Home Care 07
"Manu, preciso falar com você. Será que pode vir aqui em casa?" — dizia a mensagem de Nicole.
"Não posso ir à sua casa, não, Nicole. Acha que sou o quê? Passei anos dedicada exclusivamente à sua família para ser praticamente escorraçada por causa de uma bobagem daquelas. Vamos nos falar apenas para resolver pendências trabalhistas. Me respeita que não sou uma qualquer!" — Era o conteúdo da minha mensagem enviada pela minha amiga enxerida.
— Por que fez isso?
— Porque você nunca faria. Precisa se impor pra essa mulher. Ela faz o que quer com você e ainda te trata que nem um nada. — Ela estava visivelmente aborrecida, desligou a tevê e deixou a sala com a tigela de pipoca vazia.
— Você não tinha o direito de ter se metido assim, Dan — falei alto chegando à cozinha onde ela estava.
— Você é muito boba, por isso as pessoas fazem qualquer coisa com você e você deixa.
— Não quero brigar com você, Dan. — Tentei fugir daquele assunto, saindo da cozinha, mas ela me seguiu.
— Então não briga. Aceita que ou você se impõe pra vida ou ela te engole.
Eu me virei e fitei seus olhos, decepcionada com aquelas palavras.
— Ela precisa te valorizar, Manu. — Seu tom de voz era ameno e ausente da fúria de segundos antes. — Você não era só a enfermeira que cuidava da esposa dela. Vocês eram namoradas, cara. Ela devia no mínimo ter escutado você.
Ela tinha razão. Minhas lágrimas desceram.
— Está vendo? Eu odeio quando você chora. — Seus olhos também estavam marejados. — Você é a melhor pessoa que eu conheço e não merece nada disso. Essa Nicole é uma filha da puta e você não vai voltar pra ela.
Eu apenas a abracei. Ficamos ali abraçadas no meio da sala, chorando igual duas bobas.
— Eu amo você, cara. Odeio quando você sofre por quem quer que seja.
— Por isso eu passo tanto tempo sem ninguém, para te poupar de tanto ódio — brinquei e ela sorriu, secando o próprio rosto.
— Boba!
— Obrigada. Eu vou ficar quieta hoje e amanhã eu vou conversar com a Nicole.
— Tá bom. Mas que ela merecia um esculacho bom, isso merecia.
— Sim, ela merecia — concordei e a conduzi ao sofá.
Não admiti para a minha amiga que fiquei feliz com a mensagem da Nicole. Meu coração deu um salto quando vi a notificação dela. Eu a amava e amava aquela família. Sentia falta principalmente da Kelly.
Ficamos conversando bobagem até ela sentir sono e ir dormir. Eu fui para o quarto apenas para deitar, pois estava tensa demais para dormir. Respondi Nicole quase meia-noite, marcando um horário para ir conversar com ela e recebi a confirmação dela imediatamente como se estivesse esperando pela minha mensagem.
Esperei amanhecer e saí da cama. Tomei banho e preparei um café da manhã para nós. Dan gostava de pão de queijo, então deixei pronto.
— Bom dia! — ela disse entrando na cozinha já arrumada para ir trabalhar.
— Bom dia. — Minha resposta foi enquanto ela me dava um beijo na cabeça.
— Como foi a noite? Pensou no que te falei?
— Sim. Pensei muito. Marquei com ela às oito e meia. Assim, quando sair de lá já vou para casa.
— Sabe que pode ficar aqui, né?
— Sei. Obrigada. Mas minha mãe está preocupada, preciso ir pra lá.
Ela concordou e engoliu o café da xícara.
— Obrigada pelo café. Esse pãozinho de queijo estava delicioso. Eu preciso correr, pois estou atrasada.
— Vou sair com você. — avisei e fui escovar os dentes. Peguei minha bolsa e celular e saí com a minha amiga fazendo mil recomendações sobre minha conversa com a Nicole.
Eu estava muito magoada com ela, mas não guardava rancor. Apesar de saber que Dan tinha razão, eu não pretendia falar de direitos trabalhistas naquela conversa, a não ser que Nicole quisesse. No fundo do meu coração havia uma esperançazinha de que ela teria se arrependido de tudo o que fez.
Desci do ônibus e andei por uns dez minutos até chegar ao condomínio dela. Meu coração estava prestes a sair pela boca quando passei pela portaria e o porteiro me cumprimentou. Acenei sorrindo e segui para a terceira casa. À medida que eu me aproximava começou a voltar toda aquela sensação de impotência com a qual fui dominada no dia que ela me mandou embora daquela forma. Imediatamente um nó doloroso se formou na minha garganta, me impedindo até de pensar direito.
Olhei a hora e faltavam cinco minutos para as oito e meia quando, seu Domingos, o jardineiro, abriu o portão para mim. Fui recebida por uma Nicole de roupão, olhar abatido e profundo lançando ao meu.
— Bom dia! — falei num tom baixo como se não quisesse acordar alguém.
Nicole se dirigiu a mim num gesto de quem ia me abraçar, mas recusei seu carinho, o que a fez recuar.
— Me perdoa. Por favor. Eu agi no calor do momento. — Seus olhos estavam molhados.
— Por que me chamou aqui, Nicole? — perguntei sentindo a pulsação do meu coração em cada parte do meu corpo.
— Para pedir desculpa pela besteira que eu fiz. Você estava protegendo a Kelly e eu fui uma idiota ao agir daquela forma. Foram cinco anos de sofrimento, eu me senti traída por...
— Traída? Você tá se ouvindo? — Ela abriu a boca para falar e a interrompi. — Você não viu o desespero nos olhos da Kelly quando mencionei sair para te acordar. Você não pensou no meu desespero por estar fugindo da minha ética profissional por causa de emoção, do afeto que criei em todos esses anos. — Senti os meus olhos embaçados. Engoli saliva na tentativa de engolir aquele choro preso.
— Por favor, Manu. Me perdoa. Eu amo você, foi um momento de raiva, de susto. Eu errei, procura...
— O que houve?
— Eu me dei conta de que tinha feito a maior burrada da minha vida quando saí dessa casa para levar a Kelly ao hospital...
— Estou falando dela — cortei-a. — O que houve para ela agir daquele jeito? — Vi seus olhos se arregalarem à minha pergunta. — Sobre você não quero saber de datas, pois você me procurou ontem.
— Eu fiquei com medo daquela sua reação, Manu. E eu estava certa, você foi bem direta comigo, mas entendo você. Só peço que me perdoe e volte pra casa.
Olhei para o chão e a fitei em seguida.
— O que houve?
— Manu! — Ouvi o grito de Hugo no alto da escada, pois só assim me dei conta de que estávamos tendo aquela conversa ali perto da porta de entrada.
Ele correu e pulou em mim, enchendo o meu rosto de beijos. Aquilo me fez acalmar o coração ainda magoado.
— Você está bem? — perguntou quando o coloquei no chão. — Senti saudade de você ontem.
— Senti saudade também, meu anjo. Estou bem. E você?
— Estou ótimo. Minha mãe Kelly vai fazer tratamentos e logo vai voltar a andar e a falar. O médico disso que ela só está se adaptando, pois dormiu por muito tempo. — explicou, sorrindo.
— Que ótimo! — Beijei seu rosto e olhei para Nicole.
— Amor, vai tomar café. — Nicole disse e o menino correu. — As primeiras aulas dele de hoje foram canceladas.
Ela acenou para o escritório e me dirigi para lá junto com ela. Ao chegarmos, ela serviu duas taças com água de uma jarra que havia sobre a mesa.
— Eu preciso que me perdoe, Manu. Me desculpa. Eu estava muito nervosa e ajo assim quando estou sob grande estresse.
— O que houve com a Kelly? — insisti.
Ela tomou um grande gole de água e suspirou fundo.
— Antes de ela sofrer o acidente, nós tivemos uma briga feia. Eu queria que ela se aposentasse, pois estava no auge de uma carreira já bem longa.
Eu peguei a minha taça e tomei um gole da bebida, sem desprender a atenção de Nicole.
— Ela havia prometido que correria apenas aquela temporada e pararia para cuidarmos do Hugo e das empresas. Só que ela não só assinou contrato de dez anos com uma marca alemã sem me avisar, como mentiu dizendo que queria parar.
— Por que você queria que ela parasse? Correr era a paixão da vida dela.
— Manu, ela havia se acidentado antes da tragédia. Duas vezes, a primeira foi logo que o Hugo nasceu, a segunda ele tinha três anos. E eu ficava morrendo. Ela me prometeu que pararia, eu acreditei, mas quando descobri, por acaso, que havia assinado contrato com os alemães, eu surtei. Brigamos muito feio, a mandei calar a boca, chamei de mentirosa e ameacei ir embora levando o Hugo se ela insistisse naquela loucura.
Eu engoli saliva, tentando digerir aquilo.
— Abrimos o nosso relacionamento porque ela viajava muito e quando o Hugo começou a precisar de escola e coisas que toda criança precisa, eu decidi parar aqui. Não dava para estar com ela em cantos diferentes do mundo a cada temporada. — Respirou fundo e apertou os olhos com os dedos. — Ela passava pouco tempo com a gente, até que me traiu com uma italiana. Eu sofri muito, cheguei a ir para a casa dos meus pais com o Hugo e ela quase entrou na justiça pela guarda do menino. Para não ficar sem ele, eu voltei para casa. Ela cancelou alguns eventos e passou uns oitos meses em casa, saindo apenas para resolver alguma coisa das empresas. Nós nos perdoamos e reatamos o casamento. — Seus olhos estavam cheios de lágrimas.
Eu me ajeitei na cadeira e continuei observando-a.
— Nós fizemos promessas vazias uma para a outra. Eu a traí e a fiz sofrer. Sofri junto com ela, ela passou seis meses nos Estados Unidos, sem sequer vir aqui para ver o filho.
— Ah, meu Deus! — exclamei finalmente.
— Ela era muito ela, tudo girava em torno dela. Eu tentei de todas as formas, aí veio o primeiro acidente e eu quase morri, foi grave, mas logo que se recuperou voltou para as pistas. Aquelas cicatrizes pelo corpo dela não são só desse acidente. Ela tem orgulho delas. Eu resolvi dar uma trégua nesse assunto. Depois de muito sofrimento por causa da nossa falta de respeito com a nossa relação, conversamos e resolvemos abrir o nosso casamento.
Naquele momento, eu senti uma pontada de um sentimento que não soube distinguir, mas esperei que ela continuasse.
— Vivemos bem por um tempo, pois ela queria marcar a presença dela com a nossa namorada, pois ela se encantou por ela também e propomos o poli. Eu acredito que ela está assim por causa da nossa briga pouco antes de ela sofrer o acidente que a parou por cinco anos.
— O paciente acha que não se passou nenhum segundo — falei. — Por mais que ela absorva o que acontece ao seu redor, como os filmes e livros que eu lia para ela, é como se ela estivesse ainda cinco anos atrás. — expliquei.
— O doutor Fernando me disse isso. O Hugo ficou frustrado quando ela não demonstrou nada ao vê-lo, mas expliquei e ele compreendeu direitinho. — Ela pegou um lenço numa gaveta e secou o rosto.
Senti dó dela, pois imaginava o que estava passando.
— Kelly acha que brigamos ontem, que nos machucamos há poucas horas. — O choro não foi contido, apesar de ela tentar disfarçar. — Eu já me arrependi tanto de tudo o que falei pra ela naquele dia e agora estou me martirizando, me arrependendo de novo. Me senti culpada por ela ter quase morrido, por ter passado cinco anos em coma.
— Nicole, eu sei que dizer isso agora não vai adiantar muito, mas você foi fiel a ela, cuidou e em momento algum quis algo assim. Ela errou também. Agora precisam se perdoar de verdade, como se fosse cinco anos atrás de fato. Ela está confusa e precisa de apoio, paciência e carinho. Deve ser louco você acordar e ser recebida por uma criança te chamando de mãe sendo que a lembrança que você tem do seu filho era de um menino mais novo.
— Eu sei. Ela está me evitando e isso está acabando comigo. Não aguento mais chorar e me culpar por esse maldito acidente.
— Vocês precisam fazer acompanhamento psicológico juntas. Você está abalada demais com essa situação.
— Eu preciso de você, Manu. Pode soar egoísta, mas não vou conseguir sozinha. Tenho sentido uma saudade cruel de você.
Eu me levantei de onde estava e contornei a mesa, chamei-a para um abraço e ela desabou no meu ombro. Senti seu coração disparado sobre o meu peito. Deixei que desabafasse enquanto acariciava as costas dela. Quando seus soluços já não eram tão intensos, afastei um pouco o rosto e a olhei.
— Para de chorar — pedi secando seu rosto com o polegar. — Isso aconteceu há tanto tempo. Ela precisa da sua força.
— Volta pra mim, Manu. Volta pra nós. Eu amo você. E ela também. Notei que te procurava sempre que eu entrava no quarto dela, me culpou por tua ida e fui bem horrível com você mesmo.
Não resisti e a beijei. Ela estava tremendo. Finalizei o beijo com um selinho carinhoso e fitei seus olhos.
— Eu volto. Eu preciso conversar com a Kelly. Posso vê-la?
— Claro. Vai lá, eu vou tomar um banho e trocar de roupa.
Deixamos o escritório e nos separamos no início da escada. Ela subiu para o quarto e fui ver Kelly, ela estava sozinha quando entrei. Abriu os olhos e esboçou um sorriso.
— M-Manu! — falou com dificuldade, me enchendo de emoção!
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