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"II"

" Estar morto por dentro, é se sentir despedaçar. "

É, eu sabia como era...

Ninguém deve ter medo da morte. Quando morremos estamos apenas sob um estado de consciência permanente. Mas o que te mata e a sua vontade de matar a si mesmo, afogando a própria realidade.

Eu me suicidei, senti a sensação de ter uma corda no pescoço, o que é muito suficocante. É engraçado usar esse verbo "sentir". Sou apenas um lago flutuante. Saber que não sinto mais nada me consome a ponto de me deixar mais profunda. Sim, eu sou profunda e invisível. Isso prova que nada muda depois da morte física, você continua sendo um mísero pedaço de grão e água. Sou mesmo invisível, e isso parece me confortar agora. Tanto viva quanto morta, fui deixada de lado. Acho que é por isso que me acostumei tão rápido com a nova forma.

Afinal, foi uma escolha minha.

A casa dos DeVoe é mais linda do que eu observava no baile. Da última vez que estive aqui, meu vestido era bordado de pedras e atingia um vermelho. Algo vivo, como sangue. Aquele traje era para combinar com o de Cher, que usava uma gravata borboleta. Meu vestido era mais cheio do que esse que visto. O branco, o vestido da noiva dele.

Sou uma boneca de porcelanato. Um móvel desta casa agora presa sob o peso dessas correntes acizentadas. Meus pulsos parecem estar mais apertados só que não tenho mais pele. Disso a garota loira esquece porque ela pensa que tudo isso é real. "Ele não é real" quero gritar. Queria poder estar sangrando. Fui burra quando amei ele, um garoto que nem sequer mais existe. Charles DeVoe é um servo da morte, assim como eu.

Jogamos o mesmo jogo.

Matamos ela mesma.

Juntas num sonho.

O lustre do quarto quarto vazio brilha com seus cristais. Acima de nossas cabeças, minha e da loira, não fico tão transparente assim. A luz refletida revela a minha aparência. Deixada, largada e sozinha eu era assim, um fantasma. "Porque ela não consegue me enxergar da mesma maneira?". Tenho pele branca, cabelo preto e os olhos de um céu azul claro. Todas estas paredes são feitas de madeira maciça e limpa. A decoração é azul e às bordas foram desenhadas com flores.

Como o lustre, há janelas feitas de vidro. Transparentes como uma alma, uma ilusão. Uma ilusão que ela acredita."Menina burra". Não tem ninguém aqui, o vento uiva para as pedras do lustre deixando mais assombrosos. Não tem nenhum móvel aqui. Tudo é vazio, assim como eu. DeVoe deve estar nos observado fora no jardim, rindo da nossa perda. Não tem nenhuma porta aqui uma janela, essas correntes sobre meus pulsos -transformando-me numa cadela de vestido branco- e tem essa garota.

Procuro pensar em Cher e não nela. Seus olhos de bronze me observando. Queimam, ardentes de fome. Charles enganou nós duas. O que não consigo entender é como ela arriscaria tudo para poder vir me salvar. Até em cair numa armadilha.
Brenna Torres - se não me engano - está olhando sobre a vidraça da janela. Como eu está vestida de branco com a cortina loira enrolando os ombros. A mão direita treme de nervosismo enquanto ela soa frio, - uma lembrança de que está viva - A esquerda por sorte segura uma chave de metal. Cher deu.

" Não tem uma porta, o que vamos fazer?"

Suas palavras soam como uma pedra pesada e suja. Estresse faz mal a saúde, se é que Torres não havia percebido isso. Permaneço calada no meu canto. Estou descalço, mas não sinto meus pés no chão.
Não sinto o frio como sente, porque ele vive dentro de mim. Dentro de uma garota morta.

" Você vai ser esquecida Torres, para sempre. É bom que se acostume com as consequências, elas podem ensinar muito. "
Por cima do ombro claro, ela vira seu olhar pra mim. O azul brilha como estrelas cadentes se dissipando enquanto Brenna pisca.

Disse isso para tentar irrita-lá de alguma forma, mas falho miseravelmente. Desista Torres. Você nunca devia ter entrado no meio. Ela está presa por tudo. O caos a consumiu e ela deixou fluir e nada mais. A melhor amiga de Scarllet agora minha cúmplice?. Queria que estivéssemos na escola pra ver a cara de todo mundo.
Mas eu morri.

A loirinha se agacha. Minha cabeça está abaixada, não me importa. O que ela disser não vai mudar o que aconteceu.
" Eu não vou cometer esse erro de novo Avril, eu sinto muito mas eu não posso deixar você aqui presa."
Minha gargalhada era tão alta e irônica, que seria fácil me confundir com um demônio.

" Você acha mesmo que tudo isso aqui é real? Porra Torres, você caiu direitinho. A escolha foi sua e você escolheu, só que agora é tarde demais pra voltar a trás. Se continuar insistindo, não vai conseguir andar pra frente. Me esqueça como sempre fez."

Se o intuito da frase era atingir em cheio, então ela conseguiu.

Permaneço com a cabeça abaixada, lamentandonpor tudo aquilo. Aquela menina foi egoísta e não acho que devo perdoar agora, mas algo nos ligou a muito tempo.

"Você tem razão... " levanto a cabeça para ouvir sua voz imbuída de remorso " Eu errei com você, o máximo que senti foi pena. " seus olhos azuis tem a cor do mar e sua pele é suada e viva. Sei quando ela mostrava para Scarllet suas fotos na praia.

"Queria que você estivesse viva, porra. Queria não te deixar sozinha outra vez, é como um castigo pra mim ver você presa. Quero consertar as coisas, que não posso mais voltar atrás. " sua voz sai fraca "É tarde demais..."

"Eu não estou presa de verdade, nada é real. " endireito meus ombros enquanto a encaro. "Você ainda tem uma escolha. Eu fiz a minha, precisa fazer a sua. Nunca é tarde para fazer."

Torres abre a boca pra dizer alguma coisa.
De repente, as paredes começam a soar um ruído alto e agudo. Conheço em qualquer quanto do além. Charles DeVoe, o fantasma da morte.

Ele a quer.

Brenna se esquiva em desespero. Ela segura meus pulsos. "Deus, ainda é burra demais pra raciocinar". Sua respiração falha, seus músculos se contorcem. A pele queimada fica pálida como um gelo preste a se derreter.
"Você devia ter me escutado quando avisei a você não deixar seus sentimos te seguirem. Mas você provou a si mesma." Seguro suas mãos e ela se vira para mim. No olho esquerdo, uma gota cristalina cai em suas bochechas lisas. O frio se acende em seu peito. Nossos olhos se queimam.

O céu e o mar.

Ela arregala os olhos. Ainda está agachada comigo. As mangas longas e soltas se juntam a chave de fenda. O lustre acima brilha mas não faz nenhum barulho.
Brenna levanta, refletindo.

" Nada é real."
Seu vestido de gala faz ela parecer uma princesa. Os cabelos dourados parecem ser feitos de seda. Parece uma ovelha macia e doce, sem pecados e pura. Quem dera todos fossem assim.

Basta acreditar no amor.

As correntes sibilam para mim. Elas me obedecem, enquanto mergulham em meu rio. Solto-as deixando a máscara cair de vez. Brenna está olhando para a porta que acabará de aparecer. Finalmente ela acordou...

Estamos agora de e a sensação de estar viva novamente, percorre a minha alma por inteiro. O fantasmas como Cher e eu estão batendo nas paredes, pro toa para me buscar. Serei erguida para o paraíso.
Minha missão acaba aqui.

" Você conseguiu " digo.

Perplexa, sorri. Ela vai até a porta e a abre sem chave alguma. É uma jaula. É uma prova espiritual.
"Obrigada..." diz, se aproximando de mim para me abraçar.

Ela passa dentro de mim. "Sou um espírito agora, Brenna". Sinto todos os seus órgãos
Seu coração é muito forte, assim como a dona. Torres fica de costas, confusa.
Dou uma risada.

Brenna reage da mesma forma. A que esperei que reagisse.
" É, só dormindo...


Entrego o maiô.
- Sei tudo que você gosta, e do que precisa também.

Rimos, brincando.

Ella sai para se trocar enquanto meu avô e Julian montam o guarda sol. Assim como a irmã mais velha ele tem cabelos pretos e cortados. O apelido que a escola dava pra Ella era "hiena" porque as fêmeas das hienas tem pênis. Tudo passou agora o só o vento nos acompanha.
Meu biquíni é verde-água provando que amadureci. Sento na areia observando Lea chegar até aqui. Seu nado é bem sincronizado e quando está treinando parece que ela dança. É uma campeã de nado.

E eu de surf.

Me inscrevi no torneio. Agora sou uma surfista oficial, ao lado de Merliah. A diferença é que ela tem mais experiência, mas nem parece muito.
- Cheguei bebês - Julian ri por cima do ombro do vôvô - o mar tá uma delícia, Brenna.

Lea tem um corpo lindo. Parece um violão.

- Prefiro surfar. - digo decidida.

Meu avô vira pra mim e faz um bico com a boca, impressionado. Ele sai em disparada pra buscar a fornalha pro churrasco. Merliah ficou no hospital com mãmãe, porque vai perdoa-lá. Ella volta com o maio, muito branca o que significa que vai precisar do protetor. Os cabelos pretos e masculinos dela são como os de Avril, com uma franja de lado. Abro uma cerveja. Julian senta do nosso lado com sua sunga.

O sol se põe. Nada podia estar melhor!

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