Home Care 6
— Ah, meu Deus! Ela acordou! — Seus berros chamaram a atenção do filho que entrou correndo ainda usando quimono.
— O quê? — perguntou de olhos arregalados e gritou de alegria pulando perto da cama.
Notei a confusão de Kelly e meus olhos foram direto para o monitor cardíaco.
— Calma, gente — gritei para ser ouvida, pois Kelly estava assustada e visivelmente incomodada.
— Por que está pedindo isso, Manu? — Nicole perguntou ofegante.
Olhei para o relógio e ainda eram quatro e trinta. Eu teria que falar com Nicole sozinha.
Mas antes que eu encerrasse aquele pensamento, ela estava ligando para o médico. Seu rosto estava completamente vermelho, havia lágrimas em seus olhos e seu peito subia e descia.
Não saiu de perto da cama de Kelly, que me olhava como se pedisse socorro.
Cleber entrou, pois precisava trocar a sonda e parou no meio do quarto quando ouviu Nicole ao celular.
— Ela acordou, doutor. Eu estou quase enlouquecendo. Acho que a assustei, pois ficou confusa e assustada. A Manu notou e... tudo bem, estou esperando. Obrigada. — Ela tremia quando largou o aparelho sobre uma bancada.
Pegou a mão de Kelly e a beijou, sorrindo, com os olhos marejados. Aquilo me emocionou. Hugo estava acariciando o braço da mãe no outro lado da cama. Kelly fitava Hugo com o olhar confuso e evitava Nicole.
Ajudei Cleber a troca a sonda para não ter que encarar Nicole, que falava com a esposa e tentava olhar em seus olhos, se colocando ao lado do filho.
Doutor Fernando chegou em dez minutos.
— Ah, doutor, que bom que pôde vir. Ela não fala nada e tá com o olhar perdido. Parece que não nos conhece.
— Podemos conversar no escritório? — ele pediu.
— Claro. — Ela beijou a mão da esposa e mencionou sair com o médico.
— Manu, por favor, venha conosco — o médico chamou. Encarei Cleber, peguei as minhas anotações e deixei o quarto.
Hugo contava que havia passado de faixa e que mostraria os vídeos depois para Kelly.
Cheguei ao escritório com a respiração presa, parecia que ia para a forca.
— Ela perdeu a memória, doutor? Por que ela está assim?
— Nicole, sente-se. — pediu e acenou para que eu me sentasse também. Apenas obedeci. — A Kelly acordou nessa madrugada, às duas da manhã.
Vi o rosto de Nicole mudar para uma expressão confusa e talvez aborrecida.
— Como assim? — perguntou olhando para o médico, mas me lançou um olhar de interrogação.
— Nicole, acontece de o paciente acordar confuso. Manu quis procurar você e a mim, mas a Kelly não quis. Vi o desespero dela — Apontou para mim — e resolvi conversar com vocês antes de falarmos com a Kelly.
— O que aconteceu? — Sua voz saiu embargada e me senti um lixo por estar fazendo aquilo.
Ele me olhou e assentiu para que eu falasse o que houve. Eu engoli saliva e olhei para Nicole.
— Eu acordei e a vi me olhando. Tomei um susto e por instinto fui fazer os exames. Os reflexos estavam bons...
— Você pode... por favor, ir para a parte que interessa. Depois eu leio o relatório. — Suas lágrimas me fizeram chorar também.
— Ela não quis que chamasse você, Nicole.
— O quê? E você aceitou isso assim, sem pensar que ela poderia apenas estar confusa? — Seu olhar foi cortante.
— Eu argumentei, mas ela estava irredutível. Desculpa.
Ela se levantou e passou as mãos no rosto, olhando para o teto branco da sala.
— Nicole, nós vamos levar a Kelly para fazer exames. O pessoal está aí fora. Mas preciso saber se você tem algo a dizer sobre isso?
— Doutor Fernando, o senhor tinha a obrigação de ter me falado o que estava acontecendo na hora em que soube, já que a enfermeira dela não foi capaz de desobedecer a uma ordem da paciente que acabara de acordar depois de cinco anos em coma.
Aquilo foi como uma punhalada no meu peito. Ela não me encarava mais.
— Eu sei, Nicole. Peço perdão por isso. Eu não devia ter me envolvido dessa forma. Mas se você tem algo para nos dizer para que possamos trabalhar isso nela, será de grande ajuda, pois aparentemente ela não teve a fala afetada, mas continua sem esboçar uma palavra.
— O senhor precisa fazer os exames, né? Então tudo o que disser antes disso é especulação.
Doutor Fernando se levantou e encarou Nicole, no alto dos seus quase dois metros de altura. Era um negro aparentando cerca de uns quarenta anos, mantinha a cabeça raspada e um corpo bem cuidado.
— Você sabe do que estou falando, Nicole. Mas vamos sim fazer os exames.
Mencionou sair e me levantei. Nicole caminhou até a porta e se virou para mim.
— Você arruma suas coisas e sai dessa casa, ok? Achei que pudesse confiar em você.
Eu não disse nada, apenas me mantive de cabeça erguida e deixei a sala.
Depois de chorar horrores enquanto arrumava tudo, peguei o celular e liguei para Dan. Ela estava namorando um cara que tinha uma caminhonete e foi me buscar.
Não vi quando Kelly foi removida para o hospital, não vi ninguém mais. Dan chegou xingando Nicole e saímos da casa sob os meus pedidos de silêncio para ela.
Eu estava arrasada. Preocupada com a Kelly e decepcionada com a Nicole. Fui para a casa de Dan e liguei para minha mãe. Expliquei o que houve para ela e ouvi seus lamentos, mas depois me apoiou e perguntou se eu não ia para casa.
— Vou ficar por aqui e passar o fim de semana com a Dan. Segunda-feira vou pra casa. Obrigada, mãe.
Dan saiu com o namorado depois de eu me recusar a ir com eles e ameaçar ir para casa se ela deixasse de sair por minha causa.
— Dan, nunca tivemos essas bobagens de ficar chateada com essas coisas. Eu preciso ficar sozinha, pensar em tudo. Amanhã eu aceito sua companhia, mas hoje eu preciso de mim. Por favor.
— Tudo bem — concordou e me abraçou.
Fiquei sozinha e chorei, única coisa que estava conseguindo fazer com perfeição. Tomei banho, troquei de roupa e deitei. Queria dormir, mas sabia que não conseguiria, meu relógio biológico só permitia dormir por pouquíssimas horas.
Pensei em tudo. Revirei na cama e depois fui à janela, pensei recebendo a brisa da noite e ouvindo vozes de vizinhos e sons ao longe. Era fim de semana e as pessoas se divertiam.
Abri a geladeira de Dan para pensar e vi que além de cerveja, só tinha ovo e água. Peguei uma cerveja e sentei no sofá. Cheguei na fase de me xingar por ter sido tão burra e antiética. Tomei todas as cervejas de Dan enquanto mantinha aquela discussão interna comigo mesma.
Estava com a cabeça a tempo de explodir quando ouvi o barulho da porta de entrada se abrindo. Me virei e notei que estava zonza, fechei os olhos e os apertei por um momento. Dan entrou, largou sua bolsa sobre uma cadeira, as chaves sobre uma bancada e se dirigiu a mim. Mas antes de chegar viu as garrafas no chão e sorriu.
— Eu queria ter bebido com você e falado mal daquela desgraçada, mas valeu também.
O efeito do álcool deixava a minha cabeça pesada, olhos quentes e embaçados. Abracei a minha amiga e senti o chão girar.
— Ela foi mesquinha, Dan.
— Ela foi uma filha da puta, isso sim. Por causa de uma bobagem dessas te jogar na rua como se você fosse um cão sem dono.
— Eu não devia ter saído de lá. — Levantei a cabeça.
— E ia ficar lá depois de ela mandar você sair?
— Eu sairia, mas depois que conversasse com ela. — Apertei os olhos com os dedos e quando os abri procurei cerveja, mas não tinha mais.
— Já chega de beber. Vou buscar uma água pra você. Acho que você devia ir conversar com ela, sim, mas para resolver as coisas do trabalho. Não pode passar todos esses anos lá e sair assim — falou já na cozinha. — Eu sei que você se apaixonou, mas depois disso, precisa esquecer que aquele povo existe.
Ela trouxe a água e eu já chorava. Tentei tomar, mas mal consegui segurar o copo. Depois de um momento de lágrimas, tomei a água e fiquei com Dan por mais um tempo. Depois fui para a cama.
Eu não conseguia acreditar que na noite anterior estava tudo bem e naquele momento o mundo havia desabado.
Eu usei aquela noite para sofrer, podia me dar ao luxo. E foi o que fiz. Acordei de madrugada enjoada e fui vomitar. Depois tomei banho, escovei os dentes e peguei uma garrafa de água e um copo para beber no quarto. Minha cabeça ainda estava pesada devido ao álcool, mas eu já me sentia sóbria.
Voltei para o quarto e vi algumas mensagens no meu celular. Era do Hugo, lamentando por eu estar de folga.
— Aquela filha da mãe não disse para ninguém que me mandou embora? — falei, furiosa, em voz alta.
O dia amanheceu me trazendo uma dor de cabeça fina e latejante. Dan fazia um cheiroso café quando entrei na cozinha.
— Bom dia! Como está?
— Horrível! Bom dia. — Dei um beijo nela e peguei uma caneca.
— Vamos a um churras hoje? — convidou enchendo a minha caneca de café forte, preto e maravilhoso. — Eu sei que você tá meio...
— Vamos, sim, Dan. Vou só tomar um banho e dar um jeito na minha cara — falei, me sentando à mesa.
Ela pegou um pão francês de dentro de um saco de papel sobre a mesa e abriu uma lata de margarina.
— O pessoal lá é legal. Você precisa se divertir um pouco. — comentou enquanto untava o pão. — Quer? Tem aquele queijinho que você gosta.
— Não, obrigada. Meu estômago tá horrível.
Fiquei só no café, que me ajudou a me sentir melhor. Saímos depois de meio-dia. O churrasco era na casa do Darlan, namorado de Dan. Era uma casa bonita com uma grande área verde utilizada para lazer, pois havia uma churrasqueira imensa, uma mesa de madeira rústica com uns vinte lugares. Segundo ele, era dia de a família se reunir e tomar uma cerveja coisa que tinha à vontade. Eu estava enjoada, mas faminta.
— Ela encheu a cara ontem, amor — Dan comentou quando recusei uma latinha. — Então acho que vai ficar só na carne.
— Ressaca se cura com outra cachaçada. — Ele comentou sorrindo e colocando um espeto sobre uma tábua para cortar a carne que chiava ainda assando.
— Talvez mais tarde eu anime. — Peguei um prato e ele colocou a carne fumegante para mim. — Obrigada. Sua casa é muito bonita.
— Obrigado.
Dan se sentou ao meu lado na mesa grande já com comida servida em recipientes de barro.
— Como você tá?
— Tô melhorando. Obrigada. Você é ótima.
— Fico feliz. Quando quiser ir embora a gente vai, tá? Ele é tranquilo e falou que preciso apoiar você.
— Você achou o cara perfeito? — perguntei sorrindo para mudar um pouco aquele assunto.
— Sei lá. — Ela riu e olhou para ele. — Ninguém é perfeito. Se ele for, eu sou a errada. E depois...
A fala dela foi interrompida pela chegada de umas oito pessoas que cumprimentaram Darlan ainda de longe. Fomos apresentadas e começamos a conversar com todos que sem exceção pegaram bebidas. As meninas foram trocar de roupa para cair na piscina, a qual só notei sua existência quando o próprio Darlan abriu um portãozinho de uma cerca viva e três rapazes entraram fazendo barulho ao pularem na água.
Mesmo com os pensamentos ruins querendo tomar conta da minha cabeça, eu não me deixei abater. Aproveitei ao máximo aquele fim de semana e curti a minha amiga, que dispensou o namorado no domingo para ficar só comigo.
Estávamos assistindo a um filme e pausei para ir ao banheiro. Quando voltei vi uma mensagem de Nicole no meu celular que havia ficado no sofá.
Franzi o cenho e fiquei olhando para o aparelho. Dan não me encarava, pegou o controle e deu play no filme e eu abri a mensagem de Nicole.
"Claro que eu respeito você, Manu. Isso não precisa chegar a esse ponto. Desculpa..." — Não terminei de ler a mensagem, pois vi que era resposta a algo meu. Dan tinha respondido à primeira mensagem de Nicole daquele dia.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro