Apenas Um Dia
Seus soluços eram o único som no banheiro feminino. As lágrimas quentes descem pelas bochechas. Sentada no chão frio, abraçando suas pernas, Luna funga baixinho. São sempre assim, todos os dias. Ela ficaria ali até o sinal tocar, e iria embora quando não tivesse mais ninguém no colégio.
O som da porta do banheiro se abrindo desperta a atenção da garota. Passos de três pessoas ecoa por todo o lugar. O coração de Luna acelera. Ela conhecia aqueles perfumes de jasmim, lavanda e flores do campo.
— Aquela gorda sumiu de novo. — diz Elisa com sua voz aguda contendo o riso debochado.
— Deve ter entalado em algum lugar... — gargalhou a outra voz esganiçada.
— Coitado de quem for desentalar ela. Vão precisar de um guindaste. — Elisa ri e abre uma das portas das cabines.
— Acho que... vocês exageraram um pouco. — disse uma voz doce e baixa. — Joice, você não devia ter falado da família dela daquele jeito.
— Duda, você está sempre defendendo ela. Eu só disse a verdade. Vai ficar do lado dela agora?
— Não liga pra ela, Joice. Essa aí quer se juntar a gorda. — diz Elisa com desprezo junto ao som de água.
— Ela vai ter que comer muito pra fazer companhia a ela. — Joice depois de dar risada pergunta um pouco mais baixo: — Ficou marca de batom nos dentes?
— Não... Vamos! Se tivermos sorte não encontramos a gorda da Luna no caminho.
A porta se abre e duas pessoas deixam o banheiro.
— O que custa pegar mais leve? — suspira Eduarda. Saindo do banheiro logo depois.
Luna espera alguns minutos se passar e sai da cabine. Suas pernas dormentes formigam um pouco quando ela da alguns passos. Ela se olha no espelho e passa a mão em seu cabelo castanho. Elas deviam morrer engasgadas com a própria língua. Estou cansada disso... Cerra mandíbula e sai do banheiro pisando firme. Pega sua mochila na sala e vai para a casa pensando em jeitos diferentes de surrar as três.
Assim que chegou em casa, Luna vai direto para seu quarto. Sem falar com ninguém. Se joga na cama, deita sua cabeça no travesseiro e da um grito abafado. Começando a chorar de novo. Porque eu tinha que ser gorda? Por que tinha que nascer com esse maldito sotaque? Patas arranham a porta do quarto e um cachorro chorando interrompe seus pensamentos.
— O que foi?
Uma cachorra de pelo laranja pula em cima de Luna assim que a porta se abre. Ela lambe as mãos da dona enquanto é acariciada, e deita com as patas para cima. Esse foi o melhor presente que Luna ganhou de seus pais. O que ela sempre sonhou em ter.
— Fofa... — Falou ainda acariciando a barriga de Mona.
O telefone toca no andar de baixo. Alguns minutos depois, Catarina a avó de Luna aparece na porta.
— Son sus padres. — disse ela, com um sorriso e um brilho nos olhos.
— Gracias abuela... — Pegou o telefone e fechou a porta pedindo licença a sua avó. Ela e sua mãe conversaram alguns minutos sobre a escola. Luna omitiu o bullying, e só falou das aulas. Rita falou sobre os lugares que viu, e pessoas que conheceu. Falaram sobre a conferência de Roger, pai de Luna.
— Quando vocês voltam? — Perguntou a filha brincando com uma mecha de seu cabelo cacheado.
Rita suspira.
— Não sei filha... Era isso que eu queria falar. Minha palestra foi adiada. Vou ter que ficar mais um tempo aqui. E também não sei quando o seu pai vai voltar.
— Aaah... Tudo bem. — A voz de Luna treme um pouco. — Vão estar aqui no meu aniversário?
— Vamos tentar o máximo minha linda. Mas realmente não sei. As coisas andam bem complicadas aqui.
Isso significava que não estarão aqui.
— Tá bom. Vou estar esperando. — disse Luna com a voz embargada.
— Desculpa filha. Mas se eu e o papai não...
— Tá tudo bem mamãe.
— Não está filha... Eu queria pelo menos te trazer comigo.
— Não tem importância mãe. Termine o que tem que fazer e depois volte pra me ver. — Uma lágrima começou a descer por sua bochecha.
— Te amo filha. Me dói muito não estar aí. Estou morrendo de saudade. Prometo que se eu escrever outro livro você estará em todas as minhas viagens. Independente do seu colégio.
— Tá bom mãe... Tenho que ir agora. Vou fazer meu dever de casa.
Assim que se despediu e desligou, Luna colocou o telefone em cima da cômoda branca e se sentou no chão chorando. Mona começa a lamber seu rosto. Corre até sua caminha, pego sua bola e coloca no colo da dona.
— Mona... Eu não vou brincar agora.
A cachorra comeca a latir e a morder de leve a mão de Luna.
— Tá bom... Só um pouco. — A menina limpa as lágrimas do rosto e vai ao quintal nos fundos da casa brincar.
Toda a vez que Luna jogava a bola, Mona se jogava de forma exagerada no chão para pegar.
— Você é muito boba... — disse, abrindo um pequeno sorriso. Jogou a bola de novo. Dessa vez, a sua cachorra chega a boca que segurava a bola bem perto da mão da dona, e antes que ela pudesse pegar, Mona se afastava.
— Me dá a bola. Vem cá menina, me entrega a bola. — A cachorra chega perto de novo e se afasta. Luna da um passo a frente, e Mona dá um para trás. Começa uma brincadeira de pega-pega. A dona tentando pegar a bola, mas sempre que chega perto a sua cachorra fugia pra longe.
Depois de alguns minutos na correria, a menina ofegante deita na grama.
— Você... — diz apontando para Mona. — É a melhor amiga que eu podia ter.
Passou a ser assim todos os dias depois da escola. Aguentar a toda aquela tristeza na escola valia a pena, porque sua melhor amiga e companheira estava esperando em casa.
Faltando três dias para o seu aniversário, Rita e Roger ligam.
— Filha consegui adiantar a palestra do meu livro aqui. Estou voltando hoje, eu chego aí à noite, na véspera de seu aniversário... Seu pai vai ficar mais um tempo, mas ele vai chegar no dia do seu aniversário.
Foi o melhor dia de sua vida. Elisa e Joice não tinham ido ao colégio; a prova de história tinha sido adiantada e agora seus pais viriam para o seu aniversário.
Luna decidiu sair pra correr. Se sentia leve. Mona fica muito agitada, como sempre, indo de um lado para o outro e latindo. Ela estava tão ansiosa e feliz que quando abriu a porta, ela correu para fora passando pela Catarina e indo para a rua.
Sabe aquele momento em que você sente um arrepio e tudo em volta fica em silêncio. Foi isso que aconteceu com Luna naquele momento. Os únicos sons que ela ouviu foram capazes de tirar todos os outros. O grito estridente de sua cachorra ecoou fundo em sua cabeça junto do som de rodas derrapando.
Um sussurro sem forças deixa seus lábios.
— Mona? — Luna toma fôlego e chama mais alto. — MONA!
Ela corre até o lado de fora. Suas vistas ficam embaçadas por causa das lágrimas. Mas mesmo assim ela conseguiu ver sua cachorra deitada na grama. As patas se mexiam um pouco, os olhos brilhavam num verde intenso.
— Mona...
Luna se ajoelha vendo os olhos de sua única amiga se apagando aos poucos. Os braços quentes de Catarina envolvem a neta.
Os dias que seguiu foram difíceis. Olhar as fotos em cima da cômoda, os brinquedos de cachorro, a caminha branca com seu cobertor rosa. Tudo dava um aperto no coração.
Ir para a escola se tornou mais uma tortura. O bullying parecia pior. No Recreio as coisas pioraram de vez.
— Quem vai querer uma garota gorda que nem sabe cuidar de um cachorro? — diz a loira depois de ter zombado a aula inteira.
Aquela foi a gota d'água para Luna. Ela literalmente voou no pescoço da Joice, dando tapas na cara dela e a xingando em espanhol. Quando um dos professores separou a briga, ela estava com a mão formigando.
Teve que ficar até mais tarde, sentada na mesma sala que Joice. Que não parava de acariciar o rosto vermelho. Nenhuma da duas disse nada, nenhum pedido de desculpa ou provocação. E pelo olhar da loira o bullying iria parar para sempre.
Luna mal chega em casa e vai direto para seu quarto. Cai na cama, deita sua cabeça no travesseiro. Ela olha para a porta esperando que alguém a arranhe pedindo para entrar. Mas em vez disso alguém bate de leve.
— ¿Estoy preocupada contigo, mía nieta... Estas bien? — diz Catarina do outro lado.
— Estoy bien abuela. — responde a neta contendo a voz de choro.
-— ¿Estás segura de esto?
Luna abre a porta e deixa sua avó entrar. Se senta junto a ela e deita a cabeça em seu ombro.
— No estoy bien... Quiero mía perra de vuelta. — chora ela. — Quiero Mona aquí.
— Tengo algo que puede ayudar. — disse sua avó com um sorriso triste, levando ela até o porão.
Catarina começa a tirar caixas do lugar, abrindo um espaço no meio do cômodo. Ela tira o cordão e o coloca no centro.
— Mi abuela me lo dio hace mucho tiempo.
A pedra azul do pingente começou a brilhar. As duas se posicionam perto do cordão. O espaço em volta dissolve, como se fosse feito de fumaça. Para Luna parecia que estava dentro de um elevador. Uma hora estava dentro do porão, e na outra num campo verde com algumas árvores cheias de flores de diversas cores. Os sons dos pássaros cantando e o vento soprando suavemente eram tão bons que a avó e sua neta fecharam os olhos para sentir a paz do lugar.
— ¿Donde nosotros estamos?
— En el mundo de los muertos!
Sons de latidos interrompem as duas. Mona corre animada até sua dona.
— Mona!!
Luna a abraça forte, chorando de felicidade.
— Eu sinto tanto a sua falta. Pensei que nunca mais nos veríamos.
— Sólo puede venir en un día. Cuando los dois mundos se unen. Em todo los días 2 de noviembre.
— Muchas gracias abuela!
Esse passou a ser o dia mais importante da jovem, a véspera de seu aniversário.
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