavam botas pretas como o jornalista havia dito, os cabelos eram de um amarelo-esbranquiçado como alguns supostos sobreviventes juravam ser e eram mesmo um trio que viajava num opala como a professora Gertrudes havia dito.

Porém, os homens que saíram do Opala não eram homens. A humanidade os havia deixado há muito tempo.

Os dois passageiros eram magros ao ponto dos ossos destacarem sob a pele protuberâncias pontiagudas. O rosto dos dois era envelhecido, num aspecto chupado, cadavérico. No abdômen de um deles havia uma cratera que dava de ver do outro lado a cerca que limitava a Fazenda Eugouça. A jaqueta de couro dele estava coberta de sangue e numa das pernas havia um osso rasgando a carne perto do joelho, um ferimento da cor das unhas do sujeito.

No do outro espectro havia lábios que eram retalhos de carne e deixavam os dentes expostos num sorriso ameaçador. As bochechas estavam carcomidas e mostravam a glote balançando como um balão com gás hélio. A saliva escorria devagar como num cão raivoso, o peito estava esfolado e raspado até as costelas. O coração estava reinando frouxo numa cratera cheia de insetos.

O menino, coitado, apenas bateu os dentes um no outro. O corpo gelado, sem vontade de viver. E quando o motorista finalmente saiu, o mundo se tornou algo impossível de habitar.

O estranho deslizou a mão pelos cabelos e olhou para o céu, depois para o menino ousado. Apagou o cigarro na língua roxa que colocou vinte centímetros para fora da boca e sorriu. Puxou o isqueiro do bolso e trouxe com ele partes de algo que o menino ousou acreditar serem linguiças podres. Mas ambos sabemos se tratar de intestinos... Não é? O motorista acendeu o isqueiro e protegeu a chama até ela fazer seu papel. A nicotina entrou nos pulmões mortos e saíram pelos furos abaixo do queixo; soltavam assobios como se ali houvesse uma flauta doce. Havia ainda um corte em "Y" com pontos de costura tomados por pus que viajavam de perto do esôfago até o umbigo.

— Sabe o que farei quando te pegar? Cortarei seu pintinho com minha faca de serra especial! — rosnou o motorista. É minha marca registrada.

Quando um dos passageiros virou e caminhou até o porta-malas João Neto deu a impressão de que havia me notado. Eu, flutuando sob o barro cor de sangue; a camisa do Korn desbotada e sangrando sobre meus ossos, a foice saindo de minha boca como a língua do motorista espectral saiu da dele.

Eu sorri e acenei.

João Neto correu.

Mas não foi longe.

As convulsões. Elas voltaram e não estavam pra brincadeira.

Ele caiu.

O Trio Que Vêm do Outro Lado o pegou. A Gangue da Bota Preta fez mais uma vítima.

Quando os repórteres e a polícia encontraram o que sobrou de João Neto, não havia nem o que sepultar. Era como se o miserável tivesse sido jogado no liquidificador. O que a gangue não destroçou e devorou os urubus do Lixão da Ribeira se encarregaram de levar para lá. Até a alma do garoto foi dificil de recuperar daqueles infernais que estão por aí, nesse momento.

Talvez até descendo a avenida e chegando aí... Na sua rua.

TOTAL DE PALAVRAS: 1688

TABELA: VERÃO

PALAVRA/TEMA: AVENIDA

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