Um Mar de Estrelas na Noite Reluzente de Sentimentos
— MEU, toda sexta é isso! — Mariana seguia reclamando do banco do passageiro, contudo, seu tom de divertimento misturado com indignação fazia com que Vitor risse. — Onze e quarenta e cinco! Ela não tem família?! — Os lábios finos desenhavam uma risada que exasperava um tom engraçado.
— Ela está se divorciando... — Vitor recobrou o fato óbvio, visto o humor da professora ter sido alterado repentinamente desde que a aliança desaparecera.
— E eu tô cansada! — Os cachos loiros se curvaram, rapidamente, para vislumbrar o rosto da amiga que dava carona. — O que foi?
— Entendi casada. — Deu de ombros, apesar de ser nítido que não era aquilo que ele se referia, apesar de almejar que, assim como a da professora, a aliança de prata sumisse do dedo pequeno de Mariana.
— Não seria uma má ideia. — Gargalhou, independentemente do horário, Mariana estava sempre eufórica, principalmente quando era o centro das atenções, e o homem que usava um terno preto fazia questão de colocá-la num pedestal e, ainda que evitasse fazê-lo, o sentimento palpável que nutria por ela desde que se esbarraram tonava essa missão impossível.
"Ei, sua mochila tá aberta. — Mariana disse, chamando a atenção do homem que estava focado no celular, contudo, isso não impactava no andamento do corredor, uma vez que estava vazio, devido ao início precoce do semestre, o que perturbava a mulher de ondas castanhas iluminadas. — Pronto! — Ele pode ouvir o barulho do zíper deslizado, e quando se virou para agradecer, fixou a imagem que o acompanharia nos próximos anos, sua musa estava sendo esculpida, contudo, ela já tinha um pintor de exímio talento, Pedro. "Muito obrigado.", murmurou desinteressado, mas Mariana não se ateve a isso, e com a pergunta de resposta mais óbvia, teceu o laço que os ligaria pelo resto da vida, na verdade, o reconhecera: — Você estuda o que?"
O assunto cessou com a voz feminina cantando "Ela Só Quer Paz" do Projota no final do trajeto a sua casa. Vitor a acompanhava naquele momento de intimidade, cada tijolo da relação de almas sendo sedimentada sem que tivessem dimensão do castelo de sentimentos que eram arquitetos. Mariana, em seu âmago, reconhecia o quão fiel fora Vitor naquela noite de inverno, afinal, ele morava no Higienópolis e ela em Alphaville, mas a distância não o impediu de se oferecer para deixá-la em casa quando ouviu, em um tom exagerado, o que o fascinava ainda mais, e ela adorava fazê-lo porque a maneira como os olhos se fixavam era incompreensível, algo tão puro a ponto de ser abstrato se formava quando se uniam, que tivera de emprestar seu carro para o irmão para que encontrasse os pais na casa da praia.
Mariana, que contou toda a história de uma forma extensa e com diversas nuances, que não costumava pontuar, deixou uma crítica velada ao irmão, uma vez que, se já tivesse sido aprovado no curso de medicina, que tentava a dois anos o ingresso, teria seu próprio carro, e ela não teria de ir para a faculdade de uber. "Mariana!?", ele a repreendeu questionando a atitude, mas quando ela colocou a língua para fora em concomitância a um sorriso, esclarecendo que fora apenas uma brincadeira sem fundamentos, ele padeceu a mulher que amava em segredo.
— Pronto. Entregue. — Destravou a porta do carro quando pararam na frente do prédio. A mulher de um metro e sessenta e três de altura sorriu genuinamente, um ato de puro carinho, e começou o rito para sair do veículo, contudo, quando fomentara uma justificativa, com a mínima plausabilidade, o cessou, voltando o corpo, agora livre, para o homem.
— Dorme aqui. — Ergueu os ombros em demasia. — É, você mora super longe e veio só me deixar em casa. Além disso, eu vou passar a noite sozinha, e você sabe que eu odeio.
— Mariana, você dorme em menos de cinco minutos. — Resistiu, tentando não confundir a amizade com o sentimento que dá porquê a vida, todavia, sua mente já formulava hipóteses do que aquele pedido poderia significar.
— A gente pode pedir pizza... — Ergueu uma sobrancelha, sapeca.
— O que você me pede sorrindo que não faço chorando. — Cedeu, mais feliz do que ela por poder tê-lo feito sem sustar a dúvida de nutrir algo por ela.
Estacionou o carro na vaga para visitantes, e o caminho até o apartamento fora munido de risadas e de uma parceria que, facilmente, os rotularia como "casal". Ah, e como aquela mera chance fazia com que flutuasse e repousa-se ao lado dos mais belos anjos. Não havia um ato da mulher que não admirasse e sorrisse, até aqueles de natureza duvidável, por atribuir-lhe humanidade, faziam com que a caixa toráxica tornasse vítima das batidas desreguladas de um coração que havia encontrado o amor de sua vida.
— Aqui. — Entregou um pijama do irmão ao homem de nariz levemente arqueado e torcido para a direita. — Já volto. — Disse anunciando indiretamente que iria se trocar. Ele rodou ao redor de seus sapatos sociais o quarto branco, que já conhecia, o que causara uma maior apatia entre o atual parceiro da colega, no ímpeto de mentalizar cada mínimo detalhe da construção de Mariana. Perdeu-se entre as possibilidades, como sempre fazia ao lado dela e da sua mente que era uma hipérbole fantasiosa, e fora desperto pelo corpo emergente do banheiro, agora envolto por uma calça cinza e o moletom da universidade, os cabelos reunidos em um coque e os dedos ágeis atentos a tela do celular. — Pedi a pizza. — Jogou-se na cama de casal.
— Você pediu para tirar a cebola, né? — O tom preocupado e as sobrancelhas arqueadas evidenciando a facilidade que tinha de se estressar, ainda que não quisesse.
— Não. — Mentiu, mas foi incapaz de manter a espécie de brincadeira porque o rosto franzido do homem doze centímetros mais alto era hilário.
Ele a acompanhou na descontração, apesar de já se repudiar internamente e questionar se era o jeito ranzinza, avesso ao dela, que reagia a vida que os afastava, quando, na verdade, o que os afastava não era nada senão a luz que adivinha de cada um e cegara o outro para a realidade facilmente disposta.
— Eu vou me trocar. — Avisou, ainda que sem necessidade real para isso, apenas queria fugir da vergonha interna que havia criado. Abandonou as roupas sociais, agradecendo Mariana pelo feito, uma vez que a gravata já lhe incomodava. — Havia me esquecido com calças de moletom eram confortáveis. — Brincou assim que saiu do banheiro.
— É por isso que eu amo as sextas! Se não fosse aquela corna... — Engatou uma reclamação, um de seus tópicos favoritos acerca da professora, ignorando um detalhe: Vitor, que saia da aula quase uma hora antes dela, sempre a esperava, independente do dia, exceto quando Pedro impedia, mas isso não costumava acontecer nos dias de semana, uma vez que ele estudava medicina e, assim como a garota, morava em outra cidade. Se Mariana se atentasse a esse mínimo cuidado, na verdade, em todas as atitudes de Vitor que eram revestidas de um carinho e cuidado puro, teria notado que ele estava apaixonado por ela.
Vitor acompanhou toda a epopeia sobre a professora, agora sobre um trabalho — que ele tentou ao máximo compreender ao que se referia, uma vez que era alheio a maior parte dos termos de arquitetura — intercedendo apenas com risadas altas pela forma com que a mulher lidava com tudo aquilo. O tom feminino, despido de sutilezas, mas ácido na mesma proporção que era irônico, transformava o ar em uma massa leve de prazeres de sexta-feira.
A conversa foi cessada com o toque do interfone, Mariana saiu correndo, em mais uma demonstração da vivacidade que a revestia, enquanto Vitor buscou na sua mochila seu cartão.
— Deixa que eu pego. — Avisou e ela concordou, odiava ter de ir buscar as coisas na portaria. — Mas não dorme. — Mariana permaneceu silente, buscando provocá-lo, mas atenta ao celular, se não, de fato dormiria naquele meio tempo.
O homem, que se arrependeu de ter se oferecido para ir buscar a pizza, pois usava o pijama do irmão da amiga, fez todo o trajeto com a melhor agilidade possível, mentalizando ser satirizado pelas poucas pessoas que encontrou no caminho.
— Finalmente! — Ela esfregou as mãos antes de pegar a caixa da mão de Vitor, que foi lavar suas mãos, e apressou o feito em razão do cheiro que se alastrava pelo apartamento. — Você vai querer do quê?
— Não me conhece o suficiente para saber qual sabor de pizza eu gosto, dona Mariana? — Arqueou uma sobrancelha, exercendo sua façanha mais pura e leviana.
— Duas de calabresa e uma de queijo. — Ela riu, servindo-os, enquanto Vitor pegava os copos, ajudando-a na tarefa, contudo, no instante em que puxou a cadeira para comer, notou que Mariana ajustava o prato em seu braço, de forma que conseguisse levar tudo o necessário para comer a pizza, o que incluía uma embalagem de ketchup. — Vamos comer na varanda. — Intimou, deixando-o para trás.
— Lua cheia. — Comentou com a boca cheia, mas isso não reteve a atenção de Mariana, que perdeu os olhos por entre a cidade iluminada. A mulher de madeixas clareadas recostou a cabeça nele, pesando pelo sono, mas incapaz de abandonar a fatia de pizza. Os olhos verdes do homem capturaram a amiga em sua nudez absoluta, contudo, no espectro humano, estava despida ao se mostrar de pijama, comendo pizza com ketchup, reclamando sobre a professora e agindo em hipérboles infinitas.
Em contrapartida, os olhos castanhos apenas contemplavam a imensidão da cidade, o carinho de Vitor se tornou tão natural que fora banalizado, além disso, os comentários que ele fazia, vez ou outra, sobre algumas garotas com que se envolvia, impedia qualquer questionamento que sua mente insistisse. No começo, e em razão da observação de sua amiga, Carolina, ruminou sobre a possibilidade do sentimento puro que partilhavam, influir em algo mais para o amigo, entretanto, decretou tal pensamento como absurdo com o passar do tempo. Mariana mantinha sua crença que homens como Vitor tinham a sina de ser babacas em relacionamentos amorosos, e o fato dele sempre se envolver com pessoas diferentes, em especial nas festas universitárias, sustava sua teoria.
Contudo, a teoria de Mariana não havia embasamento real. Eram apenas fatos colacionados em que ela arguia importância, para que decretasse como verdade o que desejava que fosse. Porque bastava uma percepção real sobre ambos para inferir que Vitor a venerava, e a adoração não tangia apenas o sentimento amistoso da palavra. O homem, dois anos mais velho, se perdia em devaneios, sobre como as falas dela irradiavam luz, seus toques eram aveludados e sua voz, um intermédio para um local de conforto, morada desejada por ele desde que se conheceram.
O amigo fechou os olhos, apoiando a cabeça na dela, pressionando o corpo em sua lateral contra o seu, enquanto contemplavam a antítese que era a cidade que residiam. Um mundo paralelo, assim como a relação deles no manifesto formulado por Mariana. Senti-a se preenchido ao lado dela, como se as palavras eufóricas dela fossem lidas pela sua seriedade, e o jeito hiperbólico, não completamente antagônico ao dele, permitia que uma faceta se exibisse, a face de um menino, verdadeiro e que falava no mesmo dialeto que ela. No mundo em que apenas habitavam os corpos na varanda, havia completude, compreensão e liberdade. Acima de tudo, havia constância, a liberdade de ser não fora podada pelo ato de ir embora, apenas reforçada com a presença prolongada e desejada de ambos.
Perdido em devaneios puros, o loiro pensou em confessar o sentimento palpável em suas atitudes cuidados, mas as entrelinhas de sua relação já apresentavam uma grande negativa a qualquer requerimento solicitado. "Por que não nos conhecemos antes?", se questionava, atribuindo seu medo a presença de Pedro, não ao seu receio de contestar e obter uma sentença capaz de desconstruir seus elementos basilares, afinal, ela havia se tornado célula sintetizadora de alegria em sua vida, e ele alegava, contra si próprio, que qualquer caminho não analisado previamente poderia desestabilizar a sua composição.
— Mariana. — Chamou, quando notou que sua locação ao mundo de felicidades infindáveis e da companhia concreta perdurara por mais tempo do que o desejado. — Mari? — Afastou os corpos, fazendo com que os olhos castanhos se abrissem com lentidão, juntamente com um sorriso fraco, afinal, ele estava certo ao arguir suas advertências em relação ao sono da amiga.
A mulher de olhos castanhos ocupara seus lábios com o copo de suco a sua frente, uma vez que o ajudaria a manter-se acordada, ao menos o suficiente para que estivesse em sua cama. Levantou os olhos, arredondando-os além do normal quando notou o loiro sustando-a em seu campo de visão. "Como ela não percebe? Será que ela escolhe não ver?", ele se questionava, perdido nos devaneios desenhados pelos afáveis detalhes da mulher de rosto comprido e maquiado.
— Esse é o melhor jeito de sextar! — Comentou rindo, o tom eufórico, e os olhos alegres contrastando com o sono latente. Ah, e como aquilo fascinava Victor, Mariana era uma obra de arte, entalhada com detalhes apaixonantes e humanos, tudo que era maculado pela mulher construía um mundo agradável para ele.
— Eu concordo. — Riu, ainda que não expondo uma alegria hiperbólica, e uma excitação, ela havia certeza da fala dele, que expunha seus sentimentos em palavras claras, comuns, sem grande peso, mas munidos de atribuições. — Mari... — Começou, mas como sempre, se reteve por não haver ensaiado o ato repetidas vezes. A perfeição era o fardo de Victor. — Acho melhor irmos para cama antes que você durma com pizza na boca. — Brincou.
— Aí, como eu odeio quando está certo! — Ajudou-o a levar as coisas para cozinha, em um silêncio reconfortante, em um lar partilhado, em um ambiente comum de certezas veladas, de um amor silencioso, mas existente.
Mantiveram-se em silêncio enquanto se preparavam para ir dormir, e, rapidamente, ambos já estavam acomodados na cama. Havia um espaço entre eles, afinal, Victor apenas era amante dela em seus pensamentos mais privados, que nunca haviam sido ouvidos por outra pessoa, nem seu pai, o que, com certeza, o levaria ao espanto, uma vez que, conforme o imaginário da melhor amiga, ele realmente era o tipo de homem que se relacionava com um número incontrolável de pessoas, sem atribuir sentimento algum, e sem se permitir desenvolver pela efemeridade da relação.
O futuro advogado, ainda que de forma indireta, devido ao caráter velado do sentimento nítido, havia aprendido o exordial do Código que guia os humanos: não há como controlar os sentimentos. Era um fato, e, por incrível que pareça, ele não o classificava como infeliz, mas sim a mais deliciosa da surpresa, assim como o caráter da garota que fechou a sua mochila, no meio do corredor, num início de semestre. O acaso do destino apresentou o que é mais valioso e que reveste a vida: a inconstância, os sentimentos naturais, as reações que se ocorrem com o desenrolar natural da vida.
Ali, deitado naquele cama, próximo a mulher com que ansiava compartilhar a vida, por quem era fascinado em cada fresta de humanidade que exibia pelo simples fato de ser, soube o que era sonhar. Sonhar era a presença de Mariana, pois ela era o mais belo dos sonhos, o mais intocável, ainda o mais gracioso de todos, ela era o sopro de vida, de prazeres, de felicidade, de espontaneidade.
E ainda que ela nunca soubesse, ele tinha plena certeza de que o maior de seus sonhos havia se concretizado ao vê-la em sua frente: o do amor, que não precisa ser recíproco — ainda que seja sempre desejado dessa forma —, pois todas suas formas são válidas. No final, partilhar de uma sexta-feira no apartamento de Mariana era o sonho vivo, tingindo de cores em uma aquarela viva, que Victor requereu em silêncio toda a sua vida, estar ao lado dela era tocar o reino dos sonhos e alcançá-lo pelo viver.
Mariana era o sonho de Victor, que ele tinha o privilégio de contemplar por seus olhos verdes. Ela era a expressão de vida, realidade, e amor sendo transmitida em todos os seus atos não calculados, mas porcionados de felicidades; e o homem, que repudiava sonhos e evitava devaneios, agora compreendia o deleite dos poetas, dos sonhadores, dos artistas e dos apaixonados, daqueles que contemplam os sonhos, pois vivenciava um sonho sempre que os olhos castanhos eram capturados por suas orbes.
Mariana era o sonho de Victor. Era o sonho acordado. Era o devaneio não permitido mas ansiado, era a antítese do homem de terno, era a completude de quem não crê em metades, era a constância da vida no verbo que da origem, e era por toda essa comunhão, que o fascinava, que ele a amava.
Ah, e como Victor amava sonhar acordado na companhia de sua musa, partilhando da noite estrelada que ela constituía, das constelações que ornavam o rosto da amada. E ainda que ninguém, senão ele, soubesse das palavras que compunham o céu da sua alma, ele desejava a estrela mais brilhante que o arquitetava que um dia aquilo fosse recíproco.
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