III - Não existe controle
ɪsʟᴀ
Desde o dia da sorveteria, eu tentava me ofuscar entre meus colegas de trabalho e visitantes para que Haru não me notasse tanto. A todo custo, calei a vontade que tinha de passar horas conversando com ele de novo naquela praça.
Porém, eu persistia procurando por suas orbes de buraco negro sem perceber. Mesmo eu dando razão ao meu desespero, já estava afetada pela presença de Haru, sendo impossível não sentir que estava agindo como uma tola ao me afastar pelo medo de uma bendita chuva de meteoros.
Não importava se meu lado astrônoma dizia que não passaria de um evento natural, científico e totalmente explicável racionalmente, eu ainda tinha medo das "estrelas que caem" me levarem a alguém e eu me machucasse novamente.
E eu sentia que doeria mais do que das outras vezes se a pessoa a me machucar fosse Haru. Eu não suportaria se até nosso contato no trabalho fosse perturbado.
— Hoje é o dia do Festival do Sorvete! — Lina, minha colega de trabalho, falou animada — E ainda teremos uma chuva de meteoros. Não é empolgante que eles decidiram não abrir o planetário à noite? Os meteoros estarão tão visíveis que não será necessário o uso de telescópios.
Concordo que deveria me animar, só que mais uma menção ao festival e eu explodiria. Passar o último mês distanciando Haru aos poucos vinha me sugando as energias.
Naquele dia que saímos, estabelecemos uma conexão recíproca, e cortá-la estava sendo mais difícil do que imaginava. Facilitaria se Haru sentisse raiva, mas ele continuava me tratando igualmente.
Se ele me ignorasse, sentiria-me melhor.
— Inclusive, você sabe por que o Haru não veio? — Lina continuou, arrancando-me dos meus devaneios. Desviei o olhar para a tela do computador em que configurava algumas coisas para a próxima visita.
— Ele pediu o dia de folga.
Falei rápido, a mentira pesando em minha língua. Eu quem havia dado a ele o dia de folga, mas não queria as pessoas comentando sobre, mesmo que não entendessem nada. Tudo era parte do meu plano para não nos encontrarmos hoje.
Por mais que eu duvidasse da previsão de minha mãe, não poderia arriscar outro sinal falso, outro relacionamento frustrado. Já estava na hora de eu assumir o controle do meu destino.
Agarrei-me a esse pensamento pelo resto do dia e me convenci de que estava indo bem. Porém, o mantra foi por água a baixo quando chegou a hora do Festival do Sorvete e a cidade estava concentrada na avenida principal, saboreando os sorvetes dos food trucks por toda parte, todos ansiosos pelo espetáculo celeste.
Eu andava por entre as pessoas procurando por Lina, já que havíamos combinado de passarmos o festival juntas, mas no processo esperava encontrar Haru também. O vazio crescia em mim quando não consegui ter nenhum vislumbre dele.
— Isla!
Uma voz feminina gritou meu nome e por um segundo achei que fosse Lina, mas ao me virar deparei-me com Cartomante Cíntia ao lado do food truck da Sorvetes Reflexivos que estava para abrir. Fui até ela, confusa.
— A senhora não iria estar de plantão hoje?
Apesar de minha mãe ser conhecida por seus dons, ela não cobrava pelas consultas das pessoas sobre o futuro, dizia ser contra comercializar o presente que o universo havia lhe dado. Assim, ela ganhava a vida como enfermeira, e hoje seria um dia que ela estaria de plantão.
O fato de encontrá-la no festival fez meus nervos aflorarem. Eu sentia estar perdendo o controle da situação, mas será que um dia eu realmente o tive?
— Consegui trocar. Fui convidada pela Reflexivos para ajudar no marketing.
— Deixe-me advinhar, a senhora veio com o intuito de ajudar mais pessoas? — sorri, sentindo um pequeno orgulho em meio ao caos.
— Sim, mas senti que havia alguém que precisava muito de um esclarecimento.
Engoli em seco.
— A senhora já encontrou quem? — Cartomante Cíntia deu um sorriso triste e ajeitou minhas tranças boxeadoras multicoloridas, que havia feito para parecer mais civilizada — O que foi, mãe?
— Isla, você sabe que não precisa ter controle de tudo. Se machucar faz parte da vida, não tente conter o inevitável, só aceite o que o universo preparou para você. — as mãos dela escorregaram pelo meus braços e seguraram as minhas, apertando-as carinhosamente — Os astros estão sorrindo para você, não tente ignorá-los.
Suspirei pesadamente, tentando não me arrepender.
— Já é tarde demais, mamãe.
Ela sacudiu a cabeça tão seriamente que até fechou os olhos por um instante.
— Nunca é tarde demais.
Ao falar, ela apontou para algo atrás de mim. Não hesitei em me virar, sentindo o coração falhar ao imaginar que era Haru, tomando a decisão de concertar as coisas.
No entanto, era meu primo. Com tanto estresse, acabei esquecendo que ele viria para o festival.
Fitei minha mãe e nos despedimos quando caminhei até Christian. Ele não havia me percebido ainda e parecia segurar o celular contra o ouvido.
— Repolho Híbrido!— ele exclamou ao me ver e quis revirar os olhos — Estou te ligando há uns dez minutos, onde esteve?
— Desculpa, eu não senti o celular vibrar. — abri a bolsa e procurei pelo aparelho, não o encontrando. Franzi o cenho e procurei mais uma vez.
— O que foi, Repolho?
— Não estou achando o celular e... — de repente, me lembrei de onde o havia deixado e praguejei — Eu o esqueci no planetário. Preciso pegá-lo, se eu não estiver com o telefone, não vou conseguir falar com o Haru e...
— Você também não sabe onde ele está? — Chris soou surpreso — Estou tentando falar com ele há mais tempo. Haru sabia que eu viria para a cidade e combinamos de nos encontrar, mas não apareceu até agora. Ele não é de dar bolo.
— Você acha que aconteceu alguma coisa? — a preocupação começou a se apossar de mim. Chris parecia tão agitado quanto eu. — Eu vou pegar o celular no planetário, enquanto isso tenta falar com ele.
— Pode deixar. Só cuidado, Isla, não corre demais. O Haru deve estar bem.
Assenti com um sorriso de canto e comecei a passar apressada por entre as pessoas, sentindo uma pressão no peito. Cheguei a minha moto em menos de dois minutos e coloquei o capacete, dando partida.
No meio da estrada familiar, com toda a extensão de escuridão e apenas o farol da moto como luz a me guiar, comecei a respirar melhor, mas longe de relaxar. O que minha mãe havia falado martelava em minha mente, e eu tentava entender como raios pude ser tão besta tentando controlar algo que nunca estaria sob meu controle.
De repente, algo se moveu no mar de estrelas e me vi obrigada a verificar. Um pequeno risco cruzou os pontos cintilantes, até que vários outros riscos marcaram presença. O céu se acendeu.
Prendi a respiração, percebendo que os meteoros despecavam da direita para a esquerda, indicando algo no meu caminho, como setas: o planetário.
Palavras: 1148
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