O De Sempre
— Ai, Carol, não aguento mais comer sanduíche. Vamos a um restaurante com comida de verdade — reclamou Rê, minha amiga que ainda não sabia o motivo de eu ir todo dia ao mesmo restaurante de fast-food.
— Tudo bem, mas vamos passar lá e comprar uma casquinha.
— Aff! — resmungou, mas aceitou, era louca por sorvete.
Almoçamos e, ao terminarmos, já nos dirigimos ao restaurante para comprar o sorvete de casquinha enquanto ela contava que o namorado estava estranho. Aconselhei a chamar para conversar, mas era tão insegura que não se impunha nunca. Aceitava tudo e eu já não me metia mais.
Ela puxou a porta do lugar para entrarmos e senti o vapor gelado do ar condicionado. Já sorri para a atendente mais linda da vida: Clarice. Ela usava um batom vermelho, touca higiênica descartável preta. O uniforme não favorecia ninguém, mas ela ficava linda de qualquer jeito.
— Oi — cumprimentou, sorrindo. — O de sempre? — indagou a mim.
— Não, hoje já almoçamos. Viemos só comprar uma casquinha. — Minha amiga metida respondeu e senti os olhos da Clarice nos meus.
Rê fez seu pedido e se afastou para o lado para observar a outra atendente preparando. Olhei para Clarice e ela sorriu.
— A de sempre? — perguntou, simpática.
— Sim. Obrigada. É débito — avisei e mostrei o cartão a ela. Paguei e antes de me afastar, falei: — Adorei esse batom. Depois quero saber o nome.
Peguei minha casquinha e procurei uma mesa para sentar. Rê estava no celular, mas foi ficar comigo. Me sentei de frente para o caixa. Clarice atendia um casal, mas sempre cruzava o olhar com o meu.
Rê não sabia da minha bissexualidade. Era toda metida a homofóbica e eu tinha um certo medo de comentar com ela. Fez um escândalo quando um colega nosso anunciou que estava namorando. Ao ver que era um homem, ela xingou o garoto pelas costas e parou de falar com ele. Defendi o menino e argumentei sobre amor e sexualidade, mas ela só me acusou de conivência, então deixei aquilo para lá.
Ela era minha amiga havia muito tempo, mas nunca foi digna de saber com quem eu saía ou por quem me interessava.
Eu estava apaixonada por Clarice. Conheci no mês anterior e todo dia ia lá para vê-la. Logo no primeiro dia, já nos demos bem. Fiz uma brincadeira ao vê-la séria, e ela abriu aquele sorriso lindo. Já quis ser mais invasiva, mas lá era sempre cheio demais. Outras vezes eu estava com Rê, com ela era impossível flertar sem ser notada.
— O que você tanto olha, Carol? — perguntou e olhou em volta. Clarice atendia um jovem.
— Ninguém, Rê. Tô pensando na vida.
— Vamos. Acho que você tá precisando namorar. Vou te apresentar a um amigo do Fausto.
— Não começa com isso, Rê. Se os amigos dele forem parecidos com ele, eu estou muito fora.
— O que tá insinuando?
— Nada. Eu só não quero. Estou bem sozinha. Minha preocupação é com outra coisa.
Antes de sair olhei para Clarice e ganhei um tchauzinho dela, respondi com um sorriso. Rê já estava do lado de fora do restaurante ainda falando sobre o amigo do namorado dela.
— Ele é bonito.
— Não, Rê.
— Vai ficar encalhada mesmo?
— Prefiro. Mas não fico com qualquer cara.
— Boba! Eu não fico só.
— Eu sei — resmunguei e nos dirigimos à empresa.
Passamos a semana toda naquela rotina. Almoçando em um lugar e indo tomar sorvete no restaurante onde a Clarice trabalhava.
Até que na sexta-feira chegamos para tomar nosso sorvete e Clarice não estava ali. Esperei Rê se afastar e perguntei ao atendente onde a colega dele estava.
— Ela saiu. Aqui é assim, os funcionários só ficam até arrumarem coisa melhor.
— Você sabe onde ela está?
— Sei não.
— Obrigada — agradeci frustrada e mostrei o cartão a ele. — É débito.
Peguei meu sorvete e fui à mesa onde Rê já estava sentada.
— O que houve? Que cara é essa?
— Nada. Acordei meio mole hoje.
— Vish, será que vai gripar?
— Talvez.
— Nem era pra tá tomando sorvete.
— Às vezes, você parece uma velha, Rê.
— Velha por querer o seu bem?
— Sim. E por várias outras coisas também.
Eu estava triste. De coração partido por não ter tido coragem de falar mais abertamente com Clarice.
No dia seguinte, nós não trabalhávamos, então era normal ficar o fim de semana inteiro sem Clarice, mas aquele não era um fim de semana qualquer. Era um em que ao terminar, eu não a veria de novo.
Evitei Renata naqueles dias, só queria curtir a minha tristeza. E ela conseguia ser muito inconveniente.
Sofri de verdade e continuei sofrendo, pois senti algo muito forte por ela. E não podia desabafar com a minha amiga, pois não era tão amiga assim.
Falando em amizade, duas semanas depois que Clarice saiu do emprego, Rê me chamou para sair, aceitei porque seria outra noite pensando em Clarice, mas ao chegar ao bar, vi Fausto conversando com um cara numa mesa. Mencionei voltar, mas fui segurada por Rê.
— Você anda muito triste, Carol. Precisa sair e conhecer gente nova. Não precisa namorar com ele, não. Só vamos conversar e tomar umas cervejas.
Fui. Fausto nos apresentou e me sentei ao lado do Kairo. Era bonito, simpático e, superficialmente, não parecia nem um pouco com Fausto.
Depois de umas cervejas, estávamos nos entendendo. Ele era engraçado. Quando notei que o clima entre Rê e Fausto começou a esquentar, pedi para Kairo para irmos para outro lugar.
Ficamos um pouco afastados, mas ainda com o casal que brigava sob o nosso olhar.
— Conheço o Fausto há três meses, mas você e a Renata parece que são amigas de longa data, né?
— Somos. Nos conhecemos há cinco anos. Achei que você fosse amigo dele assim também. Confesso que até fiquei meio receosa por vir a esse encontro.
Ele riu e tomou um gole de cerveja. Olhei para o casal, sorrindo da diversão dele, mas observando a discussão acalorada dos dois.
— Mas me fala de você? Qual é a tua?
A minha é uma menina de mais ou menos um metro e sessenta e cinco, cabelo cacheados, sorriso perfeito e olhos castanhos profundos. — pensei, mas falei apenas:
— Ah, eu ainda estou presa a uma pessoa.
— Terminou namoro recentemente?
— Não. Não chegamos a namorar, só soube o nome e faz duas semanas que não a vejo.
— Poxa, cara. Que chato. Já me apaixonei assim, a gente ficou. Não deu em nada, pois a menina sumiu e nunca mais vi. Foi em um carnaval. Bebi por ela por uns meses bons.
— Você pelo menos a beijou — falei com tristeza. Estava prestes a chorar, quando vi o casal se aproximando de nós.
— Carol, a gente tá indo. Kairo você se importa de levar minha amiga em casa?
— Claro que não.
— Está tudo bem, Rê? — perguntei só para ela enquanto Fausto se despedia de Kairo com um toque de mão.
— Sim. A gente já se entendeu. E você o Kairo?
— Estamos nos entendendo também. — Dei um beijo no rosto dela e a vi saindo com Fausto, que apoiava a mão nas costas dela.
Eu queria ir para casa, mas vi o sorriso de Kairo.
— Vamos dar uma esticada. Tá rolando uma festa aqui perto.
— Jura que me deixa em casa até às três?
— Juro. Vem... — chamou e o segui até seu carro. — Vamos só comprar uma bebida.
Passamos em uma distribuidora e fomos para a tal festa. Ao chegarmos, ele foi recebido por algumas pessoas, cumprimentou todo mundo e me apresentou. Cumprimentei todos.
— Espera um minuto que já volto. Vou buscar cerveja pra gente. — Kairo avisou e saiu por entre a multidão.
Eu fiquei ali observando e dançando, do meu jeito. Olhei o celular e não tinha mensagem da Rê.
Tomara que tenha se entendido mesmo com aquele idiota.
Senti uma lata gelada na minha mão e me virei sorrindo, achando que era o Kairo que havia chegado. Fiquei paralisada ao ver Clarice.
— Oi — ela falou sorrindo, divertida, ao me ver de olhos arregalados.
— Oi — gaguejei, pois parecia sonho. — Eu...
— Jamais imaginei te encontrar de novo. E aqui...
Ela me puxou, pois uma galera começou a dançar passinhos ensaiados e logo estávamos correndo perigo ali naquele lugar.
— Vem aqui. Esses caras são bem malucos, vão pisar a gente. — Fui com ela e ficamos em uma espécie de jardim, no lado de fora. Ela se sentou em uma mureta. — Eu moro aqui perto. Mas, e aí?
Eu engoli um pouco da cerveja da minha lata e a fitei, sentando ao seu lado.
— Eu senti saudade de você. Não fui mais àquele lugar. Estava engordando... — falei e sorri.
— Também senti saudade. Não é todo mundo que trata a gente tão bem como você.
— Você está com alguém? — perguntei, pois a vi olhando em volta.
— Eu não. Mas vi o carinha que trouxe você. Como te trouxe pra cá, né?
— Relaxa. É só um amigo e acho que já arrumou distração.
Ficamos conversando sobre algumas bobagens. O cheiro dela era tão bom. Eu não aguentava mais. Meu coração começou a querer me sufocar. Ela ainda falava sobre o novo emprego. Precisava pagar a faculdade.
— Você estuda o quê? — Quis saber, pois a vi empolgada.
Enquanto ela procurava uma foto no celular, vi Kairo me procurando. Ele me viu e arregalou os olhos, sorrindo. Fiz sinal com a mão para ele não chegar perto.
Encostei a cabeça na de Clarice para ver a foto. Não precisava, mas fiz questão.
— Essa é a minha turma de enfermagem. Minha bolsa é de cinquenta por cento, por isso preciso trabalhar igual louca para pagar o resto. Ah, me passa seu whats. A gente marca qualquer coisa. — Me entregou seu aparelho e anotei meu número, e liguei para o meu. — Vamos procurar seu amigo, eu preciso ir pra casa, infelizmente. — falou, franzindo o queixo.
— Amei te ver, Clarice.
— Também. Não te passei meu número porque notei que a tua amiga não foi com a minha cara.
Eu sorri meneando a cabeça e ouvi uma notificação no celular dela. Ela visualizou a mensagem sem desbloquear o aparelho e vi que era a mãe.
— A polícia começou a mandar mensagem. — Riu de súbito e me olhou, mordendo o lábio inferior.
Eu não resisti e a beijei, segurando seu rosto com as duas mãos. Não podia correr o risco de ela fugir antes disso. Mas larguei o rosto dela, pois não queria ficar forçando nada. Me afastei.
— Desculpa, não podia...
Ela não falou nada, apenas me beijou novamente. E foi melhor que o primeiro. Mas o celular dela apitou de novo.
— Eu preciso ir — disse com a boca ainda na minha.
— Ah, não!
— A gente se fala. Não vamos mais nos perder! — garantiu e me beijou.
Fiquei flutuando, mas de coração apertado ao vê-la se afastar ainda me olhando.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro