Outra Lua 4
Eu já revirei a cidade inteira atrás da Dafne e não encontrei nada, ninguém viu. Fui até à casa da família dela e quase me lincharam lá. A desgraçada sumiu.
— Vou dar uma recompensa de cem mil para quem me entregar ela — falei numa reunião com o pessoal.
Eles ficaram em polvorosa. Peguei uma cerveja e me sentei para esperar que se acalmassem.
— Não acha que isso é muito dinheiro, chefe? — Ildo, meu homem de confiança, perguntou.
— Não. A Dafne é minha, Ildo. Ela não pode me largar assim.
— Entendo, mas já pensou em largar ela e arrumar outra mais bonita?
— Não quero outra. Quero ela e vou ter ela de volta. Esse dinheiro vai dar um gás nesses malucos.
Ildo não entendia nada dessas paradas. Trocava de mulher como trocava de roupa e eu era fechado com a Dafne. Ela só estragou tudo com essa ideia doida de que eu mudei e que fiquei violento. Nunca mudaria com ela e nem teria coragem de encostar um dedo nela.
Eu amo a Dafne há tanto tempo que é covardia da parte dela me deixar quando eu mais preciso. Eu só cuido dela, não quero que fique conversando com outros homens, nem trabalhando fora. Ela não precisa disso. Eu trabalho para dar uma vida de rainha para ela, e ela faz isso, se manda sem deixar um rastro.
Se tem eu, para que ficar se arrumando toda, cuidando de unha, de cabelo? Eu a amo do jeito que ela é. Não cobro nada. Se a mulher não for perfeita, o Ildo não quer. Eu sou fiel à Dafne até a minha morte e se tiver vida depois, serei fiel também. E ela não precisa estar perfeita, de unha feita, cabelo pintado, nada disso. Amo do jeito que é.
— Mulher reclama de homem safado que trai, mas quando acha um fiel, que dá a vida por ela, não quer também. Eu não consigo entender.
— Brother, relaxa com isso. Se esse plano de recompensa der certo, ela logo vai chegar.
Confiei naquilo e no dia seguinte o pessoal foi à caça. Ninguém encontrou nada. Milhões de teoria passaram pela minha cabeça, até que ela estava colocando os caras contra mim.
— Cento e cinquenta mil para quem me trouxer a Dafne aqui nessa sala! — gritei apontando para o local em que estava, a sala era no segundo andar de um galpão onde recebíamos encomendas, de lá eu falava e podia ser visto e ouvido pelos caras que ficavam no primeiro piso. — E morte aos traidores.
Ouvi o burburinho deles protestando e avisando ao mesmo tempo que nenhum era traidor e senti a mão de Ildo me cutucando.
— Qual é, cara? Tá doido? Esse pessoal é fechado contigo.
— Difícil confiar, Ildo. Que eles não me escutem, mas se você me trouxer a Dafne, a recompensa é de duzentos mil. Em você eu confio.
Ele apertou a minha mão com força e me deixou sozinho, assim como os demais. Sempre que ficava só, eu pensava no meu irmão e no que ele aprontou comigo. O desgraçado era pior do que o bandido que eu matei em memória dele. Então se a melhor pessoa da minha família não valia nada daquele jeito, o que eu poderia esperar do resto? Nada, por isso Dafne era meu foco e eu queria que ela ficasse para sempre comigo.
Quando fui abordado pelo advogado amigo de Júlio, eu quis mandá-lo para o inferno, mas o ouvi e fiquei indignado com os fatos. Eu estava rico, mas tinha muita vergonha de tudo, nem contei para a Dafne nada daquilo, pois eu dei a minha vida dentro da lei pela memória fodida do meu irmão filho da puta. Com que cara ela olharia para mim depois de saber do que houve?
Dafne era a minha princesa imaculada, e eu estava no caminho errado por culpa do Júlio, ela não tinha nada a ver com aquilo e nem precisava fazer parte daquela sujeirada.
Eu estava ansioso. Fui à construção parada e arranquei parte do madeirite que cobria a porta. Dei uma boa olhada lá dentro. Gelei quando vi uma porta na parte dos fundos, e ao iluminar com o celular, vi uma escada. Desci, mas estava escuro e barrento. Não consegui ver o final do túnel, mas decidi pedir para que Ildo verificasse depois. Voltei para casa e tomei banho, estava suando demais, preocupado com a Dafne, em onde estaria, se algum dia a veria de novo.
Só no dia seguinte recebi mensagens de que haviam visto minha mulher. Eu corri para o galpão para esperar sua chegada. Verifiquei o hálito e optei por colocar um chiclete na boca para prevenir. Tomei água e fiquei andando de um lado para o outro formando vários diálogos na cabeça. Coloquei a mão no bolso e retirei uma caixinha de joia de dentro, abri e expus um anel caro que comprei para pedi-la em casamento. Era tudo o que eu mais queria, me casar com ela.
O portão se abriu e vi Ildo puxando uma pessoa pelo braço, pela resistência era mesmo Dafne. Eu desci a escada de concreto correndo. O coração a mil, mas quando cheguei perto e Ildo tirou um boné e uma peruca da cabeça de Dafne e ela me encarou com os olhos furiosos, Maicão e Darlan entraram puxando outra Dafne.
Eu me afastei de todos tentando manter a cabeça no lugar. Que porra estava acontecendo? Que brincadeira idiota era aquela?
Eu sorri e peguei minha pistola na parte de trás da cintura. Atirei em Maicão e em Darlan — ouvi os gritos das meninas e senti Ildo tentar me segurar, mas o afastei e berrei na direção dos corpos no chão.
— Que porra é essa?
— Chefe, pelo amor de Deus, baixa essa arma!
Me virei e apontei a pistola para a cabeça de Ildo. Eu sentia os meus olhos arderem de ódio.
— Leva elas lá pra dentro. — ordenei. — Quero ver quem será o próximo palhaço a trazer mais cópias dela por cento e cinquenta conto.
Ildo pegou as duas pelo braço e sumiu por baixo da escada. Eu esmurrei algumas coisas tomado pelo ódio, quando ele retornou e tentou se explicar, atirei em sua cabeça e o vi cair já formando uma poça de sangue escuro no chão.
Fui até a cela e vi as duas juntas, perto uma da outra. Guardei minha arma e me sentei na frente da grade.
— Dafne? Como fez isso?
A da peruca olhou para a outra e me encarou.
— Quem é Dafne? Fomos pegas na rua, sequestradas. Não conheço nenhuma Dafne. Por favor, me tire daqui. Não tenho dinheiro, se é isso que quer — disse mostrando que estava nervosa, pois notei suas lágrimas.
— Cala a boca! — gritei e joguei uma caixa de madeira na grade, vi que a outra se assustou e soltou um grito de pavor.
Ela tremia, demonstrava mais que a da peruca.
— Por favor, não fizemos nada. — Ela finalmente abriu a boca.
E eu estava ficando louco, pois as vozes delas eram idênticas à da minha Dafne.
Me levantei e gritei de ódio. Eu estava louco. Peguei uma garrafa de uísque que estava em um armário e virei na boca.
— Quem são vocês? De onde são? — Com uma mão segurei a garrafa e peguei a pistola com a outra.
Elas recuaram e se uniram mais ainda. Mas quem falou foi a afrontosa da peruca.
— Somos da cidade vizinha. Eu sou Manuela e ela Rafaela. Somos gêmeas, filha do Antônio Padeiro.
— Eu não faço ideia de quem seja esse porra desse Antônio Padeiro do caralho. Onde vocês estavam que foram trazidas pra cá? E por que se parecem com a minha Dafne?
Eu tinha noção de que estava parecendo aqueles noiados delirando, mas aquilo era surreal demais. Tomei um grande gole de uísque e o joguei na grade de ferro, ouvi os gritos das duas escondendo o rosto e vi que se molharam com a bebida.
Ouvi um barulho na porta de entrada e fui até lá. Um cara entrou e se assustou com os corpos e tentou correr.
— Trouxe a Dafne? — berrei, fazendo-o parar.
— Não, senhor. Só vi uma mulher parecida, mas não era ela.
— Então some daqui! — gritei de novo e atirei no chão para assustá-lo e o vi correr, mas antes que ele conseguisse alcançar a porta, atirei três vezes em suas costas. — Não vão me enganar. Minha Dafne é única.
Fui à minha mesa e peguei o rádio.
— O prêmio pela Dafne acaba de dobrar. Agora são trezentos mil.
— Mas, chefe, os caras disseram que já encontraram. — Ouvi a voz de um deles pelo rádio.
— Era mentira!
— Juriel! — Ouvi a voz da Dafne e fui à cela.
— O que é?
— Eu sou a Dafne. — A mais assustada, falou.
Eu ri e peguei minha arma.
— Eu falei que esse louco ia nos matar. Ele não tem o mínimo de condições de pensar feito um ser humano. — A cópia da peruca gritou tentando acalmar a Dafne que falou comigo.
Guardei a arma e respirei fundo. Precisava entender o que estava acontecendo. Peguei uma cadeira de ferro e coloquei na frente da cela.
— Se você é a minha Dafne, quem é essa aí?
— Não interessa, Juriel. — A da peruca respondeu pela outra. — O que você fez com a sua vida?
Quem ela pensava que era para me abordar assim?
— Não falei contigo. Perguntei a ela.
— Você é um imbecil, sabia? Essa mulher era capaz de dar a vida por você e você se transformou nesse troço que resolve tudo com violência.
— Cala a...
— Não me calo — berrou me impedindo de falar. — Você pegou todo o dinheiro da herança do teu irmão e tá financiando o crime e aterrorizando a única pessoa que foi fiel a você a vida toda.
— Não estou aterrorizando ninguém. Ela quis ir embora e eu não aceitei.
— Por que ela quis ir embora, seu desgraçado, doente?
Peguei minha arma para acabar com aquela desgraçada, mas ouvi os soluços da outra Dafne e recuei. Ela estava tremendo. As lágrimas dela me contagiaram e não segurei o pranto. Me ajoelhei e deixei minha pistola cair no chão.
— O que está acontecendo? Eu estou em algum pesadelo? — Soquei minha cabeça na intenção de acordar e deitei no chão tentando esconder meu rosto enquanto chorava.
— Não é pesadelo nenhum, Juriel! — Ouvi a mesma voz, mas agora já sabia de quem se tratava sem precisar olhar para quem falava. — Acredito que seja uma nova chance de você parar com tudo de ruim que está fazendo conosco. Eu amava você mais que tudo, fiz tudo por você, larguei a minha família, queria começar uma vida digna com você. Nunca quis ser rica e nem tratada como uma rainha como você vivia falando, eu só queria o meu amigo, meu namorado doce e leal ao nosso amor, como era até enlouquecer de possessividade e se tornar isso.
Mesmo soluçando, eu levantei a cabeça e a encarei, ela estava sentada no chão perto da grade de ferro, tinha suplica nos olhos.
— Depois que eu perdi o meu irmão, eu...
— Não ponha culpa no Júlio, pois muito antes de ele morrer, você já era louco achando que era meu dono. Isso é culpa sua, seu caráter duvidoso fez isso.
— Você está dizendo que eu sou mau-caráter, é isso?
— Sim, Juriel. Você não precisava ter se transformado em bandido em nome de uma vingança sem sentido como foi essa. Você me escondeu o que tinha acontecido.
— Eu fiquei com vergonha, eu idolatrava o Júlio. Você não tem noção.
— E não se envergonha de ter ficado pior do que ele? E ainda tentar me matar.
— Jamais mataria você, Dafne. Não diga isso.
— Esse terror que você fez comigo esse tempo todo é pior que morte, Juriel. Eu pedi milhões de vezes para morrer pra parar de viver aquela situação.
— Quem é ela? Que maquiagem é essa?
— Não tem maquiagem nenhuma. — A outra respondeu com a voz firme, mas mórbida. — Somos a mesma pessoa, mas vivendo em universos diferentes. — Franzi o cenho. — Sei que é bem louco pensar nisso assim, mas é a verdade. Essa mulher chegou até mim completamente apavorada, foi parar no hospital. Não queria voltar aqui nunca mais para não chegar perto de você.
O que será que essa louca usou pra tá falando isso pra mim? — pensei e ouvi um barulho. Me levantei num pulo e antes que eu chegasse ao salão, vi policiais por todos os lados.
— Mãos na cabeça! — ralhou um deles apontando uma doze milímetros para mim.
Eu virei para trás e dei uma última olhada para as Dafnes e quando me virei me vi ali no meio dos policiais, demostrando desespero e sendo impedido de entrar no galpão por um dos homens fardados.
Tudo escureceu e só senti mãos me apalpando até apagar de vez.
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